VOLTAR

Macuxis libertam federais em RR

OESP, Nacional, p. A12
01 de Mai de 2005

Macuxis libertam federais em RR
Seqüestro chegou ao fim ontem, depois que os caciques entregaram os reféns ao governador Ottomar Pinto (PTB)

Vasconcelo Quadros
Enviado especial

Terminou às 10 horas de ontem, no Aeroporto de Boa Vista (RR), o seqüestro dos quatro policiais federais que eram mantidos como reféns há nove dias pelos índios Macuxi na Comunidade de Flexal, uma aldeia a 360 quilômetros da capital, na Reserva Raposa Serra do Sol. Os quatro desceram de um helicóptero do Exército e foram entregues pelos caciques Lauro Barbosa e Altevir de Souza ao governador Ottomar Pinto (PTB) e ao superintendente da Polícia Federal, José Francisco Mallmann, os dois negociadores. A participação do governador nas negociações era a última tentativa de evitar a invasão à aldeia pelo grupo de choque da polícia.
O desfecho foi um alívio para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma saída honrosa para os índios e uma vitória política do governador Ottomar Pinto, que sai fortalecido do episódio e com mais cacife para negociar o pacote de compensações do governo para Roraima. "Os índios conseguiram chamar a atenção e mostraram a indignação com a homologação", disse o governador. Ele estava em Belém anteontem à noite quando o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos pediu, por telefone, que ele intercedesse.
O governador conversou por telefone com o cacique Lauro Barbosa, que condicionou a libertação dos policiais à garantia de que nenhum índio seria preso. Ao chegar, o delegado Alex Sandro Biegas e os policiais Ivan Caldas, Alexandre Sauskti e Narciso Friedrich disseram que estavam bem e que não sofreram maus tratos. Foram encaminhados à sede da Polícia Federal para serem examinados e ontem mesmo seguiram para suas casas, em Cuiabá (MT).
O delegado José Francisco Mallmann comemorou o final feliz. "É a chegada da paz na região", afirmou. O ministro Márcio Thomaz Bastos telefonou para Mallmann parabenizando-o pelo resultado. "Espero que seja o ponto de partida para um trabalho de cooperação entre as esferas federativas", disse o ministro. Os índios Macuxi e uma comissão designada pelo governo federal iniciam hoje a negociação para efetivar a implantação de um programa de medidas dentro da Raposa Serra do Sol e para Roraima.

Raposa Serra do Sol, uma reserva sem paz garantida
União vai assumir serviços na região, mas não tem plano para acabar com conflitos

O conflito na Reserva Raposa Serra do Sol está longe de terminar. A União tem um ano para substituir serviços de saúde, educação, transporte e outros bancados pelo governo estadual, mas nenhuma garantia de pacificação dos índios. A divisão mais perigosa é entre os macuxis - um grupo está ligado ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), apoiado pela Ordem Consolata, católica, e o outro à Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiur), apoiados pelo governo estadual, arrozeiros e a maioria da população branca.
"Conheço o que é amargo e o que é doce nessa história. As lideranças indígenas estão sendo usadas", diz o cacique (tuxau) Gilberto Macuxi, da Comunidade Meró, na fronteira tríplice Brasil, Venezuela e Guaiana. Ele já foi do CIR, é contra a homologação e o isolamento, mas atua em linha independente. Dirige entidade Aliança de Desenvolvimento da Comunidade Indígena de Roraima (Alidcir) e diz que o grande fator de divisão entre é a influência de políticos e missionários católicos, que estimulariam a expulsão dos brancos, gerando conflitos.
Entre os 14 mil índios apontados pela Funai - o CIR diz que são mais de 16 mil -, há etnias como a dos ingarakós, que vivem praticamente isolados na Serra do Sol e não querem contato com o branco nem com os macuxis.
Na mesma região vivem wapixanas, taurepangues e patomas. Segundo Gilberto, a controvérsia da demarcação vem desde 1986 e não será o decreto homologatório que porá fim ao conflito. O desafio do governo é substituir a estrutura estadual e o poder dos arrozeiros quando órgãos como Funai e Polícia Federal não são bem recebidos na reserva nem têm instrumentos para promover pacificação e implantar projetos do governo.
"Podemos substituir tudo o que foi posto lá dentro pelo governo estadual e arrozeiros. Temos projeto de desenvolvimento e não ficaremos isolados", diz o líder macuxi Marinaldo Trajano, coordenador do CIR, que recebe ajuda de ONGs internacionais para implantar em 1,747 milhão de hectares programa cuja espinha dorsal é a autonomia indígena, sem a presença do branco.
O boom da produção em áreas invadidas foi quatro anos e hoje representa 10% do PIB regional ou 50% se o parâmetro forem atividades genuinamente roraimenses, já que o Estado, de 350 mil habitantes e tamanho maior que o de São Paulo, tem 80% da economia movimentada por contracheques públicos e verbas federais. Das terras indígenas sai 70% da produção de arroz do Estado, que está nas mãos de um grupo de gaúchos, distribuídos em 16 fazendas. O líder é o prefeito de Pacaraima, Paulo Cesar Quartiero.

'É muita terra para pouco índio' vira o bordão
Estimulada pela propaganda bancada por empresários, população se diz contra decreto

Editado e publicado de surpresa, o decreto homologatório causou confusão tão grande que, à exceção das entidades indigenistas e comunidades a elas ligadas, é difícil encontrar alguém que esteja a favor. Mesmo sendo fato consumado, em Boa Vista há uma condenação quase unânime à decisão do governo. Estimulados pela propaganda bancada por empresários e produtores rurais, a população já assimilou velhos bordões como "é muita terra para pouco índio".
Os especialistas apontam erros que consideram básicos no processo de homologação: o governo ignorou que os índios que vivem na Raposa Serra do Sol - à exceção dos ingarakós - já estão em fase adiantada de aculturação; deixou de lado a opinião das lideranças macuxis que são contrárias ao projeto do governo; e anunciou a portaria sem antes esgotar negociações com os arrozeiros. Há também forte controvérsia em torno dos laudos antropológicos, que apontavam pelo menos três tamanhos de áreas diferentes, todas elas menores que os 1,747 milhão de hectares homologados.
Ocupando de forma legal ou ilegal as terras da reserva, os arrozeiros formam um grupo poderoso e estridente. "O conflito está longe de terminar. Há sérios riscos de derramamento de sangue entre os próprios índios", alerta o juiz Alcir Gursen de Miranda, que coordenou o trabalho de um grupo misto, encarregado de elaborar um parecer que abordasse amplamente a questão. O decreto de Lula nem levou em conta o resultado, que sugeria a manutenção, em formato de ilhas, das três comunidades e os arrozais, numa faixa estimada em cerca de 100 mil hectares.
Nas áreas dos arrozais a vida segue indiferente ao decreto do governo: a terra está sendo arada para receber novas sementes, áreas com arrozal recebendo os jatos de venenos lançados pelos teco-tecos. Em outros locais, plantações já estão prontas para a colheita. .

OESP, 01/05/2005, Nacional, p. A12

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.