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'Lutador' da Fepi enfrenta desafio

A Crítica-Manaus-AM
Autor: [ Valmir Lima ]
19 de Abr de 2003

Bonifácio Baniwa, presidente da Fepi

O nome de origem do presidente da Fundação Estadual de Política Indigenista (Fepi) é Wetsutali e significa Lutador. Bonifácio José é um nome dado pelos não-índios ao seu avô e repetido. Baniwa é a etnia a qual Bonifácio José faz parte, mas também é um nome dado pelos "brancos", revela. Ao nascer, o índio é observado pela mãe, que faz um relato ao pai para que este decida o nome do novo membro da tribo. "Cada família tem uns dez nomes que se repetem. O meu nome é colocado no meu filho", afirma.

Primeiro índio a ocupar um cargo público no Governo do Amazonas, Bonifácio José Baniwa considera a tarefa uma oportunidade para que os índios possam apresentar suas demandas e formular uma política que atenda suas necessidades.

Aos 35 anos e com um currículo que inclui a formação como técnico agrícola e o trabalho como professor nas comunidades indígenas do alto Solimões, Bonifácio acumula vasta experiência no movimento em defesa dos povos indígenas da Amazônia e considera a tarefa à frente da Fepi um "grande desafio", principalmente porque os recursos previstos para a implementação das políticas públicas nas comunidades indígenas são escassos, como esclarece ao longo da entrevista.

AC - O que significa para um índio assumir a direção de uma entidade estadual responsável pela política indigenista do Estado onde está concentrada a maior população indígena do País?

Baniwa - Não só pra mim, mas para o movimento indígena, é o reconhecimento da nossa luta por parte do atual Governo e uma oportunidade para a gente colocar as demandas das comunidades indígenas em políticas públicas.

AC - Esse reconhecimento não existia no Governo anterior?

Baniwa - Houve um avanço na nossa luta. A criação da Fepi e do Conselho de Educação da Escola Indígena foram conquistas do movimento indígena, que vinha lutando ao longo desses anos, e o Governo passado reconheceu isso. No entanto, não sendo dirigido pelos próprios índios diretamente envolvidos no movimento indígena. Já o atual Governo reconhece isso através da nossa presença, fazendo parte do Governo dele.

AC - Atualmente existem recursos suficientes para implementar as políticas públicas que o movimento reivindica?

Baniwa - O orçamento é muito pequeno. Só tem dinheiro para a manutenção do escritório, pagamento de pessoal e algumas ações, mas muito poucas. Por isso, nós temos 90 dias para trabalhar em forma de oficinas em oito regiões do Estado para montar um programa, com orçamento, para ver qual é o valor da demanda das comunidades indígenas. Vamos apresentar isso para o Governo, que vai estudar uma possibilidade de incluir no orçamento ou enviar para a Assembléia Legislativa, a partir do próximo ano, possamos ter dinheiro para trabalhar com as populações indígenas.

AC - Não é complicado realizar o trabalho que se pretende sem os recursos necessários?

Baniwa - É um desafio a ser enfrentado, mas nós temos nossa forma de trabalhar, de fazer projetos, muitos já prontos, desenvolvidos pelas organizações e comunidades indígenas, e esses projetos nós queremos transforma em programas de políticas públicas. Porque, como cidadãos desse Estado, o Estado tem o dever de atender essas comunidades.

AC - Quais seriam os problemas mais urgentes que precisariam ser atacados por esses programas?

Baniwa - A principal bandeira nossa é a geração de renda, porque a falta de geração de renda é que faz com que muitos índios saiam de suas comunidades em busca de trabalho e de melhoria de vida para virem morar nas periferias das cidades. Através do programa Zona Franca Verde, nós queremos atender as comunidades na área de geração de renda, com programas que levem em conta a vocação de cada lugar. Mas nós temos outros problemas, de acordo com cada região, que precisam ser atacados, como o alcoolismo, a prostituição, a fome. Algumas regiões estão escassas de peixe e de caça. Por isso, vai ser importante fazer uma discussão para que cada comunidade diga o que o Governo precisa fazer de imediato e como tem que fazer. O nosso objetivo é envolver os vários órgãos dos governos estadual e federal, porque o que temos hoje são organizações não governamentais que fazem trabalhos isolados. Não existe uma união para atender toda a comunidade. Esse será o nosso grande desafio.

AC - O movimento indígena não pensa em levar o índio que saiu da floresta para as cidades de volta para seu local de origem, na mesma perspectiva dos governos de criar políticas para que o homem do campo volte para o interior?

Baniwa - O meu entendimento é de que quem está na cidade não tem como ser simplesmente devolvido. A não ser que chegue um dia em que a própria família decida voltar. Inclusive, isso acontece: muitos índios vêm para a cidade estudar e depois voltam para suas aldeias. Eu vim para a cidade em 1984 para estudar, fiquei quatro anos e voltei para a minha aldeia. Depois entrei no movimento indígena e estou por aqui novamente, mas a minha estadia aqui não é porque eu quero morar. Quando não tiver mais trabalho aqui, volto para a minha área.

AC - O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Virgílio Viana, afirmou na imprensa que a Fepi será a articuladora dos programas de desenvolvimento sustentável nas terras indígenas. Isso significa que essas terras indígenas serão exploradas com fins comerciais?

Baniwa - Se a vocação de uma região é explorar algumas coisas isso será feito, mas tem que ser uma exploração racional, com manejo. Nós consideramos que os índios nunca foram pessoas que destruíram o meio ambiente. Vamos definir critérios para fazer essa exploração racional. O que acontece hoje é que índio quer trabalhar e Ibama proíbe, Polícia Federal proíbe. Mas, mesmo esses órgãos impedindo, as terras estão sendo exploradas, tá tendo roubo de conhecimento, roubo de plantas, contrabando de madeira. Então porque não trabalhar isso de forma racional, com acompanhamento técnico e com manejo para que a comunidade indígena se beneficie?

AC - Em agosto do ano passado, a Fepi organizou a 1ª Conferência de Pajés do Amazonas e nesse evento foi aprovado um documento chamado Carta de Manaus, que gerou conflito entre as organizações indígenas e muitos protestos, pela forma como o documento foi encaminhado. A Carta de Manaus tem o reconhecimento do movimento indígena?

Baniwa - Algumas lideranças, representantes de organizações indígenas, participaram dessa conferência. Eu estive lá um dia. A minha avaliação é de que a luta é de toda a população indígena e qualquer luta faz parte do processo. Então, as lideranças que estiveram no evento para discutir deram uma contribuição para o próximo passo, a ser discutido. O conflito em torno do documento serve como aprendizado.

AC - O mal-estar criado entre a Fepi, de um lado, e a Coiab e o PDPI de outro já está superado?

Baniwa - Com certeza. A partir de agora, que estamos participando do Governo e precisamos ouvir os movimentos, acredito que esteja superada essa fase.

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