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Mancha de oleo ja afeta reserva

O Globo, Rio, p.12
28 de Abr de 2005

Mancha de óleo já afeta reserva
Cristiane de Cássia
Um desastre ecológico de grandes proporções. É assim que já está sendo considerado pelos órgãos ambientais o vazamento de mais de 60 mil litros de óleo diesel causado por um acidente de trem em Itaboraí anteontem. A mancha de óleo avançou pelo Rio Caceribu, afetou a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim e ontem atingiu a Baía de Guanabara. A pesca e a captura de caranguejos na região foram suspensas temporariamente devido ao risco de contaminação. Cinco famílias que moram no local do acidente foram removidas de casa porque sofreram problemas de saúde causados pelo forte cheiro do óleo.
O gerente-executivo do Ibama no Rio, Edson Bedim, reclamou da demora na comunicação do acidente e das barreiras para conter o vazamento:
— O Ibama só foi informado após as 10h (o acidente aconteceu às 4h30m) e as barreiras eram inadequadas. Um estado produtor de petróleo e derivados deveria ter uma cadeia produtiva mais bem estruturada para evitar acidentes dessa proporção.
Mas o gerente-geral de Prevenção de Risco da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), José Geraldo Azevedo, garantiu que as autoridades foram informadas instantes depois do descarrilamento. O acidente envolveu um trem carregado de óleo diesel que ia de Caxias para Campos. Um dos vagões foi perfurado por um engate e ocorreu o vazamento.
Durante o dia de ontem, técnicos da FCA trabalharam para retirar o óleo dos vagões tombados e assim poder colocá-los nos trilhos. Também acompanharam a montagem de seis barreiras a dez quilômetros do local do acidente, no Rio Caceribu. O objetivo era evitar a entrada da mancha na APA de Guapimirim, um dos últimos paraísos ecológicos da baía. Mas, segundo o coordenador da equipe de emergência da Feema, Carlos Eduardo Strauch, o óleo diesel, que é muito fino, passou por baixo.
— As barreiras foram mal dimensionadas — afirmou o chefe da APA de Guapimirim, Breno Herrera. — Elas deveriam ter uma saia por baixo.
Segundo ele, o óleo passou pelas barreiras de madrugada, mas o problema só foi constatado às 6h. Daquele ponto até a entrada da Baía de Guanabara, o óleo percorreu cerca de 12 quilômetros do Rio Caceribu. A chuva contribuiu para que o óleo chegasse mais rapidamente à baía.
— A chuva aumentou a velocidade da corrente do rio — disse Carlos.
Para tentar dispersar a mancha de óleo que chegou à baía, uma embarcação foi usada para passar várias vezes por cima dela. Essa ação, chamada dispersão mecânica, facilita a evaporação do óleo. A dispersão mecânica está sendo usada na baía porque a camada que chegou até lá é muito fina, impossível de ser retirada por barreira absorvente ou por sucção, como está sendo feito no rio.
Os pescadores e catadores de caranguejo da APA de Guapimirim foram bastante prejudicados. Devido à toxicidade do óleo, as atividades foram suspensas por tempo indeterminado na região. O Ibama fará um exame no pescado e nos crustáceos para saber se houve contaminação.
Devido ao desastre ambiental, a FCA já foi multada em R$ 5 milhões, mas novas medidas devem ser tomadas. As multas foram aplicadas pela Comissão Estadual de Controle Ambiental (R$ 4 milhões) e pela Serla (R$ 1 milhão). A Serla ainda intimou a FCA a adotar as medidas de contenção e a fazer uma análise diária da água de toda a região afetada.
Minc: grupo vai cobrar indenização
A Comissão de Meio Ambiente da Alerj vai cobrar na Justiça a reconstituição de tudo que foi atingido, além de indenização aos pescadores e catadores de caranguejo. Segundo o deputado Carlos Minc (PT), presidente da comissão, também cabe neste caso uma ação de reparo dos danos. A sugestão do parlamentar é que a empresa ajude a aparelhar melhor as equipes que trabalham na defesa do meio ambiente da região.
O Ibama ainda está avaliando os danos antes de tomar as medidas punitivas.
— Esta bacia hidrográfica é muito rica e a contaminação atingiu não só o Caceribu como seus afluentes — disse Bedim. — É um desastre ecológico de grande proporção.
Cinco famílias que vivem junto ao lugar do acidente foram levadas para um hotel em Pedra Bonita porque tiveram algum problema de saúde.
— Meus filhos de 6 e 9 anos têm bronquite e sofreram de madrugada com ânsia de vômito e tontura — contou Nilcéia Castro.
Segundo a FCA, as famílias devem permanecer no hotel até acabar o cheiro. A empresa formou uma comissão para investigar as causas do acidente. Naquela linha, a FCA admite que há freqüentes furtos de trilhos, mas garante que eles são rapidamente repostos e que nenhum estava faltando no lugar do descarrilamento.

Ameaça a um dos últimos paraísos
Maria Elisa Alves
Criada há quase 21 anos, não é à toa que a APA de Guapimirim é conhecida como um dos maiores paraísos ecológicos do Rio. No local vivem 172 espécies de aves, muitas delas marinhas, e pelo menos 70 de peixes. Além da exuberância da fauna — a APA também é habitat de um sem-número de capivaras (incluindo a ilustre ex-habitante da Lagoa), jacarés e caranguejos — a região guarda hoje um pedacinho do passado. Ali sobrevive a maior parte dos manguezais remanescentes da Baía de Guanabara. Segundo cálculos do geógrafo Elmo Amador, dos 280 quilômetros quadrados de vegetação de mangue que a baía exibia na época do Descobrimento, restam apenas 80. Destes, 70 estão na APA de Guapimirim e os dez restantes, espalhados no entorno do espelho dágua. Amador teme que o vazamento de diesel ocorrido anteontem contribua para matar mais vegetação. Mas a possibilidade de morte das três espécies de mangue da região, que chegam a 15 metros de altura, não é o único dano possível:
— A morte da vegetação vai alterar todo o ciclo do siri, do camarão e do caranguejo. Além disso, o mangue ajuda a segurar sedimentos, não deixa a baía assorear tanto. Se afetar muito a vegetação, o vazamento de diesel será fatal para a Baía.
Diretor da APA de 140 quilômetros quadrados, Breno Herrera diz que o derramamento de óleo atingiu justamente a região cortada pelo Rio Caceribu, um dos últimos preservados que deságuam na baía:
— A área afetada é justamente a mais conservada. Lá há 20 quilômetros quadrados de manguezais primários, que nunca sofreram corte ou retirada — lamenta.
Em 2000, um vazamento de óleo refinado da Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) atingiu 10% da APA, matando peixes, crustáceos e manguezais.

O Globo, 28/04/2005, p. 12

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