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Lula anuncia plano ambiental

O Globo, O País, p. 3-4
26 de Set de 2007

Lula anuncia plano ambiental
Presidente promete projeto contra desmatamento e defende justiça social

Marília Martins
Correspondente
Nova York

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu ontem a Assembléia Geral das Nações Unidas afirmando que desenvolvimento social e preservação do meio ambiente podem ser combinados para promover a redução das desigualdades, tanto no âmbito interno quanto internacional. Lula foi enfático na defesa da transformação da matriz energética mundial na direção dos biocombustíveis e no uso desta oportunidade para a redução do desequilíbrio econômico entre as nações. Lula lançou duas propostas diante do plenário da ONU. A primeira foi o anúncio de que o Brasil terá um Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climáticas, cujos pontos centrais serão a ampliação do combate ao desmatamento e a proteção da Amazônia. A outra proposta é internacional: a realização, em 2012, de uma nova Conferência Mundial sobre Meio-Ambiente, que Lula chamou de "Rio+20":
- 0 mundo não modificará sua relação irresponsável com a natureza sem modificar a natureza das relações entre desenvolvimento e justiça social. A eqüidade social é a melhor arma contra a degradação do planeta - disse.
0 presidente brasileiro afirmou que o ônus do combate ao aquecimento global não pode se dar sobre os países em desenvolvimento. Para ele, a comunidade internacional precisa "reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço". Lula convocou os membros da ONU a repensar as relações internacionais a partir do que chamou de "modelo de desenvolvimento global":
- Se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes.
Lula exigiu a ampliação do protocolo de Kioto, com maior contribuição dos países desenvolvidos na redução da emissão de gases poluentes, e disse que o Brasil está fazendo o dever de casa, tendo reduzido o desmatamento da Amazônia.
Para Lula, os biocombustíveis são urna oportunidade para democratizar a produção de energia e promover o desenvolvimento:
No novo programa para o meio ambiente, Lula vai anunciar medidas de aumento de fiscalização do desmatamento na Amazônia e pretende acelerar parcerias na América Central para a produção de etanol. Isto já acontece na Jamaica, que se tomou o segundo maior produtor do biocombustível depois do Brasil, e vai acontecer no Haiti. 0 ministro Celso Amorim afirmou:
- 0 Brasil está fazendo o dever de casa. Vamos aumentar a fiscalização da Amazônia para reduzir o desmatamento e fazer zoneamento das áreas de agricultura para evitar que a produção de etanol ameace a de alimentos. Vamos apoiar a criação de uma Organização internacional para o Meio Ambiente. Sugerimos que seja um guarda-chuva capaz de abrigar países que não tenham assinado a convenção de Kioto.
"Mais perto que nunca de um acordo histórico"
Ao final da visita, Lula demonstrou otimismo com o que chamou de "flexibilidade" do presidente americano, George W. Bush, ao negociar a redução dos subsídios agrícolas americanos:
- Estamos mais perto de uma negociação do que do que em qualquer outro momento histórico. Estou convencido de que ainda neste ano poderemos fechar a Rodada de Doha com tranqüilidade, para felicidade de todos nós.
Lula lembrou o discurso de Bush na ONU como o reconhecimento de que o mundo precisa de mudança. Mas muito se comentou também que a disposição do presidente americano pode esbarrar na resistência do Congresso, dominado pela oposição democrata. 0 jornal "Financial Times" chegou a afirmar que o mundo teria que esperar as eleições americanas para aprovar avanços na Rodada de Doha. Lula reagiu:
- 0 mundo não pode esperar o resultado das eleições americanas para agir em relação ao meio ambiente. 0 governo americano e o povo americano estenderam Isto. Saio desta conferência otimista. Está na hora de os países pobres terem acesso aos mercados dos países ricos, para a felicidade de todos nós - disse Lula.
Lula disse que a negociação sobre a abertura dos mercados agrícolas dos EUA e da União Européia entra numa fase decisiva para os países que compõem o chamado G20, liderados pelo Brasil, pela índia, pela Rússia e pela China
-- Os países mais pobres querem ter acesso ao mercado agrícola dos mais ricos. Os mais ricos querem abertura do mercado dos países mais pobres, e todos querem que o Brasil abra o seu mercado. 0 mundo está mais perto do que nunca de um acordo histórico.
Lula reuniu-se com o presidente da Indonésia, Susilo Yudhoyono, o líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Do francês, recebeu apoio à proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU, com assento para o Brasil.

Brasil assume a sua parcela
Até então, Lula atribuía responsabilidade por aquecimento global a países desenvolvidos

Eliane Oliveira

Cansado de ser cobrado em todos os fóruns internacionais cujo ponto central é a mudança climática, o Brasil decidiu dar uma reviravolta em sua participação durante a reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) e partiu para o ataque. A posição mais agressiva foi demonstrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que até então ocupava-se de atribuir a responsabilidade pelo aquecimento global aos países desenvolvidos. Em todas as oportunidades que teve esta semana, Lula distribuiu um documento de 42 páginas com um balanço do que já foi feito por seu governo para contribuir com a redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa na atmosfera.

Com a divulgação do balanço, denominado "Contribuição do Brasil para evitar a mudança do clima", o governo brasileiro prepara o terreno para lançar um plano estratégico com metas internas para os setores público e privado, nos dias 13 e 14 de dezembro, durante a Conferência de Bali, na Indonésia. O evento tem por objetivo traçar o mapa das negociações para um novo acordo global contra o aquecimento do planeta, que substitua o Protocolo de Kioto. O Brasil assumirá novos compromissos, que incluem desde o desmatamento até a inspeção veicular, para limitar a emissão de gases pelos automóveis.

Mas não serão metas numéricas, explicou ao GLOBO uma fonte do governo, para que não haja cobranças futuras.

Ao longo de sua estada em Nova York, Lula fez questão de mostrar que, embora não seja obrigado a cumprir metas quantitativas estabelecidas em tratados como o Protocolo de Kioto, os brasileiros estão fazendo sua parte e podem assumir compromissos mais ambiciosos, desde que decididos internamente e sem a interferência das nações industrializadas.

Países como os Estados Unidos - que não fazem parte do acordo multilateral - afirmam que só se engajarão nessa luta se as nações emergentes, entre elas o Brasil, fizerem o mesmo.

- Nossa linha é de que as responsabilidades são comuns, porém diferenciadas - disse, por telefone, de Nova York, o chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Fernando Lyrio.

O documento, elaborado por cinco ministérios - Itamaraty, Meio Ambiente, Desenvolvimento, Minas e Energia e Ciência e Tecnologia - foi exaustivamente distribuído. Em um jantar, na noite de segunda-feira, com um seleto grupo de chefes de estado, entre os quais o presidente americano George W. Bush, o francês Nicolas Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel, Lula entregou um exemplar a cada um deles.

A divulgação continuou durante todo o dia de ontem às delegações estrangeiras e amanhã, em Washington, o texto voltará a ser apresentado, durante um encontro entre representantes dos 20 maiores países emissores de gases poluentes, entre os quais o Brasil.

"O Brasil não tem, de acordo com o regime da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC), obrigações quantificadas de limitação ou redução de emissões. Contudo, o país está atuando de forma decisiva e dando contribuições concretas para a luta contra a mudança do clima", diz um trecho do documento.

Um dos pontos fracos do Brasil, quando o assunto é meio ambiente, é a Amazônia. Lula enfatizou que o desmatamento na floresta está cada vez menor, nas conversas que teve com outros chefes de Estado. Destacou ainda que o governo está dando incentivos para recuperar áreas já devastadas e vem melhorando a fiscalização, o licenciamento e o controle.

- Nossa estratégia é fazer com que a comunidade internacional veja que somos mais vítimas do que vilões, por conta dos altos níveis de emissões dos países industrializados - disse uma importante fonte do Itamaraty.

Outro ponto que serve de propaganda ao Brasil e foi largamente explorado por Lula diz respeito à produção de combustíveis renováveis, como o etanol e o biodiesel. O documento apresentado pelo presidente informa que, em 2005, a participação das fontes renováveis de energia no Brasil era de 44,5% na matriz energética, enquanto nos países desenvolvidos o percentual era de apenas 6,1%. No mundo, o índice ficou em 13,1%. Além disso, desde a década de 70, as fontes primárias de energia das hidrelétricas e de produtos da cana-de-açúcar aumentaram em dez vezes.

As fontes de energia renováveis não contribuem para as emissões de gases de efeito estufa - disse Fernando Lyrio.

Amorim diz que negociação sobre comércio exige 'tempo e detalhe'
Ministro afirma que reunião com Susan Schwab é o começo de encontros bilaterais

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim , saiu do encontro com a secretária de Comércio dos EUA, Susan Schwab, sem um número mágico para a aprovação de um acordo para a redução do limite de gastos do governo americano com subsídios agrícolas. Segundo Amorim, nem ele nem a secretária americana queriam encerrar as negociações:
- Conversamos, mas não negociamos. Tivemos essa atitude: quando chegava perto da hora de negociar, tomávamos a iniciativa de parar. Essas conversas exigem tempo, e iniciamos um processo que será longo. Essas coisas exigem tempo e detalhe. Foi importante retomar o diálogo direto com ela, que praticamente havia sido interrompido depois de Potsdam, de modo que tivemos um reengajamento na discussão. Deixamos claro que apreciamos muito o gesto que os EUA fizeram.
Para Amorim, o encontro de ontem no Waldorf Astoria é o começo de uma série de novos encontros e consultas bilaterais, já que agora será iniciado o processo de conversa com os outros países do grupo de 20 que apóiam a posição brasileira na exigência de uma redução das barreiras para o acesso ao mercado americano:
- Temos uma disposição comum com os EUA. Hoje tivemos uma reunião sobre a área agrícola. Teremos outra reunião sobre a área industrial. Iniciamos um processo de conversas e consultas bilaterais que será muito importante. Esse processo de negociações deve continuar em Genebra, e vamos prosseguir as conversas com os Poses do grupo IBAS, que reúne Índia, Brasil, África do Sul. 0 presidente Lula vai à África do Sul em outubro para esse encontro. Lá pelo fim de outubro, teremos outro texto dos presidentes e então sim voltaremos a negociar com os EUA - disse Amorim.
0 ministro disse que os americanos também continuarão a trabalhar para chegar ao mais próximo possível de um acordo:
- 0 importante foi a retomada de negociações. Eles continuaram a falar no intervalo entre US$ 16 bilhões e US$ 13 bilhões, mas disseram que precisam de mais tempo para que esta negociação seja feita. 0 importante foi a disposição do presidente Bush em continuar negociando - disse Amorim.
0 ministro brasileiro disse que pediu à secretária de Comércio dos EUA apoio para que as tarifas e subsídios europeus para produtos agrícolas sejam reduzidos, e que recebeu de Susan Schwab a promessa de agir nessa direção.
- Temos uma posição bastante parecida. É preciso clareza para que possamos agir juntos na hora certa a fim de que a União Européia participe desse esforço. Temos declarações favoráveis da Alemanha e da Grã-Bretanha, através do primeiro-ministro Gordon Brown e da chanceler Angela Merkel.
Amorim lembrou que Merkel se comprometeu com Lula a atuar na esfera européia, mas que o assunto pertence ao âmbito da União Européia.
A conversa com a chanceler Merkel foi basicamente em torno de temas da OMC, e ela vai apoiar a posição brasileira e dos países em desenvolvimento "na medida do possível".
0 ministro disse que a Lula fará novas viagens ano que vem:
- 0 presidente Lula vai visitar a Palestina. 0 presidente Abbas (da Autoridade Palestina) pediu que o Brasil participe de modo mais ativo do esforço de paz no Oriente Médio.

Depois do otimismo, comedimento
Diferença de tom de discursos de Lula e Bush chama atenção

Um parecia transpirar otimismo. O outro demonstrava certo comedimento. A diferença de tom entre os discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente George W Bush, um seguido do outro, na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, foi o assunto mais comentado pelos corredores assim que os dois saíram do plenário.
Enquanto Lula falou de justiça social e preservação do meio ambiente, George W Bush, pressionado pela convocação de Ban Ki-Moon para que a ONU lidere os debates sobre o combate ao aquecimento global e pela visita do iraniano Mahmoud Ahmadinejad a Nova York, centrou sua fala no combate ao terrorismo e no convite aos 16 países que estão entre os maiores do mundo a participar de um encontro paralelo à conferência da ONU, em Washington, na quinta e na sexta-feiras. Os dois foram muito aplaudidos, mas nos bastidores a diferença de tom nos dois discursos foi muito comentada.
E a maior saia justa do Brasil foi exatamente no que se refere ao presidente iraniano, que fez uma consulta ao Itamaraty para passar pelo Brasil durante a visita que pretende fazer à Venezuela, e teve como resposta que não havia "compatibilidade de agenda", nas palavras do ministro Celso Amorim.
O presidente iraniano foi tema também da conversa de Lula com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que queria o apoio do Brasil para sanções ao Irã. 0 presidente brasileiro fez questão de reafirmar que seria precipitado aprovar sanções contra o Irã num momento em que o parecer da Agência Internacional de Energia Atômica e de seu diretor-geral, Mohamed El Baradei, diz que o programa energético iraniano de enriquecimento de urânio não dá indícios de desenvolvimento de armas atômicas:
- Se o presidente iraniano quer enriquecer urânio, tratar a questão nuclear como uma coisa pacífica, ele tem direito a fazer experiência energéticas que quiser, desde que seja para fins pacíficos. 0 Irã não cometeu nenhum crime contra toda a orientação da ONU com relação a arma nuclear - disse Lula.

O Globo, 26/09/2007, O País, p. 3-4

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