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Madeireiros devastam terra Guajajara

Brasil de Fato-São Luis-MA
Autor: Cristiano Navarro
22 de Jun de 2005

Enquanto a professora Maria da Conceição Ribeiro Guajajara vê, através da janela da classe, um caminhão lotado dos troncos de ipê atravessar sua aldeia rumo à cidade, seus 28 alunos assistem a aula sentados sobre tijolos de barro. Na escola Kari, que recebe o mesmo nome da aldeia, não existem cadeiras, mesas ou armários.
O caminhão que Conceição vê partir da aldeia carrega 8 toras de 10 metros de ipê - pelas quais um Guajajara recebe do madeireiro, em média, R$ 25. O madeireiro vende a "carrada" (nome dado ao caminhão cheio de madeira) para o serralheiro por R$ 1 mil o metro cúbico. O serralheiro repassa o ipê para fábricas de móveis e construção, principalmente dos Estados da região Sul e de São Paulo, por R$ 2.500, em média, o metro cúbico. Considerando que em cada carrada é possível se aproveitar 80 metros cúbicos de ipê, pode-se concluir que, da floresta até a indústria de móveis, o ágio sobre a carrada de ipê é de 80.000 % sobre o valor pago ao Guajajara. O preço da carrada para os indígenas pode ser ainda menor, dependendo da necessidade da comunidade indígena. Não são raras as vezes em que os Guajajara são pagos com açúcar, óleo de soja e café. Mas há casos também em que os madeireiros simplesmente não pagam e ameaçam de morte os Guajajara.
Ipê, camaru, jatobá, massaranduba, sapucaia, maracatiara, amarelão. São muitos os tipos de madeiras consideradas "nobres", encontradas nessa terra indígena. Localizado no Oeste do Maranhão, o território dos Guajajara do Araribóia, de 547 mil hectares, é uma área muito cobiçada por madeireiros que atuam de maneira ilegal na floresta Amazônica. Em um levantamento feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai) de Imperatriz, nos últimos vinte anos, constata-se que aproximadamente 70% de toda a terra indígena da região foi devastada pela ação dos madeireiros. Estima- se que existam 87 caminhões e 27 tratores derrubando árvores, diariamente.

COMÉRCIO MALDITO
"A venda da madeira não trouxe benefício para nenhum Guajajara. Ninguém ganhou dinheiro ou ficou rico. Muito ao contrário, o madeireiro trouxe para a aldeia doença, bandidos, devastação, morte, prostituição, cachaça, ganância e inveja", lamenta o cacique da aldeia Iporangatu, Itamar de Souza Guajajara. Depois da área devastada, muitos dos que trabalham no corte das árvores, como tratoristas, motoristas, serralheiros, catraqueiros, cozinheiros, passam a viver na terra indígena. Entre esses trabalhadores encontram-se muitos foragidos da polícia, com mandado de prisão por crimes como assassinato e assalto à mão armada.

No rastro do corte ilegal de madeira vêm as carvorias, que se instalam dentro da terra indígena e em seu entorno. Para fazer o carvão, retira-se quase todo tipo de árvore. Sobre a madeira, de menor valor, retirada e queimada nos fornos, as comunidades não recebem nada. Todo carvão produzido nessa região vai para as indústrias do município de Açailândia, importante pólo siderúrgico onde estão instaladas empresas como Vale do Rio Doce e Ferroguza.

O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), que há dez anos atua no combate ao trabalho escravo na região Sul do Maranhão, denuncia que, tanto no trabalho do corte de madeira quanto nas carvorias, existem trabalhadores em situação de escravidão. A ação dos carvoeiros e dos madeireiros sustenta o ciclo econômico do trabalho escravo e desestrutura completamente a dinâmica da sociedade dos Guajajara, confirma o Conselho Indigensista Missionário (Cimi) Maranhão, que trabalha há 27 anos com os Guajajara.

Durante os dois dias em que a reportagem esteve na terra Araribóia, correu a notícia de que uma grande operação, envolvendo o Exército, a Polícia Federal, a Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), seria realizada para prender não-índios foragidos da polícia e coibir a extração ilegal de madeira. Nesse período, o movimento de extração esteve totalmente paralisado. Nenhum caminhão, arrrastão, tratores ou homens com moto-serra foi visto na área de maior fluxo. No entanto, foram encontradas toras cortadas de ipê e jatobá abandonadas. "Quando tem operação, as autoridades só encontram os índios, parece até que os madeireiros já sabem. No fim, sobra para nós passar pela humilhação de ser tratado feito bandido", afirma o cacique da aldeia Angelim, Dico Rodrigues Guajajara.

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