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Linha de transmissão chega a Macapá, mas sem energia

Valor Econômico, Empresas, p. B1
17 de Abr de 2014

Linha de transmissão chega a Macapá, mas sem energia

Por Murillo Camarotto
De Almeirim (PA)

Uma chuva fina foi suficiente para derrubar, na terça-feira, o sinal de televisão e da telefonia celular em Almeirim, cidade de 33 mil habitantes às margens do Rio Amazonas, na divisa do Pará e Amapá. "Internet a gente agradece a Deus quando aparece", diz a comerciante Socorro Peleja, antes de citar as panes diárias na energia elétrica do município, que ocupa uma área quase 50 vezes maior que a cidade de São Paulo.
Apesar do território descomunal, Almeirim é modesta. Para se chegar de carro ao centro da cidade é preciso vencer antes centenas de quilômetros de ingrata estrada de terra. Com mais 40 minutos de lancha, rio acima, avista-se duas gigantescas torres de transmissão de energia, erguidas em meio à floresta como parte do projeto que visa conectar áreas importantes da região Norte do país ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Cada uma das torres mede impressionantes 305 metros, só 19 a menos que a famosa Torre Eiffel, de Paris. A altura é justificada pelos 2,1 km de distância entre as duas torres, um gigantesco vão livre tomado pelas águas turvas do Amazonas. Para que os cabos conectados ao topo das duas torres não comprometam a travessia das embarcações que por ali passam, foi indispensável içá-los a tal altitude.
Pela proeminência, as torres são consideradas o cartão postal da linha de transmissão que liga a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, às cidades de Manaus e Macapá, num percurso de 1.750 km. O Linhão de Tucuruí, como é mais conhecido o empreendimento, foi desenvolvido para conectar ao SIN as cidades de Manaus e Macapá. A conexão possibilita o abastecimento das duas capitais com energia gerada em qualquer parte do país, reduzindo a necessidade de utilização das custosas termelétricas.
O grupo espanhol Isolux arrematou em 2008 o direito de construir dois dos três lotes do linhão, ligando Tucuruí às cidades de Macapá e Oriximiná (PA), num percurso total de 1,2 mil km. Concluído no ano passado, o trecho entre Oriximiná e Manaus ficou a cargo da também espanhola Abengoa, em um consórcio do qual fez parte a Eletrobrás.
Visitado pelo Valor na semana passada, o trecho da Isolux custou R$ 3 bilhões e foi entregue em dezembro último, mais de cinco anos após a empresa obter o direito de construir a linha. As obras só começaram em 2011, basicamente pela demora na obtenção das licenças ambientais. O pico dos trabalhos foi atingido em outubro de 2012, quando cerca de 4 mil homens trabalharam na complexa construção.
Com exceção das duas gigantes chinesas - importadas do país asiático por questões de custos -, as mais de 2,3 mil torres instaladas pela Isolux são nacionais. Todas viajaram de caminhão de Minas Gerais até Belém, onde as estruturas de aço eram acondicionadas em barcaças. Foram necessárias, em média, duas carretas para cada torre. "Imagine a quantidade de fretes", sugere o engenheiro Paulo César Faria, responsável pelos lotes da Isolux.
Quase sempre cercadas por densa floresta, as torres foram erguidas em todos os tipos de terreno. Uma das duas gigantes, por exemplo, está fixada em uma laje de concreto construída no leito do Rio Amazonas. Dali, no sentido Tucuruí, seguem quase 100 quilômetros de torres instaladas sobre a água. Outras milhares estão em morros, vales ou áreas alagadas.
"Por conta da baixa profundidade, nesses alagados não passam carro, caminhão nem barco. As peças tiveram que ser movimentadas em canoas", explica o engenheiro. "Em muitas ocasiões, a construção desse linhão só pôde ser feita em sistema de trabalho formiguinha, meio ao estilo das pirâmides do Egito", relata "PC", como ele é conhecido.
Os dois lotes da Isolux demandaram 28 mil km de cabos e um volume de concreto que, nas palavras de PC, poderia cercar a Argentina com um muro de três metros de altura e 30 cm de espessura. Foram mobilizados, simultaneamente, quase 400 máquinas pesadas e centenas de carretas e balsas. "Usamos balsa para tudo, até pra área de lazer", relembra o engenheiro.
Segundo ele, concluir tudo em pouco mais de dois anos foi um feito. E observa: "Não houve nenhuma greve". Dois trabalhadores morreram em serviço, ambos após quedas durante a instalação de torres. O Ibama, que concedeu a última licença de operação do linhão em janeiro, autorizou a retirada de cerca de 1,3 mil hectares de mata para a instalação dos dois lotes da Isolux.
Apesar de ser capital estadual, Macapá não vive situação muito diferente de Almeirim quando o assunto é infraestrutura. O comerciante Reginaldo Borges da Fonseca, que tem negócios na cidade, disse que a eletricidade cai praticamente todas as noites. Questionado sobre a qualidade dos serviços de internet e telefonia, Borges sintetiza: "péssimo".
A conclusão do linhão deveria ter marcado uma melhora substancial na segurança energética da cidade, que é abastecida por um sistema isolado de termelétricas movidas a óleo. No entanto, a infraestrutura que serviria para distribuir a energia do linhão para as residências e empresas de Macapá não foi construída pela Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA).
A empresa promete para os próximos meses a entrega da obra, orçada em R$ 42 milhões e crucial para que a população de Macapá possa ser, finalmente, beneficiada pelo Linhão de Tucuruí. "Se todos os equipamentos forem entregues no prazo, nossa previsão é que tudo seja concluído até o fim de julho", disse o diretor de planejamento da CEA, José Eliaz Rosa.
A ligação de Manaus ao SIN já foi feita, mas ainda em caráter experimental. A Eletrobrás estima para maio a conclusão das obras que vão permitir que pelo menos 50% da energia consumida na capital do Amazonas e em algumas cidades vizinhas seja suprida pelo sistema interligado.
Além dos cabos de energia, o linhão carrega 2,4 mil km de fibra óptica, investimento da operadora TIM. Segundo a empresa, a rede vai aumentar em até 100 vezes a capacidade de transmissão de dados e voz em 27 municípios da região Norte, que concentram uma população 7,5 milhões de pessoas.
A expectativa é que a melhora na infraestrutura ajude a desenvolver a economia do Amapá, onde quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) é oriundo da administração pública e a produção industrial é absolutamente irrelevante. O dado atesta a realidade de diversas regiões da região Norte, que precisam ser conectadas não apenas ao SIN, mas, especialmente, ao século 21.
O repórter viajou a convite da Isolux

Fim da obra derruba economia da cidade

Por Murillo Camarotto
De Almeirim (PA)

Vocalista da banda Calypso, a cantora Joelma Mendes é a filha mais ilustre de Almeirim, município paraense que concentrou boa parte da logística de construção do Linhão de Tucuruí. Durante a obra, a cidade recebeu mensalmente uma injeção extra de cerca de R$ 8 milhões em sua economia, dinheiro que desapareceu com a conclusão do empreendimento, deixando muita gente preocupada.

Uma delas é a comerciante Socorro Peleja, dona do restaurante Calypso, que funciona em um imóvel da cantora. O estabelecimento, de padrão superior à média do município, foi aberto para atender especialmente aos engenheiros que trabalharam na construção do linhão. Concluída a obra, o faturamento de Socorro caiu quase 70%.

O mesmo aconteceu com o barqueiro Eurico Lima Cavalcanti, que fazia o transporte de engenheiros e executivos da Isolux em seu táxi flutuante. Sua receita mensal caiu pela metade com a desmobilização. "O pessoal achava que o movimento ia continuar, que o progresso finalmente tinha chegado, e investiu. Agora é esperar para ver no que vai dar", ele lamenta.

Aldelino dos Santos Nascimento era motorista de caminhão-caçamba na obra do linhão e recebia mais de R$ 2 mil mensais entre salários e bonificações. Na terça-feira, estava fazendo bicos em um mercadinho da cidade. "Eu, sinceramente, não sei o que vou fazer. Por enquanto, estou esperando para ver o que acontece", disse.

Joelma sempre foi um ídolo em Almeirim. Em 2008, investiu em uma confecção, mas o negócio não deu certo e a fábrica é hoje um elefante branco. Tempos depois, Joelma culpou o povo de Almeirim pelo fracasso, ao insinuar que as pessoas "estavam atrás só de emprego, mas não queriam trabalho". De ídolo, passou a persona non grata. Agora, ela quer vender o imóvel do restaurante Calypso.

Valor Econômico, 17-21/04/2014, Empresas, p. B1

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