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Lixo tóxico polui terras dos índios no Xingu

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: JOSÉ MARIA MAYRINK
28 de Set de 2003

Pilhas e baterias usadas por eles são a maior ameaça, mas há o que chega pelos rios

Os 4 mil índios de 14 etnias do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, lançaram um grito de guerra contra um inimigo moderno e poderoso - a poluição de lixo tóxico que corrói suas terras e contamina os rios. Como não têm estratégia e armas eficazes para combater essa ameaça, eles pediram socorro aos brancos para dar um sumiço nas toneladas de baterias, pilhas e frascos de óleo combustível que se amontoam na área.

Contratadas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), responsáveis pela saúde e educação no parque de 2,6 milhões de hectares, duas técnicas do Instituto GEA - Ética e Meio Ambiente passaram uma semana no Xingu para fazer um diagnóstico da situação e apontar soluções. As conclusões serão discutidas até o fim do ano com líderes das aldeias.

"Enfrentamos um grande desafio, mas estamos com meio caminho andado, porque os índios têm consciência dos riscos e estão dispostos a buscar uma saída", diz a ambientalista Ana Maria Domingues Luz, que em julho percorreu 18 pontos do parque com a engenheira química Araci Musolino Montineri, sua colega no Instituto GEA. As duas técnicas ficaram animadas com os sistemas sanitário e pedagógico dos índios.

De volta a São Paulo, Araci e Ana Maria pediram a assessoria de órgãos especializados no combate à poluição, como a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Escola Politécnica e Faculdade de Saúde Pública da USP. No parque, o índio Macupá, da Associação Terras Indígenas do Xingu, serviu de guia para as técnicas.

"Além de pilhas, baterias e recipientes de óleo 2T, que os índios misturam com gasolina nos barcos, achamos pneus, antenas parabólicas e rodas de bicicleta e moto no mato", diz Ana Maria, apontando exemplos de material não degradável que polui a área. Plásticos, papel e resíduos hospitalares são queimados em valas - solução nem sempre apropriada.

Riscos - Araci e Ana Maria viram crianças brincando com pilhas e baterias vazando em montes de lixo. Os agentes de saúde dos postos estão atentos para o risco, mas não têm como retirar os produtos tóxicos do parque. Um ambientalista alemão que juntou caixas de pilhas, em troca de bolachas distribuídas aos índios, acabou deixando o trambolho no aeroporto de Goiânia, ao voltar para a Europa, porque não conseguiu lhe dar um destino correto.

A coordenadora do Programa de Educação Indígena do ISA, Maria Cristina Troncarelli, que trabalha com o controle do lixo no Xingu desde 1994, calcula que os índios gastem cerca de 10 mil pilhas de lanterna por mês, além de centenas de baterias de carro que usam para geração de energia. No caso do óleo 2T, eles misturam um frasco em cada lote de 20 litros de gasolina, cujo consumo ultrapassa 30 mil litros por ano.

"Os índios guardam as pilhas em galões, queimam os recipientes de óleo em buracos e usam esse material tóxico para escrever, tratar de feridas e colar flechas, com risco para a saúde", diz Maria Cristina, que visita o Xingu quatro vezes por ano. Os professores indígenas formados pelo ISA alertam as crianças para o perigo.

Uma das propostas que Araci e Ana Maria pretendem apresentar no relatório do GEA é aproveitar o material não tóxico para artesanato. "Vamos levar essa idéia aos índios, que são criativos, para ver se será possível fazer isso sem interferir na sua cultura", dizem as técnicas. Se for adiante, o projeto poderá buscar o apoio dos fabricantes de óleo e de pilhas.

Além do lixo produzido nas aldeias, os índios enfrentam a poluição trazida pelos rios. Os 11 municípios mais próximos, com um total de mais de 120 mil habitantes, exploram madeira, arroz, soja, minérios e pecuária. A área total da Bacia do Xingu tem 51 milhões de hectares, dos quais 17 milhões formam a bacia em Mato Grosso.

Enquanto não se encontra uma solução definitiva - reciclar parte do lixo e remover o que não puder ficar no parque -, os índios insistem na conscientização de seu povo. "Atenção, se vocês comprarem pilhas para lanterna e gravador, depois do uso não joguem essas pilhas no chão ou no rio", ensina Amatiwana Matipu no Livro das Águas, editado pelo ISA com belas ilustrações indígenas.

Ao fazer a classificação do lixo, Jeika Kalapalo dividiu os resíduos em lixo seco (pano, papel, resto de madeira, plástico, etc.), molhado (alimento) e perigoso (pilha, vidro, lata, de farmácia e espinho de peixe). Maria Cristina gostou da criatividade do professor, pois é uma tradução da definição do lixo orgânico e inorgânico.

Para mostrar o que poderá ocorrer no Xingu e seus afluentes se não forem tomadas medidas urgentes, o livro estampa uma foto do Rio Tietê coberto de lixo industrial. Kanawayuri Kamaiurá adverte para o risco de os índios virem a enfrentar problemas semelhantes. "Se não lutarmos para garantir o bem para os nossos rios, quem vai lutar por nós? Ninguém."

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