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Jardim Botânico se prepara para tirar ocupantes do parque

O Globo, Rio, p. 32
03 de Jul de 2011

Jardim Botânico se prepara para tirar ocupantes do parque

Laura Antunes

Plano de Ordenamento criado pela direção prevê remoção de casas do arboreto e de áreas de risco
Tão delicadas quanto as orquídeas que florescem em suas alamedas, permanecem as relações entre o Jardim Botânico e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) quanto aos cerca de 600 imóveis construídos irregularmente em áreas do parque. Enquanto o Jardim Botânico reivindica a retomada dos terrenos, a SPU quer a regularização da situação das famílias nos próprios locais, em vez de removê-las. Diante do impasse entre os dois órgãos federais, o imbróglio é alvo no momento de um processo na Câmara de Conciliação da Advocacia Geral do União (AGU), que está como mediadora da questão, até agora insolúvel.
Mas a ofensiva do parque é cada vez maior. A direção acaba de divulgar o Plano de Ordenamento de Ocupação e Integração das Áreas do Jardim Botânico. No documento, o parque estabelece uma espécie de cronograma de retomada das áreas, com prioridade para a desocupação das casas instaladas na área de visitação pública (conhecida como arboreto), às margens do Rio dos Macacos e em encostas.
- Esse documento é uma vitória para a sociedade. Embora o parque reivindicasse a retomada das áreas, até hoje não tinha sido tão enfático oficialmente sobre a questão. Agora o parque verbalizou que quer todas as áreas de volta - comemora o presidente da Associação de Moradores do Jardim Botânico, Alfredo Piragibe, que conheceu o plano de ordenamento em apresentação feita na PUC.
A ocupação irregular no parque, instalado numa área de 144 hectares, começou no século passado, quando a direção permitiu que funcionários construíssem moradias. A partir dos anos 80, o governo federal passou a pedir os imóveis de volta. Os antigos funcionários morreram e as casas são ocupadas hoje por parentes. Muitas já foram repassadas a terceiros, algumas com atividade comercial.
Briga política no impasse entre órgãos federais
O conflito entre o Jardim Botânico e a SPU tomou fôlego em 2010. Mesmo de posse de 210 ações de desocupação, já transitadas em julgado, a SPU adotou a postura de não cumprir as ordens judiciais em favor da própria União.
O impasse entre os dois órgãos federais tem como bastidor uma queda de braço entre dois grupos do PT. De um lado está o deputado federal Édson Santos (PT), cuja irmã, Emília, é a presidente da Associação de Moradores do Horto, criada pelas famílias que ocupam irregularmente os terrenos. O pai dos dois trabalhava na biblioteca do parque e teve direito a casa. A influência de Edson seria grande junto à SPU. Já do outro lado está a grupo que apoia o presidente do parque, Liszt Vieira.
- Eu gostaria de saber se, ao término do mandato, o Edson Santos vai devolver o apartamento funcional ao qual tem direito ou vai repassá-lo para parentes. Espero que não. É o mesmo caso das casas do parque - critica um diretor da Associação de Moradores do bairro.
Dentro da área ocupada irregularmente estão ainda prédios do Serpro, da Embrapa e da Light, cujos terrenos também são pleiteados de volta pelo parque. O Serpro, que adquiriu um prédio na Zona Norte, deve remanejar, futuramente, alguns setores que funcionam no parque para o novo imóvel.
- É evidente que queremos todas as áreas de volta. Algumas, porém, são mais prioritárias. No plano, apresentamos as metas que nos norteiam nas negociações, como a necessidade urgente de expandir o arboreto até o Horto, inclusive, para o plantio de espécies ameaçadas de extinção - diz Liszt, acrescentando que a postura do parque foi sempre a de ter as terras de volta, mas que busca uma solução negociada. - Queremos garantir a preservação desse pedaço da Mata Atlântica.
Ainda este ano, o JB vai inaugurar uma estrada de terra ligando o arboreto até o Solar da Imperatriz, no fim da Rua Pacheco Leão. Ao integrar as duas áreas, a instituição dá mais um passo na recuperação de um pedaço da mata ocupado pelas construções irregulares.
No Plano de Ordenamento do Jardim Botânico é feita uma crítica à permanência das instituições no local: "Encravados na referia área, por força de atos que remontam dos anos 60, existem ainda instituições públicas e privadas que desenvolvem atividades não condizentes a um espaço destinado à preservação ambiental". Em outro trecho, ressalta a "importância de se garantir a integridade territorial e paisagística deste que é o mais aclamado e conhecido jardim botânico do Brasil e um dos mais famosos do mundo."
Parte dos imóveis já tem finalidade comercial
Se originalmente os imóveis seriam para os funcionários, hoje parte deles tem fins comerciais. Para os moradores do bairro, um dos casos mais flagrantes de irregularidade é do Clube Caxinguelê, instalado num terreno junto à área de visitação do parque. Criado em 1962, acabou sendo alvo, na década de 1980, de uma ação, por parte do Ministério Público Federal, de reintegração de posse por uso e destinação indevidos do imóvel pelos funcionários.
Hoje, com um campo de futebol e churrasqueira, o local é alugado para festas particulares. Na última semana, uma das "responsáveis" pelo clube, que se identificou como Conceição, disse que as festas são menos numerosas:
- As festas iam até 1h, mas, por causa da ação na Justiça contra o clube, elas agora vão até 21h. E não podem ter mais de uns 80 convidados. Antes, alugávamos até para mais de 300 pessas.
Para Liszt, um absurdo:
- No plano de expansão do parque, esse clube vai abaixo - avisa ele.
Casa funciona como bar na Rua Pacheco Leão
Outro caso tido como "aberração" pelo presidente do parque é o da moradora Maria José Maia. Ela ocupa, com uma filha e um cachorro, uma sala dentro do setor da Diretoria de Gestão do parque. Uma das paredes do cômodo é vizinha à sala do setor de transportes. Por não ter banheiro próprio, a família usa o dos funcionários. Para chegar à casa é preciso passar pelo portão de segurança da diretoria.O caso está na Justiça.
Na casa da Rua Pacheco Leão 1.881, mora uma família que transformou parte do imóvel em bar.
- Acho que um tio meu era funcionário do Jardim Botânico - disse um dos moradores, sem dizer o nome do parente.
Numa área central do arboreto existe uma casa, cuja família recebeu ordem de despejo em janeiro, mas não saiu até hoje.
- Ainda não vejo a luz no fim do túnel - reclama Liszt.

Dois séculos de história e beleza

O regente Dom João, que se tornaria o rei Dom João VI, ficou encantado com a exuberância da natureza da região, que conheceu assim que chegou ao Brasil, em 1808. Ali fundou um jardim de aclimação de especiarias da Índia.
As primeiras plantas que chegaram ao belo jardim vieram trazidas no Jardim La Pamplemousse, instalado nas Ilhas Maurício. Entre as espécies estava a Palma meter, que ficou conhecida com palmeira imperial. Elas foram plantadas pelo próprio Dom João VI.
Atualmente, o Jardim Botânico é constituído por um arboreto, onde estão cerca de dez mil exemplares da flora cultivados em canteiros e estufas - uma área remanescente da Mata Atlântica.
Por sua importância não apenas científica, mas também histórica, o parque acabou sendo tombado, em 1973, pelo Patrimônio e Artístico Nacional (Iphan). O Jardim Botânico está hoje entre os pontos turísticos mais visitados da cidade.

O Globo, 03/07/2011, Rio, p. 32

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