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Livro da Organização Indígena da Bacia do Içana conta a história da resistência dos povos Baniwa e Koripako

Amazônia Real - https://amazoniareal.com.br
09 de Out de 2019

Livro da Organização Indígena da Bacia do Içana conta a história da resistência dos povos Baniwa e Koripako
O livro "25 anos de gestão de associativismo da OIBI para o bem viver Baniwa e Koripako" foi escrito pelo líder indígena e professor André Baniwa, que relata a luta desses povos pela demarcação de seu território, na defesa da cultura tradicional e de uma vida sustentável, em harmonia com a natureza e com as comunidades

Os povos Baniwa e Koripako, originários da bacia do rio Içana, na região do Alto Rio Negro, norte do Amazonas, foram contatados, pela primeira vez, pelos portugueses, durante o período da colonização europeia, em 1690. Essa é uma das informações históricas encontradas no livro "25 anos de gestão de associativismo da OIBI para o bem viver Baniwa e Koripako", escrito pelo professor e empreendedor social André Baniwa, uma das mais importantes lideranças indígenas do país. A autoria da informação sobre o contato é de Juvêncio Cardoso, dada durante uma conferência do povo Baniwa e registrada no livro.

A partir desses primeiros contatos, foi iniciada a luta dos indígenas contra a invasão de seu território e contra a imposição do trabalho escravo.

Entre os líderes nativos que resistiram aos invasores portugueses estava Ajuricaba, do extinto povo Manaós, que ocupava a região onde se localiza hoje a capital amazonense, Manaus, em homenagem ao nome dessa etnia. Ele liderou revoltas no início do século 18, mas acabou morrendo. Uma das versões é que Ajuricaba atirou-se nas águas. Sua figura lendária gerou inúmeros registros historiográficos e está presente no imaginário e na cultura local. Na literatura, inspirou uma obra com seu nome, "Ajuricaba", de autoria do escritor e dramaturgo amazonense Márcio Souza.

O livro "25 anos de gestão de associativismo da OIBI para o bem viver Baniwa e Koripako" é uma rica e oportuna obra para quem está interessado em saber a história dos povos indígenas, a partir de uma narrativa feita pelos próprios indígenas. A obra avança no tempo e chega até o atual momento, quando a principal organização dos Baniwa e Korikapo, a Organização dos Indígenas da Bacia do Içana (OIBI) completa 25 anos.

De acordo com dados da linha do tempo apresentada no livro, em 1764 houve a militarização no território indígena, com a construção do forte de São Gabriel da Cachoeira, no norte do estado do Amazonas. Nessa época, os indígenas do Alto, Médio e Baixo Rio Negro eram forçados a entrar em barcos que os levavam para trabalhar como escravos em Manaus e Belém, processo que foi denominado de descimento.

As forças militares, além de impor esse deslocamento forçado aos indígenas, também desarticulavam e desestruturaram os movimentos de resistência que eles faziam contra os invasores. Nessa época, muitos indígenas morreram nos conflitos e também devido à epidemia de sarampo e varíola, trazida pelos europeus. Os indígenas que conseguiram fugir escondiam-se nas matas e muitos conseguiram sobreviver. Posteriormente, voltaram a povoar as terras tradicionais, pois muitas delas estavam desabitadas, devido à dizimação da população pelos colonizadores.

No final do século XIX, no entanto, inicia um novo ciclo de exploração do trabalho indígena, durante o período da extração da borracha. Novas ocorrências de doenças e mortes levam à diminuição da população indígena. Em 1914, com o apoio do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado pelo governo brasileiro em 1910 (posteriormente substituído pela Fundação Nacional do Índio, em 1967), os missionários salesianos chegaram ao rio Uaupés e iniciaram o que eles consideraram de "processo civilizatório".

Nas escolas, criadas por eles, as crianças e os adolescentes indígenas eram proibidos de falar a língua nativa e as crenças religiosas tradicionais dos diferentes povos que viviam na região eram tidas como pecado, assim como a cultura nativa. Por isso, os indígenas foram obrigados a adotar as crenças cristãs.

Os grupos indígenas que viviam às margens do rio Içana sofreram a ação dos missionários mais tardiamente, a partir de 1950. Foi nessa época que foram criados internatos, e imposta a língua nheengatu e o português, mantida a negação das crenças e dos costumes da tradição indígena.

Com a chegada dos missionários evangélicos ao local, nessa mesma época, os indígenas passaram a ficar em meio aos conflitos entre as diferentes crenças ocidentais e as lutas pelo poder entre os dois lados. Ficavam à mercê dos religiosos, que tinham poder sobre os serviços de saúde e de educação e que contavam com o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Na década de 70, quando iniciou a construção da Perimetral Norte (BR-210), em Roraima, foram criadas pistas de pouso para aviões militares na região. Então, os indígenas foram colocados para trabalhar nas grandes empresas contratadas pelo governo. Na década seguinte, em 1980, foi descoberto ouro no território indígena, e começaram as invasões garimpeiras, com apoio da Funai e do Exército.

Terminada a ditadura militar e a conclusão dos trabalhos da Constituinte, e com a aprovação da Constituição de 1988, começou uma nova fase para os indígenas. A partir de então, eles tiveram assegurados, pela lei, seus direitos ao território demarcado e o respeito às diferenças culturais de seus povos. Foi a partir de então, que os movimentos indígenas começaram a se organizar na luta pelos seus direitos, independentemente da influência dos brancos que atuavam em seus territórios.

Na década de 1990, os Baniwa começaram a votar e expulsaram empresas mineradoras que exploravam minério em seu território. Nessa época, havia muitos conflitos, devido à presença de garimpeiros que aliciavam indígenas para tirarem as riquezas da terra, prejudicando a natureza e a convivência entre os indígenas, que discordavam daquele tipo de exploração das terras e dos povos.

Em 1987, depois que foi fundada a Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), foi iniciada mobilização para a criação da Organização Indígena do Baixo Içana (OIBI), que aconteceu durante a realização de uma assembleia em 1992. Com essas novas organizações do movimento indígena, começaram as lutas pelos direitos de educação indígena laica, e pela formação de professores indígenas para atuarem nas próprias comunidades. Também foi iniciada a luta pela implantação dos serviços de saúde indígena, com agentes indígenas capacitados. Ainda foram instaladas radiofonias para favorecer a comunicação entre as comunidades e conquistados meios de transporte pelo rio. A vitória da demarcação das terras ocorreu em 1997 e 1998 e nessa fase os indígenas também começam a participar dos movimentos políticos dos brancos, candidatando-se e elegendo-se para cargos na prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.

O livro de André Baniwa conta como ocorreu a união dos povos Baniwa e Koripako, e como eles passaram a se organizar sem interferência dos brancos nem dos missionários. Relata como foram estabelecidas parcerias com outros grupos para o desenvolvimento sustentável, com o Instituto Socioambiental - ISA, Fiocruz, Natura, Tok&Stok e outras.

O livro ainda aborda como foi feita a unificação da grafia para o ensino da língua para nova geração, e como foi criado um sistema de produção e comércio de artesanato de cestaria pelos homens e, posteriormente, de pimenta pelas mulheres.

A história da OIBI, criada em 1992, é contata no livro com muitos detalhes, com um capítulo que fala sobre os líderes eleitos, e os desafios que enfrentaram. Nesse contexto, a primeira administração da organização teve que enfrentar a resistência de grupos que detinham o poder nas comunidades, e os militares chegaram, inclusive, a prendê-los quando estavam reunidos com a comunidade.

O que mais impressiona no livro é o nível de detalhamento e de organização das ações, que possibilita visualizar como os membros da OIBI foram conquistando os espaços entre os indígenas e também na sociedade como um todo.

O escritor André Baniwa (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
André Baniwa, que hoje ocupa a vice-presidência da OIBI, mostra os desafios de viver a democracia entre os indígenas, tomando decisões em assembleias com a comunidade, que define as ações para serem executadas pela direção da organização.

O livro relata como ficou conhecida a Arte Baniwa no Brasil e no exterior, e como o modelo de produção e de negócio se tornou referência entre o meio indígena, sendo premiado (,) pelo aspecto da sustentabilidade. Relata como foi assegurada a qualidade dos produtos e os desafios iniciais do processo de comercialização fora da região.

O mesmo aconteceu com a Pimenta Baniwa, um produto desenvolvido pelas mulheres, que ficou reconhecido na gastronomia nacional. No livro, André relata também como foram construídas as farmácias vivas, com mudas de plantas medicinais, um projeto que também foi premiado. Além disso, mostra como os indígenas desenvolveram sistemas sustentáveis de sobrevivência, mantendo viva a floresta e o bem viver entre os povos que nela habitam.

Um dos aspectos mais emocionantes do livro diz respeito à formação educacional dos indígenas, com a criação da primeira escola e a diplomação dos alunos. Essa foi uma das grandes conquistas do movimento da OIBI, que assegurou uma educação laica que respeita as tradições dos indígenas, assim como a língua falada pelos povos Baniwa e Koripako. O fortalecimento da educação proporcionou condições para que indígenas formados pudessem, posteriormente, ingressar na universidade, e hoje eles estão fortalecendo o movimento indígena na região.

Quando vemos um produto de cestaria ou uma embalagem da pimenta Baniwa, ou outro produto dos indígenas Baniwa e Koripako, não temos ideia do valor histórico que está contido na ação que gerou cada um desses produtos. Em cada objeto está o resultado de uma resistência que tem quase 330 anos de luta pela autodeterminação da vida e da cultura desses povos. Cada peça conta, silenciosamente, a história de enfrentamento histórico, que é contado no livro de André Baniwa, a partir do histórico da OIBI.

O livro merece ser lido por todos aqueles que se interessam pela área de administração e organização social, além da educação e saúde, assim como os que se interessam pela cultura indígena da Amazônia e do Brasil. Trata-se de um grande presente para os estudos sobre os povos indígenas e de como os Baniwa e Koripako estão vencendo os preconceitos, a discriminação e mostrando seu valor, depois de viverem por tantos anos subjulgados pelos brancos.

O relato de André Baniwa serve de modelo para as novas lideranças indígenas, porque apresenta lições de organização e de autodeterminação dos povos indígenas. Mostra como esse é um desafio constante, que, ao mesmo tempo, torna possível manter as pessoas unidas, decidindo pelo bem comum de toda a comunidade. O livro é uma lição de esperança para o movimento indígena, pois demonstra como é importante a organização dos povos para conquistarem sua autonomia e respeito na sociedade.

Elvira Eliza França é mestre em Educação pela UNICAMP, pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUC (RS), especialista em Programação Neurolinguística pelo NLP Comprehensive dos EUA e graduada em Comunicação Social pela Universidade de Mogi das Cruzes (SP). É autora dos livros: "Crenças que promovem a saúde: mapas da intuição e da linguagem de curas não-convencionais em Manaus, Amazonas" editado pela Valer e Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas (2002); "Corporeidade, linguagem e consciência: escrita para a transformação interior" (1995), "Dimensões interiores da escrita: a voz da criança interior" (1993), "Do silêncio à palavra: uma proposta para o ensino da filosofia da educação" (1988) e "Filosofia da educação: posse da palavra" (1984), publicados pela Editora Unijuí (RS).

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