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Limiar de um sistema hidrotérmico

OESP, Economia, p. B2
Autor: PIRES, Adriano; HOLTZ, Abel
30 de Jun de 2010

Limiar de um sistema hidrotérmico

Adriano Pires & Abel Holtz

O planejamento do setor de energia elétrica apresenta dois aspectos que afetam cada vez mais a expansão da geração. O primeiro é a ampliação da geração hidrelétrica na Região Norte. O outro está ligado ao provável aumento da produção de gás natural no Sudeste, principal consumidor de energia elétrica no País. Nos dois casos, a quantidade de energia potencialmente explorável é excepcionalmente grande e necessária ao desenvolvimento do País.

No caso das hidrelétricas, as exigências ambientais na região amazônica impõem uma geração a fio d'água, ou seja, uma motorização dimensionada a produzir uma quantidade maior de energia quando é grande a afluência dos rios. Em contrapartida, por 4 a 5 meses no ano, quando a afluência é reduzida, só uma pequena parte das casas de força das usinas é utilizada. Em consequência, a relação de aproveitamento fica em torno de 0,50 da capacidade instalada.

Cabe lembrar que a energia dessas hidrelétricas, para acessar o mercado consumidor do Sudeste/Centro-Oeste ou do Nordeste, demandará a construção de longas linhas de transmissão - cerca de 2.500 km cada - rasgando áreas de proteção ambiental e indígenas, além de elevadas perdas elétricas inerentes à transmissão em longa distância, bem como exigirá considerável reforço no sistema receptor. No caso do gás natural, é o preço que tem impedido um maior consumo pela indústria e nas termoelétricas para produzir energia e, com isso, complementar a geração hidrelétrica. Contrassenso, sem poder ser utilizado, o gás é queimado.

A complementaridade das duas fontes de geração é evidente e poderia ser operada de forma harmônica, de sorte a ampliar a energia assegurada das hidrelétricas a fio d"água da Região Norte, para manter a relação de 0,50 equalizada com as outras hidrelétricas que tenham reservatórios, pela geração térmica a gás natural. Essa concepção exigiria reconhecer a operação integrada das duas usinas, mesmo que a da termoelétrica seja ainda dada pela ordem de mérito econômico. Comercialmente, a geração térmica seria remunerada pelo mesmo valor da energia gerada pela hidrelétrica no montante de energia necessária a cumprir o contrato desta última.

Em contrapartida, haveria uma melhor estrutura econômico-financeira para viabilizar o conjunto de geração, permitindo atingir a modicidade tarifária, pois o produto hidrotérmico teria condições competitivas mais vantajosas, pelo aumento da energia assegurada, bem como ofereceria ao Sistema Interligado Nacional (SIN) maior confiabilidade de suprimento, incluindo o Mercado Livre de Energia.

Este desenho, se adotado, possibilitaria comercializar o produto hidrotérmico tanto no ambiente de contratação regulado como no livre, tornando também possível desencadear novos arranjos na autoprodução de energia. Na sequência, poderia ensejar a estruturação de um só mercado de energia, considerando inclusive que os grandes tramos de transmissão a ser construídos para atender às hidrelétricas do Norte já estarão operando, e, portanto, a atual subdivisão de mercados perderia sentido, já que não mais haveria constrangimento de acesso aos centros de carga do Sudeste/Centro-Oeste ou do Nordeste.

Em resumo, para tornar o produto hidrotérmico do Norte uma opção atraente aos empreendedores, é preciso promover duas alterações nas regras setoriais atuais: determinação conjunta da garantia física desse produto, em que a energia produzida pela termoelétrica no Sudeste "firmaria" a energia adicional da hidrelétrica ao mesmo preço; e junção dos submercados ou, como alternativa, concessão do alívio de exposição à diferença de preços entre submercados para o produto hidrotérmico.
Em outras palavras, há que se regulamentar e operacionalizar o cálculo conjunto da garantia física para os empreendimentos hidrelétricos no Norte e os termoelétricos no Sudeste, fato que hoje não seria permitido pelas regras vigentes. O País ganharia confiabilidade de suprimento e modicidade tarifária.

São diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e engenheiro, consultor de energia e negócios, diretor da Abel Holtz & Associados.

OESP, 30/06/2010, Economia, p. B2

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100630/not_imp573968,0.php

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