VOLTAR

Mais denúncias, poucas soluções

O Globo, Razão Social, p. 4 e 5
14 de Fev de 2012

Mais denúncias, poucas soluções

MARTHA NEIVA MOREIRA
martha.moreira@oglobo.com.br

O meio ambiente está na pauta do dia e o brasileiro, ao que parece, tem denunciado mais as ações que degradam a fauna e flora do país. Ao comparar os dados de 2010 e 2011 da Linha Verde, ouvidoria do Ibama que cadastra as denúncias em todo o território nacional, chega-se a um aumento de cerca de 30% no número de registros de um ano para o outro.
O mesmo padrão se repete, se compararmos os dados somente do Rio de Janeiro: em 2010 foram registradas 980 ocorrências, contra 1.327 em 2011. No entanto, embora as denúncias sejam feitas com mais frequência - não só através do Ibama, como através dos órgãos ambientais estaduais - ainda é preciso percorrer um longo caminho até que se possa investigar todas e, se for o caso, aplicar as sanções.
No topo do ranking dos registros em 2011, aparece o cativeiro de animais silvestres. Ano passado, do total de 8.617 casos, 2.437 eram de animais presos ilegalmente. No Rio de Janeiro, das 1.327 denúncias, 349 foram sobre cativeiro de animais.
No Rio, é o Batalhão Florestal que atua diretamente no combate a este tipo de crime. Desde outubro, por conta do aumento das denúncias, há equipes permanentes em quatro feiras de comércio de animais silvestres da cidade - em Duque de Caxias, Honório Gurgel, Alcântara e Neves. Além disso, segundo o tenente coronel André Luiz Araújo Vidal, responsável pelo BF, as equipes vão às escolas públicas
conversar com alunos.
- A fiscalização no campo é importante, mas é pouco para combater crimes que são quase tradições culturais, como comprar animais proibidos por lei. Por isso, realizamos também um trabalho de educação ambiental nas escolas - contou o tenente-coronel Vidal.
Além do cativeiro de animais, há, entre as categorias listadas pela Linha Verde, desmatamento, degradação ambiental (queimadas, por exemplo), comércio e transporte ilegal de animais, poluição ambiental e maus tratos contra bichos. Uma curiosidade: segundo Carla Sereno, responsável pela ouvidoria, são raríssimas as denúncias de despejo de efluentes ou esgoto nos rios. Ela não tem informação sobre quantas denúncias deste
tipo recebeu em 2011, mas sabe que são raras.
Se considerarmos todas as 38 operações realizadas pela Secretaria Estadual de Ambiente do Rio (SEA) em 2011 para fiscalizar as denúncias de crimes ambientais no estado, apenas uma foi deste tipo de crime. Segundo o coronel José Maurício Padrone, da coordenadoria de combate ao crime ambiental da SEA, a explicação para este fenômeno é muito clara e deixa à mostra a fragilidade dos órgãos ambientais para dar conta de comprovar a quantidade de denúncias recebidas.
- Para comprovar este tipo de crime é preciso coletar água e fazer análises. É uma operação ainda complexa, e os órgãos não estão aparelhados para fazer isso. O cidadão acaba ficando inibido - contou Padrone, que informou que, no Rio, além de cativeiro de animais silvestres há uma outra prática comum, especialmente na Zona Rural: corte de árvores para fabricar carvão ilegal.
A comprovação das denúncias de crimes ambientais é, para Valmir Ortega, ex- diretor do Ibama e atual diretor de política ambiental da ONG Conservação Internacional, o grande nó a desatar para conseguir combater com eficiência a degradação da biodiversidade no país. Hoje, o cidadão que quiser fazer denúncia tem, além da Linha Verde do Ibama, os órgãos ambientais do estado. No caso do Rio, a SEA, por meio do Disque-denúncia, e o Batalhão Florestal da Polícia Militar (ver infográfico). Depois que o registro é feito, é preciso comprová-lo e, se for o caso, aplicar as sanções cabíveis. É exatamente aí que o nó aparece. Não há um sistema integrado de informações entre os órgãos ambientais.
Ano passado, segundo Carla Sereno, responsável pela Linha Verde, do total de casos denunciados, 63% foram encaminhados para os órgãos ambientais estaduais. Do que restou, a maior parte denunciava desmatamentos em áreas de proteção ambiental federal. E apenas 29% foram fiscalizadas.
- S e m d ú v i d a h á u m a consciência maior na população e, além disso, mais mecanismos para fazer as denúncias. Mas ainda é preciso aparelhar os órgãos estaduais e municipais para conseguir dar conta de fiscalizar. Quando encaminhamos as denúncias para os estados, por exemplo, perdemos as informações, ou seja, não sabemos o que acontece depois - disse Carla.
Valmir Ortega defende que já é hora de o país contar com sistemas de monitoramento remoto de crimes ambientais, nos moldes do que já existe para flagrar ações de desmatamento, e um sistema de informação integrado entre os órgãos ambientais. Para ele, o Brasil tem uma legislação complexa e uma tradição de controle por meio de burocracia. Tanto é que os setores que mais concentram funcionários nos órgãos ambientais são, segundo ele, as áreas de fiscalização.
- Tem que ter gente para preencher os inúmeros documentos que a lei exige. O Brasil já conta com um monitoramento da Floresta Amazônica, que vem a ajudando a reduzir o desmatamento. São Paulo e Rio já têm estações de monitoramento do ar, que coletam dados 24 horas. Os rios deveriam ter sistemas semelhantes. Há, hoje, chips que podem ser colocados nos animais silvestres para poder monitorálos. Mas aqui, ainda investimos na fiscalização braçal. É preciso que estes sistemas se disseminem pelo país, pois geram informações em tempo real que podem ser aproveitadas para criar ações de prevenção à degradação ambiental. - observou Ortega.

O Globo, 14/02/2012, Razão Social, p. 4 e 5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.