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A internacionalização da Amazônia pelas máfias do crime planetário

JT, Editoriais, p. A3
25 de Abr de 2004

A internacionalização da Amazônia pelas máfias do crime planetário

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, reconheceu publicamente que o governo tinha noção do perigo que corriam os garimpeiros que invadissem a reserva Roosevelt, em Rondônia, e, por isso, incorressem na ira da tribo cinta-larga, sua proprietária. No entanto, não se dignou até agora a explicar por que, mesmo sabendo disso, a Polícia Federal desativou o posto que ali mantinha. Agnaldo Muniz, que é da base do governo do PPS, ex-Partido Comunista), deputado por Rondônia e membro da comissão constituída pela Câmara para estudar o caso, advertiu que tanto faz a PF estar ou não estar na área, pois seus agentes não teriam mesmo condições de enfrentar os índios, tão bem armados estão estes.
Pode ser que o deputado exagere, mas é preciso considerar que omandante confesso da chacina, o cacique Pio Cinta-Larga, fotografado de camisa Lacoste empunhando arco e flecha para enganar turista na frente da caminhonete, umdado quase irrelevanteemseu vistoso patrimônio, não parece temer punições do Estado brasileiro. Processado na Justiça Federal por extração ilegal de pedras preciosas e citado em mais três processos judiciais na companhia de dois outros caciques e um índio da tribo, ele não só admitiu sua culpa no massacre, comoavisou que novas chacinas podem acontecer: "Foi só um aviso."
O que o governo Lula teria a dizer desse desafio? Mesmo tendo reconhecido as evidências do delito, o presidente da Funai,Mércio Gomes, defendeu a hipótese absurda da legítima defesa do sagrado direito à terra, apesar das informações de que houve uma barganha malsucedida em que a parte que se diz enganada eliminou os parceiros que não teriam cumprido a deles. Isso tudo com a cumplicidade de funcionários da Funai, conforme denunciam políticos da região.
Não se trata propriamente de uma novidade. Índios aculturados, alguns dos quais viram agentes do contrabando de metais e pedras preciosas, são certamente muito mais numerosos que os bons selvagens dos delírios do presidente da Funai. Esse ambiente de fraude resulta da conjugação perversa da cobiça que move o ser humano de qualquer etnia com a absoluta incapacidade das autoridades brasileiras de impor a lei numa área vastíssima (56% do território nacional inteiro) e quase totalmente virgem. As autoridades brancas têm cedido às reivindicações dos chamados "povos da floresta" - e, justiça seja feita, não se trata de uma atitude singular do atual governo, embora este seja mais suscetível a esse tipo de apelo "politicamente correto" -, mas não fazem o mínimo investimento nem algum esforço para sequer tomar conhecimento do que ocorre numsolo rico emminerais de alto valor econômico e estratégico e alvo da cobiça internacional.
Como lembrou o ex-comandante da Amazônia general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, a postura histórica do Estado brasileiro é transferir glebas imensas para o controle dos índios e deixálos à própria sorte, amercê dos contrabandistas e dos pesquisadores internacionais de biodiversidade, sem lhes dar apoio nem vigiá-los. Essa é a moldura da fotografia do cacique corrupto, rico e posando de defensor de sua cultura autóctone, à disposição de ONGs sobre as quais a autoridade nacional não exerce controle nenhum e que se dá ao luxo de matar até porque o próprio ministro da Justiça lhe concedeu o direito de aplicar pena de morte em garimpeiros que invadem seu território, ao dizer que estes pobres aventureiros mereciam melhor sorte, "mas violaram a lei".
Em vez de passar pitos nos ambientalistas - como este que disse que a Amazônia não pode ser tratada como se fosse apenas um "santuário da Humanidade" -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está desafiado a encontrar na escassez de nossos recursos públicos meios para garantir uma fiscalização eficiente dos recursos naturais da região. Se não o fizer - e logo -, nela se repetirá, em escala gigantesca, a tragédia da substituição do Estado pelo crime que já ocorre, por exemplo, nas favelas das metrópoles nacionais, particularmente no Rio. Assim, a internacionalização da Hiléia não se fará por tropas imperialistas, mas pelas máfias do crime planetário.

JT, 25/04/2004, Editoriais, p. 3A

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