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Luz "errada" ofusca maratona astronômica

FSP, Ciência, p. A14
01 de Abr de 2009

Luz "errada" ofusca maratona astronômica
Cidades do Chile e da Espanha combatem poluição luminosa, que impede observação do céu e desperdiça energia elétrica
Luz que "vaza" em excesso para o espaço é principal inimigo de jornada de cem horas de observação que marca Ano da Astronomia

Eduardo Geraque
Da reportagem local

Quando astrônomos profissionais e amadores do mundo inteiro se juntarem a partir de amanhã para a maior maratona de observação dos céus já feita, as 100 Horas de Astronomia, enfrentarão um inimigo comum: o céu das grandes cidades do mundo, como São Paulo, que permite ver apenas a Lua e um punhado de estrelas mais brilhantes.
Por causa da poluição luminosa, os cenários urbanos estão longe do ideal para observações. No deserto do Chile, por exemplo, é possível contar a olho nu mais de 5.000 estrelas.
Transformar o panorama do céu, segundo os pesquisadores inconformados com o grande desperdício de luz, não melhora apenas o lado da astronomia. Faz bem ao bolso também.
"Nós estimamos que 30% da luz que ilumina as grandes cidades seja jogada no lixo. Além de ser um problema ambiental, é também econômico. Todos estão pagando essa conta", diz o astrônomo amador Tasso Napoleão, um dos coordenadores brasileiros das 100 Horas de Astronomia, o primeiro grande evento público do Ano Internacional da Astronomia, em 2009 (leia texto à direita).
Uma vez que é impossível eliminar as cidades, os astrônomos vêm sugerindo formas de ao menos suavizar o problema. A principal delas é combater a iluminação "errada". Segundo Napoleão, trata-se da iluminação típica das ruas das cidades brasileiras. Os raios de luz acabam "vazando" para os lados e, principalmente, para o céu. Além de não iluminarem a rua (daí os 30% de desperdício na conta de Napoleão), ainda ofuscam as estrelas.
Uma conta feita no Reino Unido ajuda a dimensionar o problema. Em um ano, o país jogou fora R$ 3,32 bilhões por causa da luz "errada".

Para baixo
Por causa disso, a cidade de La Serena, no Chile, onde a reportagem da Folha esteve em janeiro, há mais de dez anos cuida da poluição luminosa por meio de luminárias públicas eficientes, que jogam a luz para o chão. As ações são regulamentadas por uma lei específica, em vigor desde 1998.
A atitude não serve só para agradar a poetas e astrônomos. Mais de 100 mil turistas visitam a região todos os anos atrás dos observatórios astronômicos amadores. Perto de La Serena, também estão instalados grandes observatórios profissionais importantes, como o Gemini Sul e o Soar.
Atitudes semelhantes às chilenas, ainda mais antigas, foram tomadas em outras cidades do mundo, onde as luzes estavam ofuscando demais o céu. As Ilhas Canárias, palco de vários observatórios europeus importantes, também seguem a linha de jogar luz só para o chão. A lei de proteção do céu na região é de 1988.
"A solução é simples. Nem precisa, muitas vezes, trocar tudo. Basta usar uma lâmpada até 30% mais fraca, com uma luminária que jogue toda a luz para baixo", diz o engenheiro Cristóvão Jacques, outro astrônomo amador incomodado com a poluição luminosa.
O mineiro caçador de supernovas controla pela internet um observatório em Belo Horizonte. "As luzes da cidade- além do tempo nublado- atrapalham bastante as observações", diz Jacques. Segundo o engenheiro, as iluminações de outdoors e de monumentos voltadas para cima são exemplos clássicos do desperdício.
"Fiquei meio decepcionado e parei de fazer campanha contra isso", diz Carlos Alberto Torres, do LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica). Em Brazópolis (MG) desde os anos 1970, onde fica o Observatório Pico dos Dias, Torres acompanha o aumento da poluição luminosa entre São Paulo e Minas. "Várias cidades poderiam ter uma preocupação maior. Entre elas Itajubá, Pouso Alegre e Campos do Jordão."
Existe ainda uma questão sociológica por trás da contaminação luminosa, diz Napoleão. "Nas grandes cidades, cada vez mais, as pessoas não olham mais para o céu. Elas vão se afastando da natureza como um todo", filosofa.

Céu virtual:
Projeto mundial põe telescópios à disposição do público

A maratona 100 Horas de Astronomia, que vai colocar telescópios à disposição do público leigo a partir de amanhã, poderá ser acompanhada ao vivo ou pela internet. No Brasil, várias cidades fazem parte da programação, algumas com astrônomos profissionais, outras com amadores. Todos os eventos no país estão listados no site do projeto (www.astronomia2009.org.br). O Brasil, ontem, era o segundo país com mais atrações listadas, 146. Na internet, o interessado poderá observar imagens enviadas por 80 observatórios ao redor do mundo. As fotografias poderão ser encontradas no site internacional do projeto (www.100hoursofastronomy.org).

FSP, 01/04/2009, Ciência, p. A14

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