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Irrigacao alternativa melhora renda no campo

OESP, Economia, p.B5
16 de Fev de 2004

Irrigação alternativa melhora renda no campo Projeto Mandalla pode dar retorno de R$ 5 mil mensais para famílias com 2 hectares de terra
PRISCILA NÉRI
O administrador de empresas Willy Pessoa passou 30 anos de sua vida pesquisando formas de gerar renda e combater a miséria nas regiões rurais do Nordeste. Para encontrar a solução, o paraibano mergulhou nos escritos da Bíblia, estudou a realidade socioeconômica do Brasil e buscou inspiração no cosmo. O resultado foi o Mandalla, um sistema de irrigação de baixo custo que facilita a produção de alimentos de subsistência em áreas pobres.
Em 2003, o Mandalla recebeu o Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil, eleito uma das sete melhores iniciativas sociais do País numa competição que reuniu 600 projetos.
Willy Pessoa, por sua vez, foi nomeado um empreendedor social pela Ashoka, uma organização internacional que fornece bolsas de até R$ 4 mil por mês para que empreendedores com idéias de grande potencial possam se dedicar integralmente ao lançamento e à consolidação de seus projetos. Depois de trabalhar com desenvolvimento sustentável na ONU e no Sebrae, Pessoa fundou no ano passado a Agência Mandalla de Desenvolvimento Holístico Sistêmico Ambiental, uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip).
O Mandalla, formado por nove círculos concêntricos, é inspirado no sistema solar. No centro, que simboliza o sol, um tanque escavado e cheio d'água dá lugar à criação de peixes e marrecos. Do reservatório saem mangueiras que distribuem a água uniformemente nas plantações cultivadas nos outros oito círculos. A água, rica em fósforo por causa das fezes dos peixes, é um excelente adubo agrícola. Uma lâmpada instalada em cima do tanque garante o alimento dos peixes: a luz atrai mariposas e insetos que caem na água quando escurece.
Em volta do tanque, as famílias criam vacas, caprinos, coelhos e porcos, que se alimentam do que é plantado no Mandalla e cujas fezes também podem ser usadas como adubo. Os primeiros três círculos do Mandalla são destinados à subsistência e à melhoria da qualidade de vida das famílias. É onde se planta feijão, arroz, mandioca, batata, café e hortaliças.
Nos seis círculos restantes, os agricultores cultivam árvores frutíferas, plantas medicinais e ornamentais - todas regadas pelas mangueiras que saem do reservatório e demarcam cada círculo. Para garantir o uso racional da água e a irrigação uniforme, seria necessário o uso de microaspersores, equipamentos usados para irrigar jardins. Mas como a compra desses aparelhos é financeiramente inviável para os produtores - cada um custa R$ 2,50 -, o Mandalla propõe uma criativa substituição: com cotonetes de ouvido cortados e inseridos nas mangueiras, a irrigação é garantida.
A idéia do Mandalla é ensinar os produtores a manterem ciclos produtivos de culturas diferenciadas para garantir uma alimentação balanceada. "De cada 100 brasileiros que esperam nas filas dos hospitais, 70 não estariam lá se tivessem sido bem-alimentados", argumenta Pessoa. Depois de bem-alimentados, os agricultores podem vender o que sobrou da produção e formar cooperativas, o que elimina a ação dos atravessadores e oferece outra fonte de renda para as famílias.
"Quando famílias de pequenos municípios conseguem garantir sua auto-sustentação, acontece uma revitalização da economia e do comércio dessas cidades", explica Pessoa. "Agora estamos organizando agroindústrias formadas por até 96 famílias para a produção de carne, leite e derivados, hortaliças, frutas, plantas medicinais e plantas ornamentais."
Ainda em fase inicial, há cerca de 200 Mandallas montados hoje em cinco Estados brasileiros. Por meio de parcerias com governos locais e com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o sistema deve chegar a outros oito Estados ainda este ano. Empresas como a PepsiCo e a Baygon também estão patrocinando a expansão do projeto.
A construção do Mandalla - incluindo a parte material e a capacitação das famílias - custa em torno de R$ 4.500, valor que Pessoa sugere que seja financiado pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Segundo ele, uma área de dois hectares (com 50 tipos de culturas, 450 frutíferas e a criação de animais) pode proporcionar uma renda de R$ 5 mil para cada família por mês.
O município de Cabaceiras, na Paraíba, que tem 5 mil habitantes, vai ganhar mais 25 Mandallas este ano, com projetos financiados pelo Banco do Nordeste e pela prefeitura. "Tivemos uma experiência muito boa com dois projetos piloto. As famílias estão vendendo seus produtos nas feiras e melhorando seu padrão de vida", diz Gervásio Menezes de Farias, secretário de Ação Rural do município.
Para João Bosco da Silva, consultor do Sebrae/PB, o sistema Mandalla pode ajudar a reverter o êxodo de famílias do campo à procura de emprego nas capitais. "Já há agricultores trazendo seus filhos das cidades de volta para o Interior", aponta.
Pessoa vai mais longe: "Se percebemos que o emprego está debaixo dos nossos pés - na terra - podemos tirar milhões da pobreza. Se o Mandalla for aplicado em grande escala nas regiões rurais do País, seria possível gerar trabalho para entre 5 e 11 milhões de pessoas dentro de 5 anos."

OESP, 16/02/2004, p.B5

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