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Informativo referente à Saúde Indígena do Vale do Javari

Coiab - http://www.coiab.com.br/
07 de Jul de 2010

Caros amigos indígenas e parceiros do grupo que luta pela causa indígena.

Estamos tornando público as nossas indignações manifestadas há tempos pelas nossas lideranças. Gostaríamos que caso acharem conveniente apoiar a nossa luta, ajude-nos a divulgar por favor.

Saúde Indígena do Vale do Javari: "Uma situação monótona, paradoxo e desastrosa que transgride os direitos individuais e coletivos dos povos indígenas do Vale do Javari".

No contexto da política de saúde indígena, a área do Distrito Sanitário Especial Indígena do Vale do Javari DSEI- JAVARI é considerado uma das áreas de risco. Portanto, é tratado de "maneira especial". É o que temos ouvido dos representantes dos altos escalões da FUNASA em seus pronunciamentos. Na verdade, são considerações que nunca passaram de um grande disfarce.

Testemunhas dessas situações somos nós Marubo que habitamos a região do alto rio Curuçá da Terra Indígena do Vale do Javari no sudoeste do Estado do Amazonas.

Eis a nossa história de indignação:

No decorrer do ano de 2000, um surto de doença letal não identificada na época estourou no Vale do Javari causando mortes de dezenas de jovens. Até então as causas das mortes eram registradas como SFIHA (Síndrome Febril Hemorrágica Aguda).

Preocupados com a situação, as lideranças da aldeia Maronal tomaram decisão de pedir dos organismos responsáveis a realização de Inquérito sorológico in loco que meses antes uma equipe médica infectologista já teria realizado um diagnostico na aldeia Rio Novo para comprovar casos de hepatite. O que foi atendido na época pela equipe médica do Hospital Tropical a mando da FUNASA.

Na época, o pavor tomava conta da aldeia, por isso os índios queriam saber a real situação de cada um em menor tempo possível. Só que os resultados nunca foram apresentados para aldeia.

Em repúdio a esta negligência, a aldeia não aceitou mais a realização de outras amostras de sangue que a FUNASA realizou em parceria com o próprio Hospital Tropical. A aldeia chegou a rejeitar até a realização das vacinas que não respeitava o seu período regular.

Em maio de 2008, em atendimento as reivindicações do movimento indígena, a FUNASA organizou uma missão de saúde para o Vale do javari denominada Operação de Saúde do Javari que levou equipes multidisciplinares para realizar diversos tipos de atendimento na área de saúde. Uma dessas ações no alto rio Curuçá era convencer a aldeia a aceitar a coleta de amostras de soro, pois os Marubo do alto rio Curuçá eram os únicos que estava faltando para completar 100% de amostras.

Para realizar tais amostras foi firmado um acordo entre o representante da aldeia (Manoel Barbosa), da FUNAI (Eriverto Vargas) e da FUNASA pelo Diretor do Departamento de Saúde Indígena Dr. Wanderley Kuenga. As referidas amostras seriam divulgadas no período máximo de 03 meses e que os representantes escolhidos pelas aldeias acompanhariam todas as etapas do processo. Cofiando na palavra do Diretor do Departamento de Saúde Indígena, a aldeia acabou aceitando o acordo.

O representante da FUNAI escolhida pela aldeia pôde acompanhar até a incineração do material ainda em 2008 e que os resultados do inquérito seriam apresentados por um médico segundo os dirigentes da FUNASA.

Desde que foram realizadas amostras de soro já se passaram dois anos.

A aldeia através de sua associação, os representantes escolhidas pelas aldeias já formularam diversos documentos exigindo da FUNASA providências referente ao compromisso assumido. Inclusive foi até solicitado do Ministério Público um apoio no sentido de agilizar junto com a FUNASA a efetivação das providências.

Durante esta lacuna, dois indígenas adultos morreram com suspeita de hepatite fulminante associado a malária. Causas de mortes que dão nome enquanto não há informações precisas. Casos que revoltou a aldeia, onde as lideranças decidiram reter uma técnica de enfermagem que estava em área sem medicamento, bloqueando a entrada outros profissionais de saúde que iriam revezar em cumprimento da metodologia do DSEI. Na ocasião, as lideranças reivindicaram a entrada de uma equipe multidisciplinar e apresentação de tal inquérito tão resistente.

As autoridades locais (FUNAI e FUNASA), as entidades que fazem ação humanitária e organismos não governamentais que se dizem parceiros dos índios não demonstraram sua preocupação e o caso ficou por isso mesmo.

Mas os índios continuam pedindo as providências através de radiograma e verbalmente aos seus representantes pela radiofonia para agilidade das providências da situação pertinente.

Cansados de não ser atendido e vendo a precariedade de atendimento de saúde na aldeia que apresenta problemas cada vez mais crônicos, as lideranças indígenas decidiram deslocar de suas aldeias para conversar com as autoridades e representantes dos órgãos em Atalaia do Norte.

No dia 15 de maio de 2010, os Caciques que deslocaram de suas aldeias tiveram uma reunião com o Chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena do Vale do Javari Sr. José Bezerra, Cirurgiã Dentista Maria do Socorro, Técnica de laboratório Lizandra e Presidente do Conselho Distrital Jorge Oliveira Duarte, pedindo a entrada de equipe composta por: 01 Dentista, Médico, Nutricionista, Assistência Social e o Chefe do DSEI para ver a real situação dos índios em área.

Na ocasião, falaram aos Caciques que no dia 30 de maio já teriam um planejamento pronto para a subida de Equipe Multidisciplinar para fazer atendimento aos índios do médio e alto rio Curuçá e o médico para apresentar o resultado do inquérito sorológico.

Ao retornar para aldeia, o Chefe do Marubo Alfredão entrou em contato através de radiofonia para saber a entrada da equipe.

Como acompanho o problema desde o início, eu Manoel Barbosa Marubo procurei informar a situação aos nossos representantes indígenas em Atalaia do Norte.

O caso foi tratado numa reunião na sede da UNIVAJA no dia 20 de junho com a presença de lideranças indígenas de outras áreas, Chefe do DSEI, responsáveis pelos setores do DSEI e Coordenador da FUNAI da Coordenação Regional do Vale do Juruá.

A definição da programação de entrada da equipe ficou para o dia seguinte pela parte da manhã.

Na reunião de definição estavam presentes a Coordenadora Técnica do DSEI Enf. Oscarina, a Cirurgião Dentista Maria do Socorro, o Presidente da Associação dos Marubo de São Sebastião Clóvis Marubo, o Cacique da Aldeia Maronal José Barbosa Marubo e eu Manoel Barbosa.

Como já era esperado a Cirurgião Dentista apresentou uma enorme dificuldade de operacionalização de ações de atendimento no que diz respeito a falta de materiais e Auxiliares de Dentista que cada um estavam comprometido com os seus problemas. O que inviabiliza a subida da equipe para área em menos de dois meses. Porque os materiais solicitados terão que entrar também no processo de licitação.

As faltas de providências no que concerne a compra de material do dentista já fazem parte de outras solicitações de rotina como apresentou o Sr. José Bezerra a cópia dos processos de pedido.

A explicação da cirurgiã dentista e da Chefia do DSEI sobre situação foi suficiente para o entendimento das lideranças que as providências acabariam ficando nas mesmas negligências de sempre, aumentando assim, a indignação das nossas lideranças da aldeia diante da gravidade dos problemas de saúde.

A crueldade dessa história é que os problemas de saúde no Vale do Javari, em específico do caso dos Marubo do alto rio Curuçá conforme apresentamos neste documento não têm mínima importância para os responsáveis pela saúde indígena. Isso vem sendo demonstrado claramente neste longo período reivindicações que apesar da gravidade da situação vem existindo justificativas impetradas nas demandas burocráticas e políticas que não é possível resolver tal situação. São justificativas demasiadamente repetitivas para consolar e acalmar as revoltas dos índios.

Tal atitude irresponsável serve de recado para nós indígenas que o futuro dos povos indígenas já está comprometido, como já aconteceu na década de 80 na aldeia Lameirão com os índios Mayuruna, onde ocorreram primeiros casos de morte por hepatite, ninguém tomou as providências e o resultado dessa negligência são centenas de índios portadores de HB que não se consegue conter a situação, onde o grau de dificuldade para atendimento se tornou irreversível. Até porque hoje o chamado DSEI não dispõe de recursos humanos preparados e qualificados para enfrentar tal situação.

O resultado desse desleixo é o afugentamento dos índios Matís para afluentes dos igarapés. O que irá dificultar todo um atendimento para este povo.

É importante lembrar que real situação do Vale do Javari, não se trata apenas de problemas de saúde tão divulgada. Hoje, temos outro problema que merece ser visto com uma grande preocupação. É a questão social indígena que nasce como um câncer que está se evoluindo aos poucos. O fluxo de saída dos índios para cidade vem aumentado gradativamente a cada ano. Isso se deve pela falta de educação escolar nas aldeias, projetos de auto-sustentos que não existem nas aldeias. O que indica que em médio prazo senão tiver providências para frear tal situação, teremos no Vale do Javari um volume de população indígena urbanizada a beira da miséria e da marginalização.

Isso se eles sobreviverem. São histórias reais que os povos indígenas do Vale do Javari estão descrevendo suas situações para o presente, com receio de que as futuras gerações podem não existir.

O triste desse episódio é que a situação tão calamitosa do ser humano vem gerando rios de dinheiro para atender a necessidade de poucos que não são índios. Pois recursos financeiros foram jorrados para região sem resultados e sem nenhuma ação continuada para conter a situação dos povos indígenas da região.

Em resumo a tudo isso, é que a saúde da nossa população indígena nada pode ser resolvida se depender da FUNASA. O DSEI fica impedido realizar suas ações, alguns servidores ficam ociosos como de fato estão equipe de infra-estrutura contratada pela conveniada para construção dos Pólos Bases que há meses não exercem suas funções.

Inclusive foi solicitado pelas lideranças para reforma dos que já foram construídas, mas a dificuldade em agilizar o deslocamento desses profissionais está difícil segundo os dirigentes.

São atitudes irresponsáveis e falta de respeito dos organismos governamentais para com os nossos povos. E as nossas situações vão se evoluindo gradativamente a pesar do nosso apelo aos dirigentes dos órgãos pela melhoria de saúde, educação e projetos sustentáveis em área.

Pelo tamanho da situação que o Vale do Javari acumulou durante décadas e de conseqüências das falta de providências das situações do presente nada pode nos reservar boas perspectivas para o nosso futuro. E não precisamos contar todos os detalhes.

Atalaia do Norte-AM, 22 de junho de 2010.

Manoel Barbosa da Silva

Aldeia Maronal

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