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Lula festeja um ano da reserva com índios divididos

OESP, Nacional, p. A8
19 de Abr de 2010

Lula festeja um ano da reserva com índios divididos
Presidente participa hoje de comemoração na Raposa Serra do Sol, mas grupo indígena prepara protesto e deve fechar estrada

Tânia Monteiro
Enviada especial
Boa Vista e Maturuca

Um ano depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemora hoje o Dia do Índio festejando a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, mas com os povos indígenas da região ainda divididos.
Convocados e organizados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), um grupo de índios vai receber Lula em Maturuca e cantar o Hino Nacional em dialeto macuxi. Outro grupo fará um protesto fechando uma estrada.
O governador tucano de Roraima, José Anchieta Júnior, apesar de convidado pelo Planalto, até ontem à noite não havia confirmado presença na solenidade. De acordo com nota divulgada pela assessoria de imprensa do governo, ele não havia confirmado presença "devido a compromissos no interior do Estado".
Os fazendeiros da região, que foram retirados da reserva por ordem do STF, consideram a agenda de Lula "uma afronta" e se dizem "revoltados". Mas acrescentam que, em vez de protestar, preferem "ignorar" a presença do presidente no Estado. "Não temos ânimo para protestar. Preferimos ignorar a vinda do presidente da República aqui e a festa, até porque ele nem vem à capital", disse o presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Nelson Massani.
Lula vai ficar na Vila Maturuca cerca de três horas. E vai passar ao largo do protesto que ontem estava sendo preparado pelos representantes macuxi, liderados pelo presidente da Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima, Sílvio da Silva. Ele disse que a associação, que representa 9 mil índios, espalhados por 55 comunidades, não foi convidada para a festa organizada pelo CIR e pela Funai.
Os índios macuxi planejam protestar no aeroporto de Boa Vista, onde Lula vai trocar o avião por um helicóptero, e levantar uma barreira em Caipitá, na estrada que leva em direção ao município de Uiramutã e à Vila de Maturuca.
A reserva. Localizada no noroeste de Roraima, na fronteira com a Guiana e a Venezuela, a reserva indígena da Raposa Serra do Sol tem uma área de 1,67 milhão de hectares onde vivem cerca de 19 mil índios de cinco etnias: macuxi, wapichana, ingarikó, taurepangue e patamona. A desocupação da área ainda é palco de polêmica porque parte dos próprios índios defendem a permanência dos produtores de arroz e pecuaristas da região, alegando que vivem perfeitamente entrosados com eles.
A ocupação por não índios está registrada desde 1919 pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Nelson Massani, que vivia na região há mais de 30 anos e que tinha título e propriedade da terra emitido pelo Incra, disse que, depois da desocupação a produção de arroz no Estado caiu 52%. "Lula fez a desocupação para atender interesses externos. Estão falando até que ele quer um cargo lá fora para quando sair", acrescentou.
A reportagem ligou ontem para o CIR, mas não conseguiu falar com seus dirigentes.
300 bois. Os organizadores da festa do aniversário da demarcação da reserva tiveram de montar uma estrutura especial para receber todos os convidados. De comida até banheiro, tudo teve de ser providenciado para atender às autoridades. Segundo o CIR, para garantir a alimentação, 300 bois foram disponibilizados pelas comunidades indígenas. Cestas básicas serão fornecidas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Desde o início de abril, um batalhão de engenharia e construção está realizando obras para melhorar os 11 quilômetros da estrada que leva ao local da festa. A viagem de carro a partir de Boa Vista demora de 5 a 8 horas, dependendo da velocidade e do tempo. Foi providenciada a instalação de um sistema de emergência para fornecimento de energia com um gerador cedido pela Companhia Energética de Roraima.
Como o presidente Lula estará presente, do meio dia até as 15 horas, o espaço aéreo deverá ficar fechado. Para entrar, todas as pessoas credenciadas precisam se identificar em três barreiras de fiscalização montadas na terra indígena. Segundo informações divulgadas pelo CIR, todos os convidados e jornalistas deveriam chegar até as 18h de ontem porque hoje o acesso será fechado pelas equipes de segurança compostas por homens da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança. / Colaborou Mariângela Gallucci

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100419/not_imp540106,0.php

É o ano mais triste da minha vida, diz fazendeiro de 87 anos
Pecuarista lembra que o presidente Lula visitou sua casa na primeira campanha eleitoral e 'achou tudo muito bom'

Boa Vista

A comemoração do primeiro aniversário da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, no Dia do Índio, é para Joaquim Correa de Melo, 87 anos, uma "afronta" e um "marco doloroso" no que ele chama de "o ano mais triste da minha vida". Ele faz parte do grupo de pessoas que moravam em terras da reserva e no dia 22 de março de 2009 foram obrigadas, por decisão do STF, a "deixar para trás uma vida inteira".
O pecuarista Melo enxuga as lágrimas, diz que passa as noites "acordado e remoendo" e se diz "inconformado" porque sua família estava na fazenda Caracaramã, na beira do Rio Maú, município de Normandia, desde 1816. "Nasci ali e pensei que ia passar ali o resto dos meus dias." Não esquece que, "na primeira campanha que disputou", em 1989, o então candidato Lula esteve na casa dele. "Foi muito bem recebido e achou tudo muito bom. Agora fala em nação indígena, vem fazer festa, mas não vê que muitos de nós estão vivendo de favor na casa dos filhos", desabafou.
Melo não se conforma que o governo tenha preferido expulsar "pessoas de meia idade e idosos", a negociar a convivência da população com os índios da região. "Já tive muita saúde, mas, a esta altura da vida, não temos mais como trabalhar feito desbravadores em uma área completamente inexplorada", disse. "Numa emergência a quem vamos recorrer?" Ele se refere às terras na região da vila Vilhena, no município de Bonfim. "Não dá nem para chegar lá, muito menos para morar", afirmou.
"Saí de lá (Normandia) e entreguei a chave da minha casa com tudo dentro para os índios", lembrou ao reclamar da nova área destinada a cerca de 40 produtores "expulsos das terras" e indenizados, no caso dele, com R$ 360 mil. "A indenização não dá sequer para custear as despesas de assentamento na nova região", diz. O gado e os cavalos que ele tirou da antiga fazenda estão em terras alugadas.
"A vida em Roraima está muito difícil. As pessoas têm medo de vir pra cá, têm medo de aparecerem mais índios e o governo tomar o que restou." Melo já decidiu que vai votar "em branco" nas próximas eleições. / T.M.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100419/not_imp540108,0.php

OESP, 19/04/2010, Nacional, p. A8

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