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Invasão avança em área de preservação

OESP, Metrópole, p. C4
06 de Mai de 2012

Invasão avança em área de preservação
Maior ocupação do Movimento dos Sem-Teto no País soma 3 mil barracos em mata de Embu

DIEGO ZANCHETTA

No meio de uma área de preservação de Embu das Artes, na Grande São Paulo, com três nascentes e 433,8 mil m² de mata nativa, a maior ocupação do Movimento dos Sem-Teto no País soma 3.162 barracos. E não para de crescer. São cerca de 8 mil pessoas, segundo os líderes, divididas em 20 grupos. Todos recebem apoio e mantimentos da Prefeitura.
Mas a tensão tomou conta da invasão após a juíza Bárbara Cardoso de Almeida, da 2.ª Vara da Comarca de Embu das Artes, determinar, na quarta-feira, a desocupação imediata do terreno, que pode ser feita pela PM a qualquer momento. As famílias prometem resistir e transformar a ocupação em um "novo Pinheirinho", em referência ao bairro de São José dos Campos invadido por 6 mil famílias de sem-teto até o início do ano.
"Começamos com cem ônibus, no dia 2 de março. A intenção era massificar o movimento mesmo, com o apoio do Chico (Brito, do PT, prefeito de Embu das Artes). Só não esperava que fosse tão rápido", conta a líder Vanessa de Souza, de 30 anos.
O terreno é da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), cujo projeto é construir conjuntos para 1,2 mil famílias no local. A Justiça, porém, proibiu em 2006 qualquer empreendimento ao lado da floresta, remanescente de Mata Atlântica que abriga espécies como o pica-pau do campo e o colibri de peito azul, além de centenas de araucárias e ciprestes. A ação foi movida à época por ambientalistas da cidade.
Trabalho. Diante do impasse que se arrastava havia seis anos, os sem-teto decidiram invadir o terreno no início de março. Dos pontos mais altos da cidade já é possível observar as lonas pretas, amarelas e vermelhas escalando um dos últimos morros verdes da região. No meio da mata, mulheres e crianças se dividem para moer restos de telhas que "pavimentam" o chão escorregadio de lama. Os homens cortam as árvores, constroem os novos barracos e cuidam da distribuição dos alimentos.
A produção em série já fez a luz elétrica chegar às 22 cozinhas comunitárias da invasão, onde também estão as TVs. Quatro desses espaços coletivos têm computadores com acesso à internet. O lixo e o entulho são queimados em clareiras abertas no meio do mato.
"Se fosse para fazer um condomínio de bacana, a Justiça não faria nada. Agora, como é conjunto da CDHU, para pobre, não deixaram. Isso é hipocrisia", reclama o líder que se identificou como Araketu. "Ninguém aqui quer destruir a mata."
Migração. A maioria dos invasores de Embu das Artes esteve em alguma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto na última década. Além de Pinheirinho, famílias desalojadas após um incêndio no ano passado na Favela do Moinho, na Barra Funda, zona oeste da capital, estão na ocupação.
"Todo mundo que estava na invasão dos prédios das Avenidas Ipiranga e São João, no ano passado, está aqui também", diz Nelson Siqueira Filho, de 51 anos, o "porteiro" da invasão.

Pinheirinho, um 'marco'

Em janeiro, a reintegração de posse do bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos, desencadeou uma série de invasões do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) no Estado. A partir de março, os líderes do movimento decidiram concentrar os esforços na ocupação da área de preservação em Embu das Artes, hoje a maior do Estado.
A desocupação de 1,6 mil famílias do Pinheirinho foi feita à força pela PM, com imagens levadas à TV que causaram mobilização de dezenas de entidades de direitos humanos. Três pessoas ficaram feridas.

Ocupação atrai até coreano sem-teto
Rapaz veio de prédio ocupado pelo movimento no centro de SP atrás de apartamento; vizinhos de terreno são veteranos neste tipo de ação

Daniel Han, coreano de 37 anos, não tem nenhum documento e seu português se resume a pouco mais de dez palavras. Nos últimos 15 anos, perambulou por albergues da capital, após os pais voltarem à terra natal. "Aqui todo mundo ser amigo (sic)", declara o rapaz, que mora sozinho em um barraco de 12 m², o último da ocupação em Embu das Artes, no meio da mata.
Ele virou oficialmente um "sem-teto" após morar em um prédio invadido na Avenida São João, na capital, no fim de 2011. "Todo mundo está ajudando Han a retirar os documentos como cidadão brasileiro. O problema é que ele não fala quase nada de português. Conversamos por mímica o tempo todo", fala o vizinho Pedro da Silva, de 24 anos.
Enquanto os colegas tentavam explicar o problema da documentação, o coreano só reclamava que ainda não tinha um cobertor. "Pede para mim um daquele", dizia Han, apontando a manta de um menino dormindo no barraco ao lado.
O frio nos barracos cobertos só com lona, no alto do morro, tem sido insuportável, segundo o coreano. Mas ele promete resistir, como os amigos. "Quero um apartamento", resumiu o imigrante.
Han é um dos poucos iniciantes em invasões. A maior parte ali vive há anos "de lona em lona", como define Raimundo Gomes. Aos 61 anos, ele é o "mestre de obras" na ocupação de Embu das Artes. Gomes vive há mais de 20 anos em terrenos invadidos - esteve nas ocupações da zona leste da capital no início dos anos 1990, participou de invasões nos prédios da região central na década seguinte e, agora, está na "linha de frente" de qualquer ação do movimento.
"Eu nunca senti um clima de vitória tão grande como aqui em Embu. Todas as pessoas que conhecemos ao longo desses anos nas lutas estão aqui. Esse terreno pode ser um marco, como foi a invasão Chico Mendes, em Taboão da Serra, que durou mais de três anos", compara.
Reintegração. O comando da PM em Embu das Artes tem mantido diálogo com as lideranças invasoras. Uma saída pacífica dos invasores, porém, é cada vez mais remota. "Só saímos se alguém garantir os imóveis da CDHU para nós. Pago R$ 300 por mês de aluguel, não tenho casa própria. Moro aqui do lado, não vou sair mais", afirma Alex Morgado, de 22 anos, que erguia seu barraco com a mulher na quinta-feira à noite. Ele não pretendia mudar agora para o barraco. "Vou só garantir meu espaço aqui. Dessa vez parece que as coisas estão dando certo."
Ao lado de Morgado, outras famílias de Taboão da Serra, Cotia e Vargem Grande Paulista levantavam suas lonas. E prometem não arredar pé do terreno. "O clima é de união total", resume Vanessa de Souza, de 30 anos, líder da ocupação.
Decisão. A juíza Bárbara Cardoso de Almeida, da 2.ª Vara de Embu das Artes, vai decidir se o terreno onde está a Área de Preservação Ambiental pode receber conjuntos da CDHU somente depois da reintegração de posse. Isso porque um perito judicial esteve no local no fim de abril e comunicou à juíza que essa avaliação só poderá ser feita depois da retirada dos barracos. /D.Z.

Prefeitura diz que só fornece água e busca 'mediação'
Procurada, a prefeitura de Embu das Artes defende que parte da área verde seja destinada para uso habitacional. "Não estamos apoiando a invasão. Estamos fornecendo água e ajudando em uma mediação pacífica. Os conjuntos da CDHU vão ocupar só os 153 mil metros quadrados já degradados do terreno, e não a parte da floresta", argumenta Marcos Rosatti, que ocupa o cargo de Controlador-Geral do Município. "Na parte da área de preservação nosso projeto é construir um parque ecológico."
A CDHU, por sua vez, informou que mantém a intenção de construir conjuntos habitacionais no terreno e espera uma decisão final da juíza sobre o que pode ser construído na área. /D.Z.

OESP, 06/05/2012, Metrópole, p. C4

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