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Justiça determia que reserva indígena seja submetida a perícia técnica

Folha de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: Kátia Brasil
07 de Jan de 2004

O juiz federal Helder Girão Barreto determinou a realização de uma perícia
técnica por uma comissão interdisciplinar na reserva indígena Raposa/Serrado Sol, no noroeste de Roraima, fronteira com Venezuela e Guiana.

O laudo da comissão embasará o magistrado a sentenciar a ação popular que
questiona, desde 1999, a demarcação contínua da área.

Se a ação for julgada procedente, abre-se uma brecha para questionar a
homologação da reserva, anunciada pelo ministro Márcio Thomaz Bastos
(Justiça).

A portaria é base do decreto de homologação, que pode ser assinado a
qualquer momento pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Essa
homologação vai ficar condicionada porque ela está sub-júdice. Não sei se o
presidente [Lula] homologaria ou não, a portaria está sendo questionada
judicialmente. Então ela [a portaria] pode ser mantida como está [demarcação
contínua] ou pode ser simplesmente anulada, como pede a ação popular",
afirmou o juiz Helder Girão Barreto, em entrevista à Agência Folha.

A comissão de cinco peritos, que serão remunerados pela União [a reportagem
apurou que seriam gastos R$ 100 mil], é formada por um antropólogo, um
geólogo, um economista, um agrônomo e um especialista em relações
internacionais.

O juiz justifica a perícia, como sendo mais um instrumento para uma decisão
sua sobre o processo de demarcação, que, segundo ele, não é de interesse
exclusivo dos índios.

"Quando chegava um processo aqui eu sempre via que a base para o juiz dar
uma sentença era apenas parecer antropológico. Eu achava muito pouco para um
juiz dar uma sentença porque essa questão da demarcação não é só de
interesse dos índios, interessa a todo mundo que está em volta. Nomeei essa
comissão interdisciplinar para que ela me mostre com mais elementos quais
seriam as consequências da demarcação da forma como está proposta", afirmou
o juiz.

A demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol começou a ser discutida pela
Funai (Fundação Nacional do Índio) em 1977, quando iniciou o processo de
identificação da área, que desde então é palco de acirrada disputa e de
assassinatos. Garimpeiros, fazendeiros e por último plantadores de arroz têm
interesse na região.

A ação popular interposta por advogados de Roraima quer a nulidade da
portaria ou a revisão desta área para descontínua, ou seja, deixando três
cidades na área de 1,57 milhão de hectares. A ação argumenta que a
demarcação inviabiliza a economia do Estado.

Em 2002, em outra ação, o STJ negou liminar pedida pelo governo de Roraima
para impedir a homologação da reserva.

A portaria da demarcação foi assinada em 1998 pelo então ministro da
Justiça, Renan Calheiros, que declarou a reserva posse permanente dos
índios, cerca de 15 mil, das etnias macuxi, uapixana, ingaricó e taurepang.

Durante o processo de demarcação, a Funai emitiu o laudo antropológico sobre
a reserva e ouviu todos as partes interessadas. Desde então, já indenizou
com cerca de R$ 1,5 milhão cerca de 37 fazendeiros.

Hoje, a subprocuradora-geral da República da 6ª Câmara de Coordenação e
Revisão (Comunidades Indígenas e Minorias), Ela Wiecko Kolkmer de Castilho,
disse que via com muita preocupação questionamentos jurídicos sobre a
demarcação da reserva.

"Se eventualmente ele [o juiz Helder Girão Barreto] der a decisão dizendo
que é nula a portaria porque inviabiliza o Estado, naturalmente eles estarão
com tudo na mão questionando a homologação. Isso fragiliza, cria mais um
problema em desfavor dos índios", afirmou Ela.

Jecinaldo Barbosa, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira) afirmou que a decisão do juiz em pedir uma
perícia para ouvir os índios novamente é "um ato de desrespeito aos direitos
tradicionais que foram ratificados nos pareceres da Funai".

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