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Macapá, a capital sem água nem esgoto

OESP, Metrópole, p. A26
01 de Set de 2013

Macapá, a capital sem água nem esgoto
Cidade tem piores índices do País; crianças são as principais vítimas

Pablo Pereira - enviado especial de O Estado de S.Paulo

MACAPÁ - Uma cidade com 3% da área servida por rede de coleta de esgoto, 17% da população em região de ressaca do Rio Amazonas e o restante com fossas sanitárias, em muitos casos cavadas ao lado de poços d'água, e cerca de 60% das casas sem água encanada. Essa realidade do saneamento básico transforma Macapá, capital do Amapá, com 407 mil habitantes, no retrato do descaso. Todos os dias, crianças lotam hospitais com verminoses, dor de barriga e doenças de pele.
"Ele já teve diarreia e agora está com coceira", afirmou Anne Caroline Melo, de 19 anos, mãe de Carlos Henrique, de 6 meses, moradora do alagado de São Lázaro. Na quarta-feira, contou que havia um mês o filho tivera febre alta e fora levado ao Pronto Atendimento Infantil, no centro. Há três meses vivendo na pequena casa de madeira construída sobre o charco fétido existente há décadas e pagando R$ 200 de aluguel, sonha com o dia de ir embora.
Para o vendedor Sandro Melo, que também mora com os três filhos no alagado, a torcida é para que seja aceito no projeto Minha Casa Minha Vida. "Estou esperando. Aqui, o meu menino mais novo já teve diarreia. O médico disse que é por causa da água", contou o rapaz.
A vizinha dele, Samara dos Santos, de 25 anos, também gostaria de partir. Com dois filhos, mora na área há 4. E eles já foram vítimas das doenças que perseguem as crianças da região. "Esse povo aqui da baixada é um povo esquecido", disse.
A situação dos moradores do alagado de São Lázaro está longe de ser exceção. "É um exemplo de área de ressaca do município que precisa de solução rápida", afirmou na quinta-feira o secretário da Saúde de Macapá, Dorinaldo Malafaia. "A situação de falta de saneamento no município é geral e gravíssima", admitiu.
O impacto sobre a saúde é visível. A situação piora no "inverno amazônico", nos primeiros cinco meses do ano, quando as águas potencializam a proliferação de doenças. De janeiro a maio, 5.483 atendimentos foram registrados no pronto-socorro infantil - diarreia, vômito, infecção intestinal, tudo reunido como gastroenterocolite aguda (ou Geca).
Qualquer mãe do Amapá, porém, imagina que os números estão bem abaixo do real. "Muitas vezes a gente nem leva no hospital", diz Cláudia Silva, de 33 anos, que há 8 vive no São Lázaro. Ela teme que a filha Amanda, de 7, acostumada a correr sobre as passarelas de madeira, volte a cair na água podre sob as casas. Até agora, ela não aparenta ter problemas.
Em áreas vizinhas a São Lázaro, como o bairro Pantanal, a cerca de 2 km, a situação é igual. Nas habitações da beirada do rio, os dejetos humanos correm direto para a margem encoberta pelo matagal. Nos locais mais altos, assim como em bairros de classe média, os restos sanitários vão para as fossas. Os lotes são ladeados, em muitos casos, por poços de água, do tipo "amazonas".
Os "amazonas" são os buracos no chão, alguns cercados de tijolos. Por R$ 500, um pedreiro cava um. Já para construir um poço artesiano, que busca água em lençol freático mais profundo, o preço muda. "É de R$ 2 mil a R$ 3 mil", diz uma moradora do Pantanal.
Sobre o abastecimento de água, feito pela empresa estadual Caesa, a prefeitura de Macapá não tem certeza da extensão da rede. Dados informados pelo Amapá ao governo federal dão conta de cobertura de 41,7% da população urbana do Estado.
Indústria. Um caminhão de esgoto retirado de uma fossa de uma casa de quatro pessoas, com três banheiros, não custa menos de R$ 120. Há uma dezena de empresas especializadas. Os dejetos enchem os caminhões, espécie de aspiradores gigantes, com capacidade para 8 mil litros, e são descarregados na lagoa de decantação de Pedrinhas. Na sexta-feira, o tráfego era constante na descarga. "É época de pagamento de salário", disse um motorista.
A procura pela limpeza de fossas é constante. "Registramos uma média mensal de 160 a 180 carradas (cargas)", explicou a vendedora Elaine Cabral, da Jucar Saneamentos, que atendeu na quinta-feira o professor universitário Ricardo Ângelo Pereira de Lima. "O que mais nos incomoda nem é o pagamento do serviço", afirmou Lima. "O que preocupa é a contaminação do solo, das águas. Macapá tem uma população permanentemente doente."

'Prefeitos não cuidam da causa das doenças'

Quando se fala de esgoto, o Brasil vive no século 19. A avaliação é de Édson Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, entidade que estuda as carências nacionais de saneamento e criou um ranking da situação das 100 maiores cidades do País para marcar o impacto na saúde de crianças de 0 a 5 anos.

"Os prefeitos não cumprem a Lei de Saneamento, há um jogo de empurra do problema para os governos estaduais, e isso causa impacto direto na saúde da população infantil", explicou Carlos. "Prefeito gosta de fazer posto de saúde, mas não cuida da causa das doenças", diz.

De acordo com Carlos, o problema é também cultural. Os governantes não são cobrados. "Nas eleições, saneamento não aparece entre as cinco principais preocupações. Com isso, os políticos se sentem livres para usar os recursos em outras coisas." Ele conta que pesquisa Ibope encomendada pela entidade mostra que 75% dos eleitores nunca cobraram saneamento. "O brasileiro se acostumou a viver no esgoto." Nos próximos dias, a entidade vai divulgar a atualização dos dados.

Quando o assunto é saneamento, Macapá está entre os piores desempenhos das 100 maiores cidades. Em 2010, era a última colocada no ranking. No ano seguinte, estava também entre as 23 piores cidades na comparação da taxa de internações por diarreia.

Mais descaso. Belém é outro exemplo de descaso. Tem o pior índice de tratamento de esgoto: apenas 1,5% do esgoto gerado. Somente 3% da população tem rede de coleta, segundo o Trata Brasil. Com três obras do PAC no setor de saneamento desde 2008, Belém não deslanchou. Documento obtido pelo Trata Brasil mostra que a recuperação de emissário e estação elevatória central, de R$ 7,5 milhões, foi paralisada com 2% da obra. No caso da instalação e recuperação do sistema de esgoto do centro, orçado em R$ 47,4 milhões, também de 2008, a paralisação ocorreu com 1,5% de andamento.

A mazela é de Norte a Sul. Em Santa Catarina, o índice de rede de esgotos do Estado é de 17,8% e somente 21% do esgoto gerado é tratado. Os melhores resultados que aparecem nas estatísticas do Trata Brasil são do Distrito Federal, que trata 65% do esgoto, e Paraná, com 61%. São Paulo trata 48% do esgoto.

PAC envia recursos para projetos, mas obras não andaram

O saneamento básico de Macapá entrou na lista de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas o dinheiro ainda não foi investido. Relatórios do governo estadual apontam verbas de R$ 110 milhões, do governo federal e do BNDES, para a rede de água. Outros R$ 132 milhões já foram autorizados para uma segunda etapa.

O governo de Camilo Capiberibe (PSB) alega que os recursos foram liberados em 2007, mas as obras não andaram. "Até abril do ano que vem, a Caesa (empresa estadual de água e saneamento) pretende inaugurar uma estação de tratamento de água e passar dos atuais 6 milhões para 36 milhões de m3." Na capital, a cobertura de água é de 45%, segundo o Estado. Com os investimentos, o atendimento deve chegar a 80%.

De acordo com a Caesa, além das necessidades urgentes do interior, o Estado "está investindo R$ 10 milhões na recuperação da rede de esgoto da capital". Em 2013, o Estado "teve liberados R$ 15 milhões pelo governo federal para a elaboração de projetos de macrodrenagem e serviço de esgoto". / P.P.

3 perguntas para
Clécio Luís (PSOL), prefeito de Macapá

1.Quanto vai investir do orçamento em saneamento?

O orçamento é de R$ 527 milhões, e R$ 270 milhões estão comprometidos com a folha. Herdamos dívida de R$ 240 milhões. São R$ 800 mil para fazer o plano de saneamento e, a partir daí, ter noção da necessidade. Aqui água e esgoto são responsabilidade do Estado.

2. A Lei 11.445/2007 encarrega a prefeitura do serviço, não?

Com certeza. Mas imagine uma prefeitura como recebemos. A ideia é ter o nosso plano para trabalhar com uma companhia de água que já existe (Caesa).

3. Enquanto isso, como ficam as crianças?
Temos de resolver isso. Dinheiro tem, mas as coisas não foram feitas antes. Vamos fazer agora, a partir do plano. Hoje, a prefeitura não tem quadros nem condições de sair estendendo redes. É preciso planejar.

OESP, 01/09/2013, Metrópole, p. A26

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