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Lobby emissor tenta aguar Copenhague

FSP, Ciência, p. A15
07 de Nov de 2009

Lobby emissor tenta aguar Copenhague
Indústria aproveita vácuo de interesse público no aquecimento global e articula proteção a setores mais poluentes
Congresso dos EUA recebeu neste ano visitas de mais de 2.800 lobistas para tratar de clima, um aumento de mais de 400% em seis anos

Marianne Lavelle
Colaboração para a Folha

Na região montanhosa do leste dos Estados Unidos conhecida como Appalachia, o milionário do carvão Don Blankenship promove um comício para os "Amigos da América" ouvirem música country e "descobrirem como extremistas ambientais e a América corporativa estão tentando destruir os empregos de vocês".
Do outro lado do planeta, de olho em seu empreendimento em uma cidade portuária, o bilionário do alumínio Oleg Deripaska ataca o programa australiano de combate às mudanças climáticas, tachando-o de "destrutivo para os empregos, destrutivo para os investimentos novos e os já existentes".
E, na China, planos ambiciosos de adoção de eletricidade renovável parecem ser um passo importante no combate ao aquecimento global, mas os planos demoram a avançar devido ao favoritismo profundamente enraizado do combustível fóssil, mais barato. "Ninguém precisa ficar preocupado demais", diz Lu Qizhou, representante governamental que preside o grupo chinês da grande indústria energética. Ele diz que a mudança do sistema de energia movida a carvão para o novo sistema será lenta e não vai ultrapassar "a capacidade do mercado de lidar com ela".
A história é mais ou menos a mesma em todo o mundo. Opositores das ações climáticas podem ter modos distintos de exercer pressão sobre diferentes capitais, mas seus medos vão ocupar o centro das atenções quando negociadores de 192 nações se reunirem em Copenhague em dezembro próximo para negociar um acordo contra o aquecimento global.
Pelo acordo em vigor até 2012, o Protocolo de Kyoto, países em desenvolvimento não precisam cortar emissões. E a pressão para que isso não mude é alta. Juan Sandoval, negociador do México para Copenhague, é franco ao dizer que uma das principais preocupações do lobby empresarial tem sido que seu país continue desobrigado de reduzir emissões.
"Precisamos nos comunicar com eles constantemente para explicar como estão indo as negociações", disse ele. "O setor privado também quer ter voz e opinião sobre o quanto o México vai colocar sobre a mesa."
A Europa, por sua vez, possui um histórico de poder dos partidos políticos verdes, algo que não se encontra do outro lado do Atlântico, e, no papel, tem metas climáticas ambiciosas para 2020. Mas os cortes reais de emissões contemplados dentro das fronteiras da UE sofreram redução importante devido ao lobby de indústrias pesadas que disseram que enfrentariam concorrência injusta do mundo em desenvolvimento.

Bingo sem acaso
Esses temas são ecoados por representantes das chamadas Bingos -sigla em inglês para ONGs de Indústria e Negócios-, que assistem às sessões de negociações em todo o mundo e têm presença há mais de 20 anos nos esforços ONU sobre o clima. Esses lobistas não comparecem para oferecer propostas concretas, mas para conhecer as figuras-chave do debate sobre o tratado climático e facilitar seu acesso a elas.
"Fazemos hora", disse John Scowcroft, da União Europeia da Indústria de Eletricidade, falando nas conversações recentes em Bancoc. "É um fazer hora com intenção."
Grandes potências, como a indústria do alumínio da Austrália, argumentam que empregos serão perdidos se concorrentes em países em desenvolvimento, como a China, não forem submetidos ao mesmo regime de cortes nas emissões. Essa oposição do setor industrial ajudou a derrotar uma legislação climática debatida no Senado australiano em agosto.
As 20 maiores companhias que recebem financiamento do governo australiano para reduzir emissões têm mais de cem lobistas trabalhando por elas. São ex-políticos, ex-burocratas governamentais seniores ou ex-assessores.
A administração do primeiro-ministro Kevin Rudd, cujo primeiro ato oficial em 2007 foi ratificar o tratado de Kyoto, está negociando concessões às empresas, visando gerar apoio para votar a legislação antes do encontro em Copenhague.
Nos EUA, o Senado também está adiantando sua legislação climática na expectativa por Copenhague, mas o apoio popular à medida é abalável. Embora uma pesquisa de opinião tenha mostrado que três quartos dos americanos acham que o governo deveria regulamentar os gases estufa, apenas 44% dizem que apoiariam um sistema de comércio de emissões se este elevasse as contas de eletricidade em US$ 25.
Quarenta e quatro por cento dos americanos qualificaram o aquecimento global como problema "muito grave", segundo pesquisa da Pew Global, situando os EUA perto do final da lista dos 25 países pesquisados, ao lado da China. Cerca de 90% dos brasileiros, 68% da população francesa, 67% das pessoas na Índia e 65% dos japoneses consideraram a questão "muito grave", segundo a pesquisa.
Um levantamento do Centro Pew constatou que aproximadamente metade dos americanos é a favor de que sejam fixados limites às emissões de carbono e que as empresas sejam obrigadas a pagar por suas emissões, mesmo que isso possa elevar os preços da energia.
A descoberta mais chocante da pesquisa, porém, foi que 55% do público disse não saber dos esforços do Congresso para enfrentar o problema. Se o público não está consciente, porém, mais de 1.150 empresas e grupos de lobby estão extremamente conscientes, tanto que já enviaram ao Capitólio cerca de 2.810 lobistas climáticos, um aumento de mais de 400% em seis anos, segundo informações do Escritório de Registros Públicos do Senado. Gastos com lobby feitos neste ano somam US$ 47 milhões nos EUA.
Os lobistas visam montar proteger empresas que temem ser prejudicadas por medidas que elevem o custo do carvão que garante metade da eletricidade consumida no país.

Luta épica
Mas as concessões não conquistaram o apoio de adversários como Don Blankenship, executivo-chefe da Massey Energy, maior produtora de carvão da Appalachia, que contesta agressivamente os argumentos científicos relativos ao aquecimento global. Embora isso o marginalize do debate público, seu argumento de que a lei vai custar empregos causa preocupação no Capitólio.
Mas há empresas que defendem a lei para limitar emissões. Dan Reicher, diretor do Google para iniciativas energéticas, acredita que a ação climática possa conquistar apoio no Congresso americano se incluir flexibilidade e oportunidades para as empresas. Mas ele não nutre a ilusão de que será fácil.
"Uma parte importante de nossa economia se baseia no fornecimento de energia de fontes tradicionais, e o controle das emissões de carbono de fato exerceria algum impacto", diz ele. "Então é isso que precisa ser solucionado politicamente. Vai ser uma luta épica."

Esta reportagem faz parte da série "O Lobby Global da Mudança Climática", produzida pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos). Leia mais em www.icij.org

Tradução de Clara Allain

FSP, 07/11/2009, Ciência, p. A15

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