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Luto - Genocídio no Vale do Javari continua, morre Edilson Kanamary

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Autor: REDAÇÃO JAVARI.ORG
22 de Jan de 2009

Edilson Kanamary morre e se torna símbolo da luta indígena pela vida. Na semana em que o movimento político indígena do Vale do Javari, perde mais um de seus, vítima da incompetência governamental e do amplo desprezo da FUNASA pela vida daqueles que ela deveria proteger. Edilson Kanamary, considerado uma liderança entre seu povo, fez
história na construção de um dos pilares que impulsionaram a luta do movimento político indígena no Vale do Javari. Passou pela coordenação executiva da nossa organização, em uma época de grande movimentação internacional, em prol da campanha para demarcação da terra indígena do Vale do Javari. Nessa época, sua vida e de seus aliados como Clóvis Marubo e Darcy Marubo - mentores dessa campanha - valia 200 cruzados no mercado do crime da fronteira. Saindo vencedores com a demarcação da terra, Edilson se empenhou em atividades que contribuíssem para o cotidiano comunitário. Ainda recebeu dois grandes prêmios em nível nacional, o último enaltecia sua atuação entre o povo Kanamary com o fortalecimento e valorização da cultura. No seu último discurso, ele dizia que a luta teria que continuar e que a morte não poderia cair no esquecimento. "Eu acredito em vocês...Agradeço à Deus por ter existido...temos que dar nome e sobrenome aos denunciados senão vamos continuar morrendo". Com a perda de Edilson Kanamary, as lideranças locais e regionais que o conheciam, atentam para necessidade de o movimento indígena estar entre os legisladores e executores das políticas públicas voltados para coletividade indígena. Justamente para garantir espaço da visão
indígena e de sua diversidade étnica, além de sua importância histórica e cultural na sociedade. Mais de 500 anos após a invasão do Brasil, os povos indígenas começaram a se empenhar nesse campo altamente disputado por classes e categorias da sociedade em geral que cada vez mais buscam essa ocupação das casas legisladoras. O futuro em nossa região em curto prazo é incerto, pela urgência que temos em salvar as vidas que ainda restam, mas com certeza esse tema será bastante discutido nos próximos doze meses além da busca de apoio internacional para garantir a continuidade étnica na região. E também, da sociedade como um todo, que deverá auxiliar nossas lideranças tradicionais e políticas no trato com a grande quantidade de órfãos de pessoas como Edilson que deixa dois filhos.

ENTENDENDO O DESCASO

No momento em que tiveram início as atividades desenvolvidas pela FUNASA do inquérito sorológico no Javari, que previa um levantamento epidemiológico na região acerca da epidemia de hepatite, segundo Edilson em sua denúncia que ofereceu ao MPF, foi notificado que ele próprio possuía o vírus em seu corpo. No entanto, ele foi orientado de
que não se preocupasse pois seu fígado estava intacto, e ele só teria que fazer um acompanhamento da evolução de seu problema de saúde concomitante ao tratamento. Em seguida, ele foi para sua aldeia retornando no prazo determinado pelo médico responsável pelo tratamento para exames de rotina. Em seu depoimento, ele disse que nesse momento, foi informado de que seu quadro clínico estava complicado e que seu fígado havia crescido, sendo assim, necessário o
início de um tratamento de hepatite, com a medicação adequada. Um ano após esse diagnóstico, a FUNASA - órgão responsável pela saúde indígena - disse que a aquisição do medicamento para tratamento de 20 pacientes incluindo Edilson, estava sendo licitado. Isto mesmo após ter havido tempo e orçamento disponível para esse fim por seis meses.
Em conversa mantida com a presidência nacional, nossa redação obteve a informação de que a coordenação regional do Amazonas precisava encaminhar os documentos necessários para o processo. No entanto, nada
disto aconteceu. O coordenador regional da época, senhor Narcizo Barbosa, chegou a ordenar o pagamento de três meses da estrutura física na cidade de Tabatinga, valor correspondente a R$ 9 mil mensais, para recepcionar esses doentes para o tratamento. Mesmo sabendo que a parte logística não estava em perfeita sincronia, enquadrando-se assim no crime de responsabilidade fiscal. Até hoje, não se sabe o real motivo desse pagamento. Segundo o coordenador
técnico do Dsei Javari, João Netto, foram pagos três meses de aluguel para recepcionar os pacientes, mesmo sem previsão de início desta ação. Ele disse, em reunião do Conselho Distrital de Saúde Indígena-CONDISI, que deverá pedir esclarecimentos desse gasto à FUNASA. Enquanto misteriosamente verbas para atividades inexistentes
são adiantadas, funcionários de nível médio possuem bens incompatíveis com seus ganhos, e as estruturas(Dseis) nos municípios continuam sucateadas, com mínimo recurso financeiro para gigantescas aquisições, além do funcionalismo sobrecarregado e mal pago. O objetivo principal da instituição se perde em meio a tanto saque. Os povos indígenas, assim como Edilson, desaparecem silenciosamente sem que a sociedade tome conhecimento da real luta dos povos
indígenas. Nesse momento, chamo a atenção da sociedade e dos nossos mais de 30 mil membros, para o genocídio que se instalou no Vale do Javari. Ás nossas custas, urubus disfarçados de cordeiros ganham dinheiro podre e manchado com o sangue dos povos indígenas moribundos que gritam por socorro sem que o mundo saiba. Transferindo nossa
preocupação para o cotidiano do leitor, a situação no Vale do Javari é como se sua mãe estivesse tuberculosa, seu pai e irmãos estivessem morrido vítimas da hepatite, sua esposa estivesse em seus últimos dias e seu filho pálido, magro e contaminado brincasse ao relento com sua enorme barriga, sem ter a certeza de que no dia seguinte ainda terá a
segurança do lar. Em breve, pediremos contribuições e ajuda de voluntários para nos ajudar com os órfãos que não merecem ter o mesmo destino que nossa geração. Aproveitando o espaço, quero manifestar apoio aos funcionários do Dsei-Manaus que reivindicam segurança e condições adequadas para trabalhar.

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