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Mais espaço para o Muriqui

O Globo, Amanhã, p. 8-9
02 de Jul de 2013

Mais espaço para o Muriqui
Reserva mineira dedicada ao macaco, uma das 100 espécies mais ameaçadas do mundo, está superpovoada, forçando os primatas a se refugiarem em áreas ainda não protegidas

Renato Grandelle

RIO - Mona conhece profundamente a Reserva Feliciano Miguel Abdala, encravada no município de Caratinga, no interior de Minas Gerais. Há mais de 30 anos ela circula entre 957 hectares da mata. Neste período, viu a população local crescer em cinco vezes. Mona é uma muriqui-do-norte, uma das 100 espécies mais ameaçadas do mundo, encontrada apenas na Mata Atlântica.
Somente 1.200 indivíduos da espécie ainda habitam o bioma, segundo a Sociedade para a Preservação do Muriqui. Um terço deles está em Caratinga, monitorada atentamente pela americana Karen Barbara Strier. Considerada uma das dez primatologistas mais prestigiadas do mundo, ela conheceu os muriquis 30 anos atrás, quando preparava sua tese de doutorado. Ao se mudar para o interior de Minas, encontrou apenas 50 macacos. Hoje, são 334.
- A população está crescendo, o que é muito bom - observa Karen, que divide sua agenda entre Caratinga e a Universidade de Wisconsin, nos EUA. - No entanto, quanto maior o número de muriquis, maior a demanda por espaço. Precisamos aumentar esta área conservada.
Não é uma missão fácil. A reserva está localizada dentro de uma área verde que chegaria a 1.500 hectares. No entanto, boa parte deste espaço é ocupado por propriedades privadas. Karen e um grupo de especialistas tentam persuadi-los a ceder frações de seus domínios aos muriquis.
Os primatologistas, aliás, já repararam que os macacos, cansados do superpovoamento da reserva, se dispersam para outras matas. A equipe quer incorporar estas áreas de escape à região preservada.
- Ao saírem da área de conservação, os muriquis nos mostram onde querem se estabelecer - ressalta Karen. - São estas regiões que devem ser conectadas à reserva.
Por enquanto, o projeto não conta com recursos para adquirir novas terras. Os primatologistas ainda analisam o que pode acontecer com os muriquis se a reserva mantiver o espaço atual. Estima-se que o crescimento populacional, que foi vertiginoso nas últimas três décadas, será muito mais tímido nos próximos 30 anos.
- Este seria um reflexo da densidade populacional - explica o biólogo Marcello Nery, gerente de projetos da Sociedade para Preservação do Muriqui. - Vamos trabalhar com os produtores rurais para ligar os fragmentos florestais onde a espécie está se espalhando. Se conseguirmos mais 500 hectares de mata, a população dobraria até 2043. É um trabalho de longo prazo, porque precisamos captar recursos, comprar mudas, plantas árvores e articular parcerias. O reflorestamento é muito caro.
Além dos vizinhos, os administradores da reserva precisam convencer o poder público a abraçar a causa dos muriquis. Embora muitos habitantes da cidade saibam que a reserva está em uma das extremidades do município, poucos já viram os macacos.
Comparados aos outros primatas, os muriquis têm um comportamento peculiar. São mais amigáveis e não há uma relação de dominância entre machos e fêmeas.
A distribuição dos muriquis intriga os pesquisadores. Quando a reserva foi estabelecida, 30 anos atrás, os macacos se dividiam em dois grupos. Hoje, são quatro.
- Um dos grupos originais, e que ocupa a maior área, permaneceu coeso. O segundo foi se separando - lembra Nery. - Cada qual defende o seu território gritando quando um indivíduo de outra sociedade se aproxima. Eles jamais recorrem à violência. A palavra "muriqui", em tupi, significa "povo tranquilo da floresta". Ainda não sabemos, porém, por que eles se dividem, já que aparentemente não há líderes. E mesmo dentro de cada grupo observamos facções.
As fêmeas são mais ousadas. A partir dos 7 anos, quando atingem a maturidade sexual, elas deixam o grupo original para reproduzir. Até o fim da vida, se fixam nesta outra sociedade. Como vivem mais de 40 anos, cada uma dá à luz, em média, seis filhotes.
Os machos, por sua vez, resguardam o território. Nunca abandonam a sociedade original. Disputas por alimentos delimitam a área de cada grupo. O muriqui prefere frutas. Na falta delas, recorre a fontes menos energéticas, como flores, folhas e cascas de árvores.
A espécie adora um abraço. É assim que os machos se cumprimentam, em ocasiões sociais, e se defendem, quando se sentem ameaçados. Neste caso, diversos muriquis penduram-se pelo rabo, formando um imenso cacho, e gritam ao mesmo tempo. Desta forma, afugentam os predadores - normalmente onças e jaguatiricas.
Os felinos, porém, não são as únicas ameaças. Caçadores e doenças fragmentaram a população de muriquis, hoje dividida em 12 locais entre Minas Gerais e Paraná.
- Outro problema é a invasão de reservas por cachorros - lamenta Nery. - Eles avançam sobre os muriquis que não estão nas árvores.
Estima-se que existam cerca de 670 espécies de macacos no mundo, sendo que 135 estão presentes no Brasil.

O Globo, 02/07/2013, Amanhã, p. 8-9

http://oglobo.globo.com/amanha/muriqui-precisa-de-mais-espaco-em-unidad…

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