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Licença para transposição sai nesta semana

FSP, Brasil, p. A8
04 de Out de 2005

Licença para transposição sai nesta semana
Autorização do Ibama é única pendência para início das obras no São Francisco, que terão apoio do Exército

Marta Salomon

Apesar da manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de abrir diálogo sobre o projeto de transposição do rio São Francisco em troca do fim da greve de fome do bispo de Barra (BA), frei Luiz Flávio Cappio, o Ministério da Integração Nacional prepara-se para iniciar a obra nos próximos dias, apoiado pelo Exército.
Segundo o ministério, responsável diretamente pela obra, a única pendência para o início da construção de 700 quilômetros de canais de concreto na caatinga é a concessão de licença pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O Ibama informou que a licença de instalação, que autoriza o início das obras, deve ser concedida nesta semana.
O ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) não quis se manifestar sobre a greve de fome do frei Luiz Flávio Cappio, que completou ontem nove dias de jejum em defesa do arquivamento do projeto de transposição.
Segundo a assessoria do ministro, uma eventual negociação com o bispo é assunto do Palácio do Planalto. Por ora, a área técnica do governo não recebeu nenhuma orientação do presidente Lula para paralisar o projeto.
A obra
A um custo total estimado em R$ 4,5 bilhões, a transposição do rio São Francisco é a maior obra do governo. Mas dificilmente será cumprida a meta de concluir cerca de 30% do projeto até o fim de 2006. A obra completa prevê a construção de 700 quilômetros de canais de concreto em dois grandes eixos -Norte e Leste. Eles levarão uma parcela das águas do rio a quatro Estados atingidos pelas secas: Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.
A obra foi dividida em 14 lotes, a serem disputados por empreiteiras. A licitação está em curso. Mudanças no edital recomendadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) resultaram em outro atraso, e o prazo de entrega das propostas foi adiado em mais de um mês, até 26 de outubro.
Para contornar os sucessivos atrasos e os cortes de verbas, o Ministério da Integração Nacional acertou com o Exército a construção dos dois primeiros lotes da obra. Os demais seriam tocados pela iniciativa privada a um custo de cerca de R$ 300 milhões.
Em nota, o Comando do Exército disse ontem pretender concluir os dois primeiros trechos por R$ 92 milhões até o final de 2006.
Antes mesmo das obras, o ministério já contratou a compra de nove conjuntos de bombas, que elevarão as águas do São Francisco a uma altura de até 300 metros.

Bispo em jejum responsabiliza Lula; Planalto se declara aberto ao diálogo
Fabio Guibu
O bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, 59, em greve de fome há nove dias, responsabilizou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo que acontecer com a sua saúde. "Eu peço ao divino Espírito Santo que o ilumine para que ele [Lula] não carregue pelo resto da vida, na consciência, esse peso", disse. "Eu não quero morrer, mas entrego a minha vida, se for preciso."
A secretaria de imprensa da Presidência informou ontem que, nos últimos dias, o governo federal "tomou iniciativas" para manter um diálogo com o bispo de Barra (BA), frei Luiz Flávio Cappio. "Desde que teve conhecimento da greve de fome, na segunda-feira [da semana passada], a Presidência tomou iniciativas para estabelecer um diálogo com o bispo Luiz Flávio Cappio", informou em nota.
"Na quarta-feira, o ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral) e o chefe-de-gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, estiveram na CNBB para conversar sobre o assunto por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em seguida, o presidente enviou um emissário pessoal a Cabrobó (PE) para entregar, no sábado, uma carta ao bispo em que este aceite reabrir o debate sobre a interligação das bacias. A Presidência continua aberta a dialogar sobre esse tema e, para isso, espera o apoio da Igreja Católica".
Cappio não se alimenta desde o dia 26 de setembro, em protesto contra o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Desde então, ele só ingere água retirada do próprio rio.
O bispo, que está em uma capela na zona rural de Cabrobó (PE), onde será captada a água do projeto de transposição, registrou em cartório sua intenção de morrer "pela vida do rio". Ele diz que só encerrará o jejum se Lula revogar o projeto.
Cappio defende que o governo priorize a revitalização do rio e invista em projetos de cisternas, açudes e aproveitamento da água da chuva e do subsolo.
Um emissário do governo entregou no sábado uma carta de Lula ao religioso, na qual o presidente afirma estar aberto ao diálogo, mas não fala em revogar o projeto. "A carta é muito amiga, solidária, mas não muda nada", respondeu Cappio.
Cappio classifica a obra de "insana" e "mentirosa" e diz que o governo "passou um rolo compressor" sobre "pessoas e instituições de gabarito" que poderiam opinar sobre o projeto. Ex-militante de campanhas do PT, o bispo afirma que não participará mais de eventos políticos-eleitorais, mas diz que ainda acredita "na pessoa de Lula".
A capela onde bispo cumpre sua promessa transformou-se em ponto de romaria. Cappio aparenta boa saúde, apesar de os amigos afirmarem que ele "emagreceu muito". Ele foi submetido a um exame clínico, no domingo, que não constatou problemas.
Hoje, data de seu aniversário (e, coincidentemente, dia de São Francisco e do rio São Francisco), estão sendo esperadas cerca de 2.500 pessoas de Sergipe e da Bahia. O bispo vai rezar uma missa no local.

SAIBA MAIS
Religioso poderá suportar mais três semanas sem comer
Caso o bispo de Barra (BA), frei Luiz Flávio Cappio, siga a promessa de continuar com a greve de fome, não deverá suportar mais três semanas sem se alimentar. Depois desse período, deve perder os sentidos e ser levado a um hospital.
Essa é a avaliação do médico Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Segundo ele, o período é variável, pois depende da reserva calórica. Mas como o religioso tem se hidratado com água, 30 dias é tido como um limite -Cappio já está há oito em jejum.
Segundo Lopes, apesar de o bispo ter registrado em cartório a disposição de manter a greve de fome até a morte, seu desejo não será atendido se ele for hospitalizado.
"Ele não tem o direito de acabar com sua vida: está no Código Civil. Chegando [ao atendimento médico], ele pode ser submetido a uma nutrição por sonda ou pela veia", disse.
Por cautela, ele aconselha o médico a requisitar ao juiz da comarca responsável a autorização para o procedimento.
Para o médico, as complicações de uma greve de fome para o organismo são as mesmas da de um diabético.
"Primeiro, ele começa a perder as reservas de glicose. Como fonte energética, usa o glicogênio hepático [do fígado] e o muscular."
Depois, afirmou, utiliza o tecido muscular, o que pode comprometer a respiração. O corpo passa a consumir a musculatura do coração, prejudicando o funcionamento do órgão. O cérebro também já não atua da mesma forma e o nível de consciência fica baixo.
Por último, há a necessidade de recorrer ao tecido adiposo. O resultado é uma forte náusea, seguida de vômitos.
Para a nutricionista Daniela Silveira, da Unifesp, "50% do peso que ele está perdendo é de líquido e isso pode causar sérios problemas de hipotensão".
"No caso dele, o estoque de vitaminas que acabará utilizando deixará o organismo bem deficiente. Assim, fica suscetível a pegar mais infecções e doenças." (THIAGO REIS)

Greve ameaça encontro entre Lula e Bento 16
Kennedy Alencar
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta dificuldade para marcar audiência com o papa Bento 16 na sua viagem a Roma entre os dias 15 e 17 deste mês. Há dois obstáculos, segundo disse à Folha um membro da cúpula do governo: a agenda do papa está "complicada" para o dia 17 (segunda-feira) e a greve de fome do bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio, já provoca reações negativas no Vaticano.
A greve de Cappio é vista com preocupação na cúpula da Igreja Católica. E o governo brasileiro teme o desgaste internacional do protesto do bispo contra a obra de transposição de parte das águas do rio São Francisco. Cappio, que completou oito dias de greve de fome, recusou no sábado convite de Lula para ir a Brasília para uma audiência. Isso levou o governo a avaliar que será difícil convencê-lo a encerrar a greve.
Ainda não foi divulgada a agenda oficial da viagem do presidente à Itália. Informalmente, sabe-se que ele terá encontro com o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, e participará de um evento da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), sediada em Roma.
O governo tentou marcar uma audiência com o papa para o dia 16, domingo. No entanto, o papa não costuma conceder audiências aos domingos, quando dá a tradicional bênção aos fiéis na praça de São Pedro. O mais provável é que, se for concedida, a audiência aconteça na segunda, 17.
O governo brasileiro trabalha para que a greve de fome do bispo Cappio venha a ser interrompida antes da viagem de Lula à Itália. Isso ajudaria o Itamaraty a marcar a audiência com Bento 16. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) tomou partido de Cappio e pediu ao presidente que reconsidere a decisão de levar a cabo o projeto.
Há desconforto do Vaticano em receber um presidente de um país onde um bispo faz greve de fome, segundo relato de negociadores do Ministério das Relações Exteriores. Inevitavelmente, seria o tema da audiência e no noticiário italiano sobre a visita, o que poderia, na visão do governo, tornar desgastante a ida de Lula a Roma.

Para CPT, Lula será culpado por futuro do bispo
A caminho de Cabrobó (PE), onde chega na manhã de hoje, o presidente nacional da CPT (Comissão Pastoral da Terra), dom Tomás Balduíno, afirmou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será responsabilizado pelo o que ocorrer com o frei Luiz Flávio Cappio, 58, bispo de Barra (BA) que há nove dias está em greve de fome contra a transposição das águas do São Francisco.
"O presidente será responsabilizado pelo o que acontecer com ele [Cappio]. Só ele. Isso porque ele [Lula] foi avisado em tempo. Há um divisor de águas, com os pobres de um lado e as empreiteiras, do outro", disse o presidente da CPT, que se encontra com Cappio no sertão pernambucano hoje, aniversário do religioso, do rio São Francisco e dia do santo.
Para dom Tomás, o presidente pode usar a revogação do projeto como uma forma simbólica de se colocar ao lado dos pobres.
"É a oportunidade para o presidente fazer um grande gesto simbólico com os sem-voz e os sem-vez", afirma dom Tomás. (EDUARDO SCOLESE)

FSP, 04/10/2005, Brasil, p. A8

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