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Integridade e soberania nacional

CB, Opinião, p. 17
Autor: ANANIAS, Patrus
09 de Out de 2006

Integridade e soberania nacional

Patrus Ananias
Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Leio, via internet, em destacado jornal da imprensa paulista e brasileira do último dia 3 de outubro a seguinte matéria, que transcrevo na íntegra: "Governo Inglês divulga plano para privatizar a Amazônia - O governo inglês, por meio de David Miliband, secretário de Meio Ambiente britânico, divulgou na semana passada, no México, um plano para transformar a floresta amazônica em uma grande área privada. O anúncio foi feito em um encontro realizado na cidade de Monterrey, segundo informou o jornal Daily Telegraph. O evento reuniu os governos dos 20 países mais poluidores do mundo."

A matéria prossegue da seguinte forma: "A proposta inglesa, que conta com o aval do primeiro-ministro Tony Blair, visa a proteger a floresta, segundo Miliband. O próprio admitiu que a idéia está em seu estágio inicial e que será preciso discutir as questões da soberania da região com o Brasil. O plano prevê que uma grande área da Amazônia passaria a ser administrada por um consórcio internacional. Grupos ou mesmo pessoas físicas poderiam então comprar árvores da floresta".

Essa notícia pareceu-me da maior gravidade, a despeito de sua fria objetividade. Tocou-me e feriu-me fundo os sentimentos de brasilidade e patriotismo. Deixou-me perplexo que o tema não tivesse maior repercussão na mídia e no debate nacional, ficando o assunto relatado como uma declaração qualquer.

O maior legado que herdamos dos nossos antepassados e um dos pontos mais instigantes e anunciadores das possibilidades nacionais é a integridade territorial do Brasil. Qualquer proposta que toque nesse ponto deve ser rechaçada de imediato por aqueles que, através dos tempos, ouvem a convocação de Caxias: "Sigam-me os que forem brasileiros". O Brasil, hoje com as suas fronteiras bem definidas, graças aos esforços históricos do Itamaraty desde os tempos do Barão do Rio Branco e às Forças Armadas personificadas nas marchas demarcadoras e civilizatórias do marechal Rondon, é o nosso território sagrado. É o que nos constitui na nossa identidade nacional.

A onda privatizante, que pensávamos superada depois dos estragos das concepções neoliberais do Estado mínimo, especialmente no campo dos direitos sociais, ressurge nas questões ambientais, graves e urgentes. Por trás desse debate coloca-se o papel do Estado e o projeto estratégico de desenvolvimento e emancipação de nosso país.

Tivemos a partir dos anos 1970 um grande debate em torno das responsabilidades do Estado e dos espaços, que alguns queriam e querem ilimitados até para comprar a soberania dos povos. Todos sabemos que o mercado teve uma função insubstituível no mundo dos negócios, mas a experiência mostra que ele não se auto-regula. Ele visa basicamente ao lucro e à expansão das atividades comerciais mais compensatórias em cada momento. Ele não tem compromisso com o bem comum, com a justiça social.

Quando ficou insustentável a conta social e ambiental da mão invisível do mercado desprovido de sentido ético e histórico, alguns, definitivamente contra o Estado nacional e a serviço dos interesses particulares e privatizantes, escolheram um novo deus para acertarem os interesses conflituosos entre as pessoas, grupos sociais e nações: as organizações não-governamentais. As ONGs, aquelas que estão efetivamente comprometidas com o bem público e não as de fachada a serviço de grupos e interesses escusos, cumprem uma função da maior relevância e devem, como as igrejas, universidades, empresários, movimentos sociais, ser parceiros do poder público na busca permanente do desenvolvimento com inclusão social.

No entanto, por mais eficazes que sejam, atuam setorial e regionalmente. Pensar e promover a integração das políticas públicas sociais e regionais, planejar a expansão das potencialidades do país em todas as dimensões, estabelecer o pacto entre o passado, o presente e as gerações futuras são atribuições histórica do Estado, como ensinam filósofos como Hegel, Eric Weil e Henrique de Lima Vaz. Um Estado que queremos democrático e de direito, mas com força suficiente para impedir o esquartejamento do Brasil.

Assuntos como planos de internacionalização e privatização mostram a urgência de nos debruçarmos sobre questões fundamentais relacionadas com o Estado nacional. Isso continua fundamental para que possamos fazer nossa lição de casa e consolidar, na teoria e na prática, o conceito de nação, soberania, inclusão. Que todos recebam os benefícios básicos da pátria indivisa, não privatizada, que os acolhe e promove.

CB, 09/10/2006, Opinião, p. 17

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