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Mais um verão de medo

O Globo, Rio, p. 16-17
12 de Dez de 2012

Mais um verão de medo
Dois anos após tragédia, poucas obras foram feitas, e cidades continuam vulneráveis às chuvas

TAÍS MENDES
tais@oglobo.com.br

Às vésperas de a tragédia completar dois anos, o cenário pouco ou nada mudou nas áreas devastadas pela enxurrada de janeiro de 2011 na Região Serrana. A estação das chuvas se aproxima, e as obras de recuperação e prevenção nos municípios caminham lentamente. Em alguns locais, elas nem começaram. E o que é pior: sem aluguel social, moradores começam a retornar para as áreas de risco.
No bairro do Campo Grande, em Teresópolis, já são cerca de 50 famílias vivendo em meio a escombros. Em Nova Friburgo, alguns moradores também retornaram para o Córrego Dantas, que hoje mais parece um deserto de barro, com casas ainda soterradas. No Vale do Cuiabá, em Petrópolis, haras e sítios já recuperados contrastam com a destruição de casas mais simples, que começam a sumir no meio do mato que cresce. Enquanto só a natureza faz a sua parte, especialistas alertam: basta chover metade do volume de água que caiu em 2011 para que uma nova catástrofe aconteça na Serra. Na madrugada daquele dia 12 de janeiro, em pouco mais de nove horas, choveu o equivalente a todo o mês de janeiro. Foi a maior tragédia climática do país: oficialmente, 918 pessoas morreram, 215 desapareceram e milhares ficaram desabrigadas.
O governo estadual rebate as críticas e argumenta que, diante da magnitude da tragédia, teve que, juntamente com a União, prestar assistência imediata às vítimas e implantar ações de restabelecimento dos serviços públicos. O secretário estadual de Obras, Hudson Braga, afirmou que, em parceria com o governo federal, vem trabalhando na recuperação da região. De acordo com o estado, os investimentos - tanto os executados como os em andamento - das duas esferas de governo em obras de contenção de encostas, reconstrução de pontes, dragagem de rios, recuperação de rodovias, pagamento de aluguel social e construção de moradias já somam mais de R$ 2,3 bilhões.
Em contenção de encostas nos municípios mais atingidos (Teresópolis e Nova Friburgo), por exemplo, o governo do estado garante que investiu R$ 147 milhões em 45 intervenções em pontos de alto risco. Outros R$ 81,6 milhões da União serão investidos em obras em encostas. O governo federal destinou R$ 80 milhões para recuperar 62 pontes - desse total, 20 obras estão em andamento e dez serão concluídas este mês. A verba para recuperar os rios é de R$ 1 bilhão, e foram aplicados até o momento R$ 103 milhões de recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam).
- Estamos trabalhando em médio e longo prazo. No verão de 2014, praticamente teremos concluído 80%, 90% das obras que estão em andamento ou em licitação - disse Hudson Braga
Casas em ruínas viram cracolândias
Mas em dois dos bairros mais atingidos de Nova Friburgo - Córrego Dantas e Duas Pedras -, a impressão é que a tragédia foi ontem. Em Duas Pedras, onde 22 pessoas morreram em 2011, ruínas de imóveis destruídos pela enxurrada são usadas como pontos de consumo de crack à noite. Domingo passado, viciados incendiaram uma das casas, e foi preciso chamar os bombeiros.
- Eles (os usuários) chegam quando anoitece e fazem a maior baderna a madrugada toda. E estão roubando os relógios de luz das casas abandonadas. Querem o cobre, que tem alto valor no mercado - conta a moradora Kátia da Luz, de 48 anos.
A vice-presidente da associação de moradores do lugar, Rose Rodrigues, diz que a obra na encosta, a única a ser iniciada no bairro desde a tragédia, segue a passos lentos:
- Mudam o projeto toda semana, e isso dá uma certa insegurança. No domingo, choveu bastante e desceu muita água da encosta. Os moradores ficaram assustados.
Segundo Rose, a encosta não é o único nem o maior problema do bairro:
- Nossa maior reivindicação hoje é uma obra de drenagem. Refizeram a rodovia, mas jogaram para dentro do bairro todas as águas que descem da estrada. O córrego que existe aqui mal suporta as águas do bairro.
Já na avaliação do presidente do Conselho de Desenvolvimento de Nova Friburgo, Antônio Carlos Cordeiro, dois anos não são suficientes para recuperar a cidade, diante do que foi a tragédia de 2011:
- O governo tem um pacote de obras expressivo e já recuperou muita coisa, como a região do Centro e as estradas. Mas tem muito a ser feito ainda. E o nosso calcanhar de aquiles é a habitação. Friburgo é formada por vários vales, e não há terrenos apropriados para a construção de casas populares. Hoje não há mais como construir perto de rios ou de encostas. A discussão atual no município é buscar uma solução com a construção de pequenos conjuntos habitacionais.
Indenizações: negociação demorada
De acordo com informações do secretário estadual de Obras, a dificuldade maior no município foi encontrar uma área adequada, sem risco, para a construção de casas. Ainda segundo Hudson Braga, após um ano, foram identificadas três áreas no Caminho do Céu, onde serão erguidas 2.234 unidades, a serem entregues ao longo de 2013. Fora isso, pelo menos 50 casas pré-fabricadas deverão ser entregues ainda este mês, as primeiras na cidade desde a tragédia.
O Instituto Estadual do Ambiental (Inea) informou que, nos três municípios mais atingidos pela enxurrada, foram mapeadas 2.281 edificações em áreas de risco. No total, foram cadastradas 1.818 famílias, sendo que 632 já negociaram as indenizações. Outras 457 não aceitaram a indenização oferecida ou não foram localizadas. O Inea alega que a demora no processo se deve ao fato de que "a etapa de negociação é a mais complexa e mais demorada".

'Estou de volta e quase nada foi feito aqui'
Sem receber aluguel social, morador vai à Justiça

TAÍS MENDES
tais@oglobo.com.br

O aposentado Anador Francisco Brantes, de 69 anos, conhece de perto a tragédia em Duas Pedras, bairro de Friburgo. A casa onde morava, na beira de um pequeno rio, foi soterrada em 2011. Ele hoje vive de favor na casa da filha, que fica no mesmo terreno:
- Entrei com uma ação na Justiça porque nunca recebi o aluguel social. Paguei aluguel num outro bairro por quase dois anos, mas agora voltei porque não tinha mais como pagar. Estou de volta e quase nada foi feito aqui. Só a contenção de encosta. Mesmo assim, ainda não terminaram a obra. E o rio permanece assoreado.
Obras no córrego de Duas Pedras não estão previstas. Na cidade, além da canalização do Córrego Dantas, o Inea está fazendo a dragagem do Rio Bengalas e anunciou que está em fase de licitação a macrodrenagem nos dois cursos d'água.
Os moradores também se queixam do ponto de apoio que a prefeitura de Friburgo colocou à disposição, em caso de chuvas fortes:
- Fica próximo da rodoviária, numa área que alaga quando chove. E, para chegar lá, temos que passar pela encosta com as obras inacabadas - observou Kátia da Luz - A sirene pode tocar que não saio da minha casa.
Também em Friburgo, pouco sobrou do bairro Córrego Dantas. Alguns moradores insistem em permanecer no lugar, cercados de ruínas e casas ainda soterradas. Quando chove, a preocupação maior é sair do bairro, cujo acesso é por uma única ponte que está caindo aos pedaços.
- A canalização do rio está ficando boa, mas, se cair outra chuva forte, essa obra não adiantará de nada. Os morros continuam sem contenção. Algumas casas também já foram demolidas, mas só aquelas cujos donos concordaram com o valor da indenização. Muitos estão na Justiça, mas a prefeitura já avisou que o plano é demolir 300 casas. - disse o produtor rural Arno Hees.
Lugar fica deserto à noite
À noite, segundo os moradores, o lugar é um deserto.
- No meu quarteirão, só há três casas ocupadas. Quando escurece, dá até medo de sair de casa - contou Paulo Miranda, de 40 anos, há 15 no bairro.
Em Duas Pedras, a contenção de encostas foi concluída, segundo a Secretaria estadual de Obras. Os funcionários que ainda estão lá apenas observam o comportamento do solo nos dias de chuva, de acordo com o órgão. Já em Córrego Dantas, após um ano de estudos, com alpinistas-geólogos, foram identificados 57 blocos de rochas soltos nas encostas que cercam o bairro. Os pontos foram marcados com GPS, e o projeto de contenção está sendo licitado.
- Não há tecnologia no Brasil para fazer essa obra. E ela é apenas uma entre muitas outras necessárias na Região Serrana. Mas vamos fazer. O projeto de Córrego Dantas está pronto e em janeiro será licitado. Serão 270 dias de obras, em condições de vento 100% a favor - disse o secretário estadual de Obras, Hudson Braga.
De acordo com o Inea, as ruínas abandonadas só poderão ser demolidas após pagamento das indenizações. O instituto também argumenta que alguns proprietários resistem a sair das áreas de risco.
- As indenizações estão andando, e os valores foram revistos em janeiro. Eram valores até mais baixos. Estamos trabalhando com valores máximos, com recursos próprios, que somam R$ 103 milhões. E outra opção é oferecer moradias do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal - disse Marilene Ramos, presidente do Inea.
Sobre a ocupação de imóveis em ruínas por viciados em crack, em nota, a prefeitura de Friburgo disse que tanto o governo municipal como a polícia desconhecem o problema. Já com relação à suspensão do pagamento de aluguel social, a Secretaria estadual de Assistência Social informou que, no mês passado, pagou o benefício a 2.977 famílias de Nova Friburgo. Mas o aposentado Anador não tem esperanças de receber:
- Dois anos se passaram e nunca recebi o benefício. Agora, a Justiça resolverá o caso.

O Globo, 12/12/2012, Rio, p. 16-17

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