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Jornal inglês ataca a pecuária brasileira

FSP, Dinheiro, p. B8
06 de Jan de 2006

Jornal inglês ataca a pecuária brasileira
Artigo de produtor britânico no "Telegraph" alega que criadores usam trabalho escravo e desmatam floresta; embaixada protesta

Fábio Victor
DE LONDRES

Um relatório produzido por um fazendeiro britânico e que será publicado neste ano no Reino Unido afirma que boa parte da carne bovina consumida no país vem de propriedades brasileiras que usam mão-de-obra escrava, acorrentam trabalhadores a árvores e foram desmatadas para dar lugar a pasto.
O influente diário londrino "Daily Telegraph" publicou ontem reportagem (sob o título "Carne barata brasileira importada é "subsidiada por trabalho escravo" ") em que o autor do estudo, o produtor rural David Ismail, descreve as condições que diz ter encontrado em fazendas do "Brasil central", sem especificar que Estados foram visitados.
"Fiquei chocado quando descobri como o crescimento [das exportações] da carne brasileira para a Europa estava causando tantos problemas no Brasil", disse.
O fazendeiro afirmou que, em áreas remotas onde a floresta está sendo derrubada para dar lugar a pasto, verificou relações entre empregados e patrões "similares às piores cenas do apartheid".
Segundo o relatório, nesses lugares trabalhadores analfabetos e sem-teto, em sua maioria do Nordeste, não têm acesso à assistência médica, são acorrentados a árvores ou até baleados. Obrigados a desmatar a floresta, não recebem salário, pois as despesas que têm com alimentação e acomodação, pagas aos empregadores, superam seus ganhos, alegou.
Segundo a reportagem, a viagem de Ismail foi bancada por uma bolsa da fundação Nuffield.
Críticas à carne bovina brasileira têm aparecido com freqüência na mídia britânica, na esteira do aumento nas exportações brasileiras. O Brasil é o maior produtor do mundo e nos últimos anos registrou recordes de crescimento das exportações -interrompido após o surgimento de focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul, em outubro, que provocou o embargo de vários países, Reino Unido incluído, à carne brasileira.
A reincidência da aftosa deu mais munição aos produtores rurais britânicos, que promovem manifestações sistemáticas contra a compra de carne brasileira.
O Reino Unido importa 35% da carne que consome. Em 2004, comprou 35 mil toneladas do produto ao Brasil, seu maior fornecedor fora da União Européia.
Também em outubro, após o surgimento dos novos focos, o ativista Georges Monbiot escreveu um artigo no diário "Guardian" sob o título "O preço da carne barata: doença, desmatamento, escravidão e assassinato", com argumentos semelhantes aos descritos por Ismail.
Na ocasião, o embaixador brasileiro no Reino Unido, José Maurício Bustani, publicou uma resposta no mesmo jornal a Monbiot, afirmando ser enganosa a associação do desmatamento ao aumento da exportação de carne (pois a maior parte da produção está concentrada fora da Amazônia) e que o problema do trabalho escravo é bem menor do que o alardeado e tem sido combatido pelo governo brasileiro.
Deste vez, a reação da Embaixada Brasileira em Londres foi tão ou mais furiosa. Oficialmente, os diplomatas atribuem o conteúdo do relatório publicado pelo "Telegraph" à desinformação. Mas a Folha apurou que a reportagem foi interpretada como uma peça de propaganda dos produtores britânicos, que estariam assustados com o que foi definido por um deles como "as conquistas e a posição forte do Brasil na OMC [para reduzir os subsídios agrícolas dos países ricos]".
Diplomatas também se queixaram que o "Telegraph" distorceu declarações do chefe do setor de promoção comercial da embaixada, Alberto Fonseca. Segundo a reportagem, ele declarou ser impossível garantir que a carne vinda de áreas com floresta derrubada por escravos não estivesse chegando ao Reino Unido, algo que ele afirma não ter dito.

Brasil vê interesse comercial em desqualificar país
Claudia Dianni
O governo brasileiro acredita que a matéria publicada ontem pelo jornal britânico "Daily Telegraph", baseada em um pesquisa que teria sido feita no Brasil, esconde interesses comerciais e a intenção de alguns setores de desqualificar o produto brasileiro, já que o país é o primeiro exportador mundial de carne.
Segundo os ministérios do Trabalho e das Relações Exteriores, os focos de trabalho escravo no Brasil não coincidem com os locais de produção e exportação de carne. As denúncias de trabalho escravo rural se concentram em fazendas no sul do Pará, no sul do Maranhão, no Norte do Tocantins e em algumas regiões de Mato Grosso, enquanto a carne exportada recebe selo de certificação e é proveniente de rebanhos criados em Goiás, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
"O trabalho escravo é um problema no Brasil e no mundo e tem sido combatido no Brasil, mas a grande maioria dos produtores rurais não utiliza mão-de-obra escrava e muito provavelmente o que está por trás disso é uma disputa comercial", disse o secretário-executivo do Ministério do Trabalho, Alencar Ferreira.
Segundo ele, desde 1995 há grupos móveis de combate ao trabalho escravo que libertam trabalhadores em regime de privação da liberdade com agentes da Polícia Federal e do Ministério Publico do Trabalho. Ferreira disse que foram libertados 17.863 trabalhadores, dos quais 11.970 nos últimos três anos. As fazenda são incluídas em lista pública, atualmente com 157, e os donos são processados. Os trabalhadores libertados recebem indenização e são incluídos em programas sociais.
O Itamaraty teme que o aumento das exportações brasileiras, que chegaram a US$ 118,3 bilhões em 2005, e da presença do país em foros internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), fomente uma espécie de campanha sistêmica contra os produtos agrícolas brasileiros, patrocinada por setores externos rivais.
Segundo diplomatas que negociam em foros comerciais, a reforma da PAC (Política Agrícola Comum) da União Européia reduziu o número de rebanhos em vários países. A Irlanda e o Reino Unido, como produtores de gado, deveriam se beneficiar disso, ao fornecer o produto aos vizinhos, mas receberam um duro golpe nos últimos anos por causa da crise da "vaca louca", e o mercado acabou sendo ocupado pela carne brasileira, livre da doença.

Pecuaristas apontam lobby contra o Brasil
Em Mato Grosso do Sul, maior mercado exportador de carne do país, o superintendente de Agricultura Wilson Roberto Gonçalves disse que "atribuir o bom preço da carne brasileira à mão-de-obra escrava e ao desmatamento é lobby dos pecuaristas europeus, tentativa de boicotar" o Brasil.
"Nossa carne é praticamente orgânica, por isso é de boa qualidade e conquistou o mercado externo. Na Europa, se o governo cortar o auxílio, quebra a pecuária."
O diretor-secretário da Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Ademar Júnior, afirma que não existe mão-de-obra escrava na pecuária brasileira. "Aqui o trabalho é mais barato que na Europa e ainda assim o salário rural é maior que o urbano. Um peão ganha em torno de R$ 450", disse Ademar Júnior, que também é criador de gado no Estado.
De acordo com ele , a criação extensiva permite que o pecuarista tenha dois ou três funcionários para tomar conta de mil cabeças de gado.

FSP, 06/01/2006, Dinheiro, p. B8

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