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Kopenawa: 'Não quero ser o novo Chico Mendes'

O Globo, Rio, p. 16
04 de Ago de 2014

Kopenawa: 'Não quero ser o novo Chico Mendes'
Líder ianomâmi falou sobre desrespeito aos direitos indígenas e invasões de reservas por fazendeiros e garimpeiros

Guilherme Freitas

PARATY - A tradicional cerimônia de encerramento da Flip, em que autores leem trechos de seus livros de cabeceira, ganhou uma adesão de última hora na tarde deste domingo. O líder ianomâmi Davi Kopenawa, que participou de um debate na sexta-feira com a fotógrafa Claudia Andujar e não estava previsto para a última mesa, pediu à organização da festa para fazer um pronunciamento. Em um discurso depois das leituras, ele denunciou as ameaças de morte que tem sofrido e as invasões de territórios indígenas na Amazônia.
- Tenho uma mensagem para vocês sobre a ameaça ao povo ianomâmi e a mim. Estou muito preocupado. Fazendeiros e garimpeiros têm muito dinheiro para matar índios. Não quero que se repita o que aconteceu com meu amigo Chico Mendes, que foi morto porque defendia a floresta - disse Kopenawa.
Kopenawa criticou a presidente Dilma Rousseff e acusou o senador Romero Jucá Filho (PMDB-RR), ex-presidente da Funai e ex-governador de Roraima nos anos 1980, de incentivar invasões a terras ianomâmi na região. Também criticou a polícia e as autoridades do estado por não responderem às ameaças contra ele e seu povo.
- Nossa terra é demarcada por lei, mas a Constituição continua sendo desrespeitada. Ianomâmi não é bicho, é gente. Sabe falar, lutar, reclamar e se defender - disse Kopenawa, que pediu apoio do público. - Peço que vocês façam manifestações para chamar atenção do governo. Ajudem os povos indígenas brasileiros, lutem com a gente. Sem os índios, o mundo não vai funcionar. A floresta amazônica pertence a todos nós, para que nossos filhos vivam em paz.
Antes da cerimônia de encerramento, Kopenawa se encontrou com lideranças indígenas de Paraty. Realizado em plena Rua do Comércio, o encontro atraiu cerca de cem pessoas, que acabaram participando de um debate improvisado, com direito a perguntas do público para Kopenawa.
Na mesa "Livros de cabeceira", o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro leu um trecho do "Sermão do Espírito Santo", do padre Antonio Vieira. Nele, o religioso fala sobre a dificuldade de converter índios ao Cristianismo, comparando o caso dos povos do Brasil aos de outras regiões. Enquanto estes permaneciam fiéis após vencida a resistência inicial, diz Vieira, os índios no Brasil aceitavam a catequese, mas logo voltavam à sua situação original, indiferentes à fé.
- É por isso que, até hoje, os índios estão a salvo de seus salvadores - disse Viveiros de Castro.
Além do antropólogo, participaram da mesa de encerramento o americano Andrew Solomon (que leu um poema de Elizabeth Bishop), o israelense Etgar Keret ("Matadouro número 5", de Kurt Vonnegut), Fernanda Torres (uma crônica de Millôr Fernandes, autor homenageado da festa, sobre Rubem Braga), a argentina Graciela Mochkofsky ("A condição humana", de Andre Malraux), o suíço Joel Dicker ("Ratos e homens", de John Steinbeck), o mexicano Juan Villoro ("Lolita", de Vladimir Nabokov) e Marcelo Rubens Paiva ("O grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald").

O Globo, 04/08/2014, Rio, p. 16

http://oglobo.globo.com/cultura/flip-2014/no-fim-da-flip-davi-kopenawa-…

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