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Justiça decide entre preservação da natureza e da cultura

Consultor Jurídico
24 de Out de 2005

A preservação da cultura dos povos indígenas deve se sobrepor à preservação
do patrimônio ambiental. Mas, os índios só têm direito a permanecer em área
de preservação ambiental se comprovarem vínculo passado com as terras. Esse
foi o entendimento do juiz Alfredo Silva Leal Júnior, da Justiça Federal no
Rio Grande do Sul ao decidir sobre um conflito a respeito da ocupação do
Parque Natural do Morro do Osso entre os índios Kaingang e o município de
Porto Alegre.

O conflito entre os dois direitos constitucionais foi suscitado em ação do
município de Porto Alegre, que pedia a remoção do grupo indígena Kaingang do
Parque Natural do Morro do Osso. Os índios ocupam o lugar desde o início de
2004. Na Justiça, já tramita uma ação da comunidade pedindo para ter
reconhecido seu direito à posse das terras.

Em caráter liminar, Leal Júnior determinou que, em 30 dias, os índios deixem
o local. À prefeitura, ele ordenou que se responsabilize por alojar a
comunidade em um local apropriado, com rede de água, luz e escola bilíngüe.
Esta foi a segunda vez que a liminar foi analisada. Na primeira, os índios
ficaram proibidos de construir novas edificações no local e foi determinada
a destruição das já construídas. O juiz, então, solicitou o parecer da
Funai - Fundação Nacional do Índio e obteve mais informações sobre a origem
dos Kaingang e da terra.

Fundamentação

A principal questão do juiz era decidir qual direito deveria prevalecer: a
preservação ambiental ou do patrimônio cultural. O artigo 225, da
Constituição Federal, estabelece como direito de todos a garantia de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Já os artigos 215 e 216 da Constituição
estabelecem o direito ao patrimônio cultural nacional, ou seja, à memória
dos grupos que formaram a sociedade brasileira. A opção foi pelo segundo. "O
direito dos índios às terras que tradicionalmente ocupam (estabelecido pelo
artigo 231 da Constituição) tem autonomia constitucional e se sobrepõe aos
demais direitos constitucionais reconhecidos", considerou o juiz Leal
Júnior.

Uma vez decidido isso, restou ao juízo comprovar se as terras em questão
eram tradicionalmente ocupadas pelo grupo indígena.

Pelo parágrafo 1o do artigo 231, "são terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para as
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". Portanto, no
entendimento do juiz, devem estar presentes todas as condições definidas
pela lei para que a terra seja considerada tradicionalmente dos índios, e
não apenas uma.

Para Leal Júnior, tem de haver o vínculo passado da comunidade indígena com
a terra, e não apenas a necessidade presente e futuro. Após a análise de
todos os estudos apresentados pelas partes, o juiz não pode reconhecer o
vínculo passado dos índios com a terra. Os Kaingang afirmam que, no local,
existe um cemitério dos seus antepassados. Para Leal Júnior, no entanto,
isso não ficou comprovado. E, pelo material apresentado, se realmente existe
um cemitério nas terras, não é da comunidade Kaingang, e sim dos índios
guaranis. O vínculo com a terra, segundo ele, tem de ser da comunidade
específica, e não dos índios como um todo.

"Mesmo que a terra seja indígena, sua retomada deve observar o devido
processo legal e não está nenhuma comunidade indígena autorizada a invadir o
que ainda não foi declarado como sendo terra tradicional indígena", entendeu
Leal Júnior.

Além disso, segundo o juiz, a permanência dos índios no lugar pode trazer
riscos ambientais e também à integridade dos índios, agentes públicos
municipais e moradores, que constantemente entram em conflito. A área, que
faz parte do bioma Mata Atlântica, também tem sua preservação garantida pelo
parágrafo 4o do artigo 225 da Constituição federal.

Assim, já que não existem indícios de vínculo passado dos Kaingang com as
terras e considerando os possíveis danos, o juiz Leal Júnior determinou que
a comunidade indígena sai da área em até 30 dias. O município deve fazer o
transporte das pessoas e de seus pertences e instalá-los em local adequado
até a decisão do mérito da questão.

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