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Mais parque e menos governo

OESP, Vida, p. A11
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
13 de Jan de 2005

Mais parque e menos governo

Marcos Sá Corrêa

O Parque Nacional do Iguaçu fez 66 anos esta semana. E, como vai bem, obrigado, comemorou o aniversário com uma rodada de inaugurações. Abriu a Linha Martins, uma trilha de 4 quilômetros que emenda uma caminhada pela mata a um passeio de barco até o Rio Apepu. Estreou um mirante sobre as cataratas. E plantou diante de sua paisagem desmesurada uma estátua em tamanho natural de Santos Dumont, se é que há tamanho natural de Santos Dumont.
O Pai da Aviação é, no mínimo, tio do parque. Andou por lá em 1916, quando tudo aquilo ficava nas terras de um fazendeiro argentino. Voltou reclamando do velho descuido do governo brasileiro, que punha um cenário como aquele atrás das cercas de um latifúndio transnacional. Pode ter sido coincidência. Mas o fato é que, três meses depois da visita, o presidente da Província do Paraná transformou tudo aquilo em área pública. Como, por sinal, deveria ter sido desde o século 19.
Nada, na história da conservação em Iguaçu, saiu tão rápido quanto esse decreto. O parque nacional só seria oficializado 23 anos mais tarde. Quer dizer, com 63 anos de atraso sobre a proposta original, que o engenheiro André Rebouças publicou em 1876 num tratado de 112 páginas sobre as estradas de ferro que haveriam de costurar o Paraná a Mato Grosso. Antes que as ferrovias do Império passassem por cima desse patrimônio natural, ele achava que era hora de "doar às gerações vindouras", com sua "fauna variadíssima", a flora sem "rival no mundo" e "toda a gradação possível do belo ao sublime, do pitoresco ao assombroso", essa amostra "do Brasil tal qual Deus criou".
Pois sim. O projeto era um parque do Iguaçu - ou do Guaíra, como chamava - pegando de alto a baixo a margem do Rio Paraná, da foz do Ivaí, acima de Sete Quedas, às cataratas. Cobriria toda a fronteira, que acabou inundada pelo lago artificial de Itaipu e pelo mar de soja do oeste paranaense. E tem mais. Aliás, menos. O engenheiro fez a proposta pioneira na década em que os EUA acabavam de transformar Yellowstone no primeiro parque nacional do mundo. Quando Iguaçu ficou pronto, Canadá, Dinamarca, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Índia já integravam a vasta confraria internacional de países e colônias que copiariam em poucas décadas essa invenção americana.
Nós remanchamos demais. E, por conta de nosso atraso, Iguaçu está fazendo 66 anos quando poderia ter 129. Com seus 185 mil hectares, é bem grande, o maior do País fora da Amazônia. Mas não chega a ser a sombra do que poderia ter sido e não foi. E é hoje um parque privatizado. Entregue a um consórcio de empreiteiras panaraenses, recebeu em 2004 mais de 980 mil visitantes. Tem ônibus elétrico, restaurante, deque, banheiro, barco, corda de rapel, helicóptero, guia treinado e loja de suvenir para toda essa gente. Abriu há quatro anos uma escola de educação ambiental, onde os alunos da rede pública local aprendem a conviver com ele. Pratica, com os 14 municípios que o cercam, uma política de boa vizinhança, que levou à festa de aniversário todos os prefeitos da região, até os que fazem campanha para invadi-lo outra vez com a Estrada do Colono.
Ele não só está melhor do que nunca, como é única unidade de conservação do governo federal onde não sopra o bafo seco de Brasília, matriz da nova doutrina ambiental que considera parque nacional, qualquer deles, um luxo perdulário no país do Fome Zero. Se acha, por que a ministra Marina Silva não aproveita o aniversário de Iguaçu para anunciar que está disposta a privatizar o resto?

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 13/01/2005, Vida, p. A11

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