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Língua tem pouca chance de ser falada novamente

Diário de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: RODRIGO VARGAS
22 de Abr de 2003

Doutora em lingüística que estudou os Umutina vê idioma na iminência da extinção

Crianças do Posto Indígena Umutina ao lado de Julá Paré: índio é símbolo da resistência

Ainda que na condição de segundo idioma, é pouco provável que a população do Posto Indígena Umutina volte a utilizar de forma cotidiana a língua de seus antepassados. É o que diz a doutora em lingüística Stella Virgínia Telles, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que estudou a etnia entre 1994 e 1996.

Segundo ela, a função social da língua, que determina a sobrevida de qualquer código de comunicação humano, foi praticamente perdida após 60 anos da morte da maioria de seus falantes. "É importante, até mesmo como forma de afirmação, que os mais jovens tenham o acesso aos registros dessa língua. Isso não quer dizer que ela vá voltar a ser falada, o que considero impossível".

O trabalho de Stella entre os Umutina resultou na tese "A Língua Umutina: Um sopro de vida", que contém a descrição de certos aspectos da fonologia e da morfologia do idioma, além de um relato do processo de contato que, iniciado em 1911, levou a etnia à beira do extermínio ainda na década de 1940.

"Pode-se dizer que o idioma Umutina vive um estágio muito elevado de ameaça, pois o único falante é um senhor idoso, que sofreu recentemente um derrame. Há outras pessoas que têm a memória de algumas palavras, mas Julá Paré é o único que guarda consigo a estrutura do idioma", avalia a professora. "E mesmo ele não tem a memória de uma língua em uso".

Segundo ela, a língua Umutina vem de uma família muito pequena, da qual faz parte apenas o idioma Bororo. De seu inventário de fonemas, há sons originais, não são produzidos em língua alguma do mundo. "Além disso, se trata de uma morfologia rica e complexa, com uma série de flexões".

Durante sua pesquisa, Stella conta que o trabalho com Julá Paré era cercado por desafios. O maior deles era sua idade avançada (que ela estima, por conta de seus relatos, em 90 anos), com os lapsos de memória conseqüentes.

"Como ficou sem ter com quem exercitar o idioma, Julá Paré foi perdendo com o tempo a memória. Quando comecei a pesquisa, ele já tinha se esquecido de muita coisa. Lembrava dos vocábulos, algumas frases mais simples, mas já vinha perdendo a capacidade de construir períodos complexos".

Um trabalho de coleta de vocabulário, que incluiu grande montante de verbos, advérbios e substantivos, foi a alternativa encontrada pela pesquisadora. "Em frases mais simples, como 'a menina foi ao rio', não havia problema. O difícil eram aquelas relações sintáticas mais elaboradas".

Após ter concluído um doutorado na Holanda, a professora diz ainda este ano pretende voltar a se dedicar aos umutina e ao estudo e a catalogação dos máximo possível. "Para o resgate da língua, seria necessário um trabalho lingüístico, o que é minha intenção fazer. Quero reafirmar meu compromisso com aquele povo".

Para ela, o velho índio remanescente deve ser para sempre lembrado como alguém que, a despeito de todas as adversidades, persistiu. "Ele é realmente um símbolo de resistência pois consegue fazer com que essa língua seja ao menos lembrada".

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