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As lições do Piauí

CB, Economia, p. 17
Autor: MACHADO, Antônio
25 de Mar de 2004

As lições do Piauí

Por Antônio Machado
cidadebiz@correioweb.com.br

Um dos maiores assentamentos rurais já feitos no país e que traz no nascedouro a marca de bem sucedido, se tudo correr a contento, começa a surgir nesta quinta-feira no paupérrimo Piauí pelas mãos, ora, quem diria, de um banqueiro. Daniel Birmann, do grupo Arbi, um gaúcho radicado no Rio, é quem está à frente deste ousado ou visionário projeto, que mistura, de forma inédita, inclusão social com matriz energética aliada à natureza.

A iniciativa é um projeto conjunto entre o governo de Wellington Dias, do PT, e a Brasil Ecodiesel, empresa de Birmann. O estado cedeu 40.000 hectares de terra e a Ecodiesel comprou outro tanto equivalente numa região de cultivo difícil e apontada pelo IBGE como a mais pobre do país, no município de Canto do Buriti, vizinha de Guariba, onde o governo Lula lançou o Fome Zero, a 500 quilômetros de Teresina. No local havia um projeto fracassado de frutas, o Cajunorte, que fora invadido por 400 famílias do MST, segundo o governador, e que, com o tempo, dada as dificuldades da região, estavam reduzidas a 60.

Foi sob este panorama, nem um pouco promissor à primeira vista, que Dias e Birmann encontraram a oportunidade de unir o social ao lucro, criando um modelo empresarial revolucionário no campo. A operação está sendo lançada com 560 famílias já assentadas em 18.000 hectares plantados com mamona e 3.000 empregos diretos. A primeira fase envolve uma extensão de 40.000 hectares, dividida em quatro áreas de 10.000, cada qual formada por 16 células de 625 hectares, ocupadas por 35 famílias em cada uma delas.

Cada família recebe um lote de 25 hectares, dos quais de 7,5 até 15 hectares serão plantados com sementes de mamona fornecidas pela Ecodiesel, que também pagará o que Dias chama de bolsa de um salário mínimo até que haja a primeira safra, prevista para março de 2005. A partir daí, estima-se um rendimento médio mensal de R$ 700 para cada família, com a compra da produção garantida por contrato. Os assentados também recebem casa de alvenaria, com água, esgoto e energia. Parte do lote, além disso, será ocupado com agricultura de subsistência com sementes também doadas.

As células terão estruturas de apoio, mantidas pelo governo do Piauí, com escola, posto de saúde, lojas, centro comunitário e de informática e restaurante. É um sonho perto dos assentamentos do Incra e até mesmo daqueles apresentados como modelo pelo MST, que soube do projeto pelo governador Dias e, segundo ele, o aprovou durante as negociações que envolveram os posseiros na área da antiga Cajunorte. Conforme a legislação da reforma agrária, após dez anos os lotes serão de propriedade dos assentados.

O Brasil tem jeito
A parte social foi bem resolvida, sem nenhum subsídio público e perda de capital pelo grupo de Daniel Birmann, já que até a bolsa paga a cada agricultor, antes do início da produção, representa um adiantamento de safra. Faltava esquematizar a parte econômica. Ela vem por meio da compra firme da safra para transformação em óleo de mamona, com valor equivalente ao diesel derivado do petróleo, em usina construída pela Ecodiesel em Campo do Buriti.

Essa produção será escoada para abastecer a frota de veículos do governo do Piauí, ônibus urbanos e o metrô de Teresina, em fase final de implantação. A capacidade inicial é de 20 milhões de litros de biodiesel por ano. A produção poderá ainda abastecer as três termoelétricas mantidas pelo grupo Birmann no Piauí, cuja operação será ativada graças à inclusão do estado como piloto do programa federal Luz para Todos. Dois terços da população rural do Piauí não têm energia. O mercado externo, para o qual estima-se uma demanda de biodiesel equivalente a 60.000 hectares plantados com mamona, também será contemplado com o andamento do negócio.

Quando estiver operando a plena carga, a Ecodiesel mobilizará 11.000 famílias em 200.000 hectares de terras no semi-árido do Piauí. Já estão em negociação projetos semelhantes, com o mesmo modelo de inclusão social, no Ceará e no Rio Grande do Sul.

Estão aí as provas contra os pessimistas: o Brasil tem jeito e assuntos melhores que a discussão sobre a Selic e as botinadas de políticos obtusos. No Piauí, a visão moderna de um governador do PT descobriu, sem marketing nem oba-oba, uma maneira rentável de conciliar o social com o mercado e já colhe os frutos de seu trabalho. Os números ainda não estão fechados, mas Wellington Dias estima que o PIB do Piauí cresceu em torno de 5% no ano passado, enquanto a produção nacional recuou 0,2%.

O exemplo dos estados
Minas, do governador Aécio Neves, que acaba de lançar um programa inovador de revigoramento empresarial, o Minas Ativa, e o Espírito Santo, onde Paulo Hartung, do PPS, pegou um estado com três folhas do funcionalismo atrasadas e as pôs em dia, são outros exemplos de gestão estadual bem sucedida. Histórias de um país ativo, maior que a crise que acomete o governo Lula e lhe turva as iniciativas.

Empresários com disposição para investir existem, se existirem condições adequadas e bons projetos, como demonstram os estados onde, como se diz, preferiu-se acender uma vela a praguejar contra a escuridão. Brasília tem onde se inspirar. Essas experiências de sucesso estão a poucas horas de vôo, custam pouco, agradam a todo mundo e ainda são capazes de encher os olhos da banca e do FMI.

CB, 25/03/2004, Economia, p. 17

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