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Justiça Federal em Roraima confirma caráter indígena das terras do Ajarani

Boletim Yanomami nº 20 – da CCPY
21 de Set de 2001

Sentença proferida em julho deriva de ação movida por fazendeiros que reivindicam terras tradicionais dos Yawaripë
O juiz Helder Girão Barreto, da Justiça Federal de Roraima, julgou "improcedente" o pedido apresentado pelos fazendeiros Walter Miranda e seu filho, Walter Miranda Júnior; por Miguel Schultz e Ermilo Paludo que, em ação demarcatória ajuizada em janeiro de 1991, reivindicam a propriedade de fazendas incidentes sobre a Terra Indígena Yanomami. A sentença está fundamentada no artigo 231 da Constituição federal, que dispõe sobre os direitos originários dos povos indígenas às terras que ocupam tradicionalmente. Por se tratar de decisão em primeira instância, os fazendeiros já apelaram, no início de agosto, ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília.
A área reivindicada pelos fazendeiros está localizada no vale do rio Ajarani, município de Caracaraí (RR), no extremo leste da Terra Indígena Yanomami, área de influência da BR-210, a Perimetral Norte. Na ação apresentada à Justiça Federal em Roraima, os intrusos reclamam direitos de posse e domínio, apresentando títulos definitivos de propriedade expedidos pelo Incra e registrados em cartório. A titulação das terras, no entanto, foi feita sobre uma área tradicional dos Yawaripë, subgrupo yanomami que habita o vale do Ajarani – região também conhecida como "Repartimento"- conforme atestam documentos mencionados pelo juiz Helder Girão Barreto em sua sentença.
Erros do passado
Na apelação encaminhada ao TRF da 1ª Região, os fazendeiros questionam a tradicionalidade indígena das terras que reivindicam, reapresentando os títulos expedidos pelo Incra. Eles argumentam ainda que a própria Funai, na década de 70, havia negado o caráter indígena das terras e afirmam que sua demarcação pelo órgão indigenista oficial resulta de uma tentativa de estender a posse Yanomami sobre tal área.
Na argumentação contrária às alegações presentes na apelação dos fazendeiros, a Funai afirma que não há pretensão sobre área não indígena, mas o reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre as terras do Ajarani. Argumenta ainda que, com base no artigo 25 do Estatuto do Índio (Lei no 6.001/73), eventuais omissões ou erros do órgão indigenista no passado não anulam o reconhecimento do direito dos índios sobre suas terras tradicionais.
Funai cria GT para atualizar o levantamento das benfeitorias na área
Levantamento é etapa fundamental para promover a retirada dos invasores do Ajarani
A presença de fazendeiros e posseiros sobre parte das terras Yanomami no vale do rio Ajarani é resultado das políticas oficiais de colonização protagonizadas pelo Estado brasileiro durante o regime militar, na década de 70. Além da construção da BR-210, que originalmente deveria cortar toda a calha norte do rio Amazonas desde o Amapá, o projeto previa a transferência do excedente populacional de outras regiões do país, especialmente do Nordeste, para núcleos de colonização a serem instalados ao longo da estrada.
O infortúnio dos Yawaripë teve início quando a construção da estrada alcançou o Ajarani, disseminando doenças e mortes, e desestruturando o modo tradicional de vida deste subgrupo Yanomami. Ao longo do primeiro ano das obras da Perimetral, cerca de 22% da população dos Yawaripë sucumbiu às doenças transmitidas pelos operários. Apesar da presença indígena, registrada pelos órgãos governamentais, em 1977 o Incra criou o Distrito Agropecuário de Roraima, assentando na área dos Yawaripë produtores rurais (leia a respeito no Boletim Yanomami no 18). Entretanto, os Yawaripë se mantiveram na região, disputando a posse da terra e dos recursos naturais com os intrusos. Mesmo com a demarcação e a homologação do Ajarani como parte da Terra Indígena Yanomami em 1992, os invasores permaneceram na área, ampliando benfeitorias e reivindicando a propriedade das terras.
Há anos os Yanomami reclamam uma solução para o caso. Nos últimos meses, intensificaram a demanda pela retirada dos invasores junto à autoridades do governo federal. Em agosto último, o presidente da Funai, Glênio Alvarez, assinou uma portaria determinando a criação de um grupo de trabalho para atualizar um levantamento de 1993 sobre as benfeitorias de boa-fé erguidas pelos fazendeiros e posseiros no Ajarani. Segundo Artur Nobre Mendes, diretor de Assuntos Fundiários da Funai, os trabalhos da equipe em campo foram interrompidos logo após seu início por causa de uma greve de servidores. A expectativa, segundo Nobre Mendes, é de que estejam concluídas em até 30 dias depois de reiniciados. A etapa seguinte será promover o pagamento das indenizações aos invasores pelas benfeitorias, o que poderá ser iniciado ainda este ano.

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