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Lei trata como criança

Correio Braziliense-Brasília-DF
02 de Set de 2001

No Brasil há 350 mil indígenas de 216 povos que falam 180 línguas

No documento oficial levado à África do Sul, o governo brasileiro se compromete a apressar a votação no Congresso do Estatuto do Índio, projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados desde 1991. Uma promessa difícil de cumprir, pois o Estatuto é objeto de acaloradas polêmicas — além da falta de vontade política do Executivo. O relator do projeto, deputado Luciano Pizzato (PFL/PR), lembra que foi engavetado pelo governo entre 1994 e 2000, quando a discussão foi retomada.
Um dos pontos mais debatidos é a tutela do índio pelo Estado, exercida pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Pelo Estatuto do Índio em vigor, de 1973, o indígena é considerado relativamente incapaz, ou seja, é tratado como uma criança, que não é responsável pelos seus atos, pois quem responde são os pais. O novo Estatuto acabaria com a tutela.
Hoje, não permitimos que os índios sejam iguais a nós, critica Pizzato. Para o deputado, eles têm que ter os mesmos direitos de o resto dos brasileiros, mantendo a sua diferença cultural e tendo o poder de controlar as riquezas naturais das seus terras (11% do território brasileiro). Eles têm uma riqueza fantástica, não podem ficar na pobreza, diz Pizzato. Os críticos ao projeto, no entanto, consideram que o Estatuto abrirá as portas para a exploração sem controle desses recursos e muitos grupos indígenas, sem preparo nas negociações com o homem branco, serão explorados.
Mas a tutela é um instrumento obsoleto para a própria Funai . A prática já superou a tutela, diz Artur Nobre Mendes, diretor em exercício da Funai. Se levada às últimas conseqüências, o índio não poderia nem viajar sem autorização da Funai.
Ser visto como incapaz é uma das maiores discriminações. A partir disso, há todo tipo de preconceito, critica Paulo Pankararu, 31 anos, um dos dez advogados indígenas do Brasil e um dos 5000 pankararus do país. Paulo está em Durban representando o Instituto Socioambiental (ISA). Ele elogia as propostas do documento levado à Durban. O momento é propício para o governo assumir nova política indigenista, diz Paulo, da aldeia Tacaratú (PE).
A própria Constituição de 88 tornou inadequado o Estatuto. Há trinta anos, o objetivo da lei era integrar os índios à sociedade. Índio não tem que se integrar. Se vai à universidade, não significa que deixará a sua cultura para trás. É como um brasileiro que se forma no exterior, não deixará de ser brasileiro, diz o advogado.
Mas Paulo lembra que 78% dos brasileiros acham que os indígenas são bons por natureza, segundo IBOPE. Paulo se sente discriminado, porém, ao não ser reconhecido como índio. No Nordeste, sofremos preconceito quando nós não correspondemos à característica física que os brasileiros esperam, reclama ele, que carregou a sua cultura a Brasília.

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