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Joaquim, professor de Hãtxa Kuin

Página 20
Autor: Elson Martins
15 de Jul de 2007

Quando criança no seringal Alagoas, no médio rio Tarauacá, região sudoeste do Acre, Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá (ou Joaquim Maná) era proibido de aprender a própria língua. Seu pai, Reginaldo Kaxinawá, trabalhava como seringueiro, e o patrão Ribamar Moura impedia que ele e outros índios falassem sua "gíria". Para o intolerante seringalista, a língua (de dominação) tinha que ser o português.

Mas o pai Reginaldo se permitia cochichar com a mulher e os filhos em Hãtxa Kuin, a "língua verdadeira" de seu povo. E assim, Joaquim Maná tornou-se poliglota falando português fluente e "cochichando" em Hãtxa Kuin. Hoje, aos 45 anos de idade, é professor bilíngüe em sua aldeia e bem poderia ostentar o título de "doutor" em conhecimento tradicional da floresta amazônica.

Eu o conheci sexta-feira na Comissão Pro-Índio do Acre, em Rio Branco. É um homem tranqüilo, de fala pausada, escritor e pesquisador dedicado. Um sábio da floresta. Sob sua coordenação ou com seu apoio, a CPI-Acre já publicou várias cartilhas que resgatam a história, os mitos, as artes do povo Kaxinawá ou Huni Kuin. Um desses livros, o Shenipabu Miyui que pode ser traduzido como História dos Antigos, foi produzido em parceria com os mestres em tradição em terras Kaxinawá no Brasil e no Peru. E já conta com uma versão editada pela Universidade Federal de Minas Gerais, que o adotou como tema de vestibular.

Um trabalho precioso conduzido por Joaquim Maná tem o título de Nuku Kene Xarabu (nossos desenhos tradicionais), em que ele mergulha fundo na interpretação das artes das mulheres, expressas na tecelagem em algodão, nas palhas e nas tinturas. Maná conversou com suas avós e outras índias das nove aldeias existentes no vale do rio Tarauacá e no Peru, descobrindo que existem 62 nomes para esses desenhos, presentes nas peças artesanais do povo Huni Kuin (Kaxinawá).

Os não-índios apreciam e valorizam as redes, saias, tiaras, adornos em arco e flexa, esculturas em cerâmica e madeira etc. - mas ainda estão longe de "ler" o que está por trás dos traços engenhosos e belos. Os próprios índios jovens entendem pouco da Arte do Kene, sufocada até 30 anos atrás pela dominação seringalista. Por isso Joaquim se empenha no seu resgate. Aliás, Joaquim Maná indaga que graduação poderia ser dada às velhas índias que produzem secularmente a Arte do Kene? E ele mesmo sugere, com razão, a graduação de "doutorado".

Na semana passada, eu escrevi neste espaço que o Governo do Estado poderia estudar a possibilidade de introduzir a língua Hãtxa Kuin na rede pública de ensino fundamental. Ou, pelo menos, criar uma escola piloto em Rio Branco, para ajudar os não-índios a entenderem melhor a floresta. A idéia agradou ao pessoal da Comissão Pró-Índio, e o antropólogo Terri Aquino, um dos fundadores da instituição, chegou a indicar Joaquim Maná para professor com honra e mérito.

O povo indígena Huni Kuin é o mais numeroso do Acre. Sua população é estimada em 4.500 indivíduos. Nos últimos 30 anos, eles garantiram a posse da terra, organizaram escolas bilíngües nas aldeias e agora desenvolvem projetos de manejo como forma de sustentar as riquezas de seu território. Os agentes agro-florestais indígenas, por exemplo, coordenam desde o ano 2002 o repovoamento de tracajás nos rios e igarapés da reserva.

As aldeias cuidam também de manter escolas e postos de saúde funcionando bem. Para isso, com apoio do CPI-Acre e outros parceiros, são produzidas cartilhas e publicações diversas em Hãtxa Kuin, que tratam do conhecimento de forma ampla, abrangendo: música, histórias antigas, plantas medicinais e Arte do Kene.

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