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Liminar de juiz federal repercute positivamente na classe política

Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
06 de Mar de 2004

A decisão de sustar parcialmente os efeitos da Portaria 820/98, que delibera sobre a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, repercutiu positivamente na classe política local. Entre as lideranças ouvidas, a expectativa predominante é de que a matéria seja melhor estudada, por tratar-se de assunto de alta indagação.

Na avaliação do vice-governador Salomão Cruz (PSB), a decisão foi correta e esperada. Ele acredita que nenhum Grupo de Trabalho ou Câmara de Compensação resolverá a questão fundiária de Roraima. Defende que as demarcações de áreas indígenas observem o critério da racionalidade e que, enquanto não for assim, estarão contrariando os princípios legais.

"A forma que está proposta a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol é um absurdo, já que desconhece os direitos adquiridos e até o direito de ir e vir. Não dá para entender como os decretos de demarcação e de homologação excluem da reserva a área urbana de Normandia e incluem a estrada federal que vai para lá, como área indígena. O mesmo aviso ministerial pretende impedir a entrada de pessoas na área indígena sem autorização da Funai. Neste caso, como os moradores de Normandia chegariam às suas casas?", questionou.

O vice-governador disse que a atual decisão judicial corrobora o que ele sempre disse: a questão fundiária de Roraima terá que ser discutida na Justiça. Salomão Cruz tem como certo que o CIR (Conselho Indígena de Roraima), o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a Advocacia Geral da União e o Ministério Público vão entrar contra a decisão do juiz Helder Girão Barreto, e pode ser que consigam derrubar a liminar. Ainda assim, espera que na segunda instância o mérito seja analisado "em favor do país e a favor da legislação brasileira".

"Se assim não acontecer, essa decisão chegará ao Supermo e ele [Supremo], como fiel cumpridor da legislação pátria, vai determinar que os excessos sejam corrigidos. Esta decisão do juiz Helder Girão dá uma nova dimensão à questão indígena brasileira. Isso é positivo e, insisto, não é contra ou a favor de índio ou não índio. Temos uma legislação que nunca foi observada. O próprio Governo Federal sistematicamente a descumpriu, e o juiz está corrigindo a distorção fazendo com que as decisões retornem ao caminho da legalidade. Embora o julgamento não seja terminativo, abre a perspectiva de um novo entendimento".

O deputado federal Chico Rodrigues (PFL) afirmou que a cada dia o juiz Helder Girão demonstra competência, defendendo os interesses nacionais já que, como a maioria da população, compreende que a demarcação e homologação são polêmicas e devem ser esmiuçadas para dar credibilidade à proposta apresentada pelo Governo Federal.

O deputado acrescentou que só após conclusão dos estudos do grupo de trabalho que o juiz constituiu, é que Girão terá condições de decidir com segurança sobre a dimensão da reserva Raposa/Serra do Sol. Primeiro, para beneficiar os índios, e depois para não prejudicar o desenvolvimento do Estado.

"No caso específico da demarcação de terras indígenas em Roraima, eu entendo que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tem sido, repetidamente, contrário aos interesses nacionais. Ele aqui esteve, conheceu e viveu o problema. Pelas pressões externas que tem sofrido, ainda não demonstrou coragem patriótica para definir a questão Raposa/Serra do Sol. O ministro insiste em prejudicar o Estado em benefício de segmentos estrangeiros representados pelas ONGs que todos conhecemos. Isso é ruim para o país porque o ministro da Justiça tem que ser árbitro e neste caso ele está sendo parcial", declarou Chico Rodrigues.

O presidente da Assembléia Legislativa, deputado Mecias de Jesus (PL), disse que embora tenha demorado, a decisão do juiz é acertada. Roraima não pode continuar perdendo extensas áreas de terra, sem que o Governo Federal, e principalmente a justiça brasileira, se indaguem sobre isso. "Demarcar e homologar áreas indígenas sem o sentimento desenvolvimentista da Amazônia, e particularmente de Roraima, poderá nos trazer grandes prejuízos", afirmou.

O coordenador da bancada federal roraimense, deputado Alceste Almeida (PMDB), declarou que a decisão foi justa, comedida e mostra o bom-senso do juiz se contrapondo a intempestividade que o Ministério da Justiça e a Funai vêm reiteradamente encetando contra Roraima.

"É um contraponto que merece elogio porque, realmente, o assunto requer estudos especiais, essenciais para emitir um parecer justo. O conhecimento, através de sobrevôo, impede que se conheça o chão sobre o qual a decisão ocorrerá. A posição do Governo Federal, exposta pelo ministro da Justiça, que não conhece a Amazônia, passa por cima da maioria. Até opiniões valiosas de estudiosos da região, como as dos senadores Gilberto Mestrinho e Jéferson Peres são deixadas de lado".

INDÍGENAS - O índio José Novaes, vice-prefeito do município de Uiramutã, entende que por enquanto a decisão de sustar os efeitos da Portaria 820 acalma os ânimos, especialmente daqueles que querem conturbar o processo de entendimento sobre a homologação da reserva Raposa/Serra do Sol. "A decisão do juiz foi positiva, até pelo conhecimento que ele tem sobre a questão. Mesmo que tenha caráter transitório, representa um avanço na concretização da realidade que envolve a definição desta área", disse.

Durante dez anos (1993/2003) o índio Jonas Marcolino foi tuxaua da Maloca do Contão, uma das mais populosas em todo o Estado. Para ele, a decisão do juiz foi sábia, porque a reserva Raposa/Serra do Sol não pode ser homologada sem estudos detalhados de verdades fáticas que retratem a realidade da região.

"É necessário que se faça um estudo minucioso para que haja compreensão dos verdadeiros fatos sociais predominantes na região. Principalmente do convívio e da interação social de indígenas com os não indígenas. De maneira alguma, podemos pensar em desvincular, dissociar, segregar aquele povo, sejam seus membros contrários ou favoráveis à homologação em área contínua. Por isso, é necessário o estudo. Acredito que o juiz pensou neste fato, deve estudar com muita atenção e com certeza tomar uma decisão que contemple a todos", afirmou.

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