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Industria e ecologistas dialogam. Todos ganham

OESP, Geral, p.A12
21 de Dez de 2003

Indústria e ecologistas dialogam. Todos ganham Velhos 'inimigos' agora buscam consenso, como ocorreu no projeto da Lei da Mata Atlântica
EVANILDO DA SILVEIRA
Ainda não se pode falar em entendimento perfeito nem apostar que tal situação vá um dia ser atingida. O que se pode dizer com certeza, no entanto, é que o relacionamento melhorou. O movimento ambientalista e o chamado setor produtivo - aí incluídos indústria, agronegócio e ruralistas - já são capazes de sentar à mesma mesa e conversar. O que tem dado bons resultados. O exemplo mais recente é o projeto da Lei da Mata Atlântica.
Depois de ter ficado 11 anos tramitando, a proposta foi aprovada na Câmara graças a muita negociação e, principalmente, ao fato de ambos os lados não terem se mantido inflexíveis.
É uma nova situação, bem vista pelas duas partes, na qual as posições dogmáticas começam a dar lugar ao bom-senso e ao entendimento. "Hoje já é possível o diálogo", resume o ex-deputado federal Fábio Feldmann (PSDB), ambientalista de primeira hora e autor do projeto da Lei da Mata Atlântica.
"Um exemplo é a tramitação desse meu projeto. Conseguimos chegar a um denominador comum com a bancada ruralista. Hoje já há um consenso em torno do desenvolvimento sustentado."
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem posição semelhante à de Feldmann. "Quando entendemos a importância da questão ambiental, nós mudamos a nossa posição", diz Romildo Campelo, diretor-adjunto do Departamento de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da entidade. "Você não pode ficar lutando contra a verdade o tempo todo. A indústria entendeu que, sem sustentabilidade, não teria longevidade."
Quando o movimento ambientalista chegou ao Brasil, ainda na década de 70, declarações como essas eram impensáveis. De um lado, os ecologistas defendiam a preservação pura e simples, preocupados com espécies ou ecossistemas específicos. Faziam muito barulho.
"No começo, a atuação do movimento ambientalista era na base da denúncia", explica o deputado federal Fernando Gabeira, sem partido, um dos primeiros ecologistas do Brasil e fundador do Partido Verde. "Aos poucos, as denúncias foram incorporadas pelos meios de comunicação e absorvidas pela sociedade. O movimento ambientalista precisou, então, avançar e passar a propor soluções, em vez de só denunciar."
Preconceito - Quanto ao setor produtivo, preservar o ambiente significava custos, investimentos sem retorno, o que reduzia a competitividade das empresas. Conservação do ambiente e desenvolvimento eram vistos como incompatíveis. A ecologia era tida como um obstáculo ao crescimento do setor industrial e da produção agrícola. "Aos poucos, fomos vendo que não é bem assim", diz José Lauro de Quadros, presidente da Comissão de Florestamento, Silvicultura e Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
"Entendemos que os recursos naturais só são renováveis se dermos tempo para isso."
Também aos poucos, por motivos diferentes e caminhos diversos, ambientalistas e setor produtivo foram evoluindo e diminuindo as desconfianças mútuas, que, se ainda não acabaram de todo, são menores do que há alguns anos. Os ecologistas, ou pelo menos a maioria deles, abandonaram o radicalismo, a atitude denunciadora. "Eu sou um exemplo dessa mudança", assegura Mário Mantovani, diretor da organização não-governamental SOS Mata Atlântica. "Eu era um dos mais radicais. Sempre brinco que era daqueles que deveria ser mantido na coleira e com focinheira."
Radicalismo - Mantovani justifica essa posição pela dificuldade em explicar, na época, as questões ambientais que começavam a surgir e eram desconhecidas da maior parte da população. "Como poderíamos explicar os perigos da poluição do ar ou o risco de extinção das baleias em 1973?", indaga. "Tivemos de divulgar essas questões de forma diferente, com radicalismo. Com o tempo, passamos a nos valer da ciência, nos profissionalizamos", afirma.
Hoje esse profissionalismo está presente em grande parte das ONGs ambientalistas. "Agora, elas são compostas por profissionais com mestrado e doutorado, com planejamento orientado por resultados e tendo como base ciência de boa qualidade, além, é claro, de sistemas de informação, gestão e captação de recursos muito bem estruturados", explica o biólogo José Maria Cardoso da Silva, ex-pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e atual vice-presidente de Ciência da ONG Conservation International do Brasil. "Essa é uma das mudanças mais importantes nas ONGs ambientalistas em relação ao que existia no início do movimento."
Desperdício - As razões da mudança no setor produtivo foram diferentes. Entre as principais está a questão financeira.
"As indústrias entenderam que poluição significa desperdício, insumo mal aproveitado", explica o empresário Vítor Feitosa, que é assessor da presidência do Conselho Temático de Meio Ambiente (Coema) da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). "Outro fator que fez o setor produtivo evoluir na questão ambiental é a cobrança da sociedade, veiculada pelas ONGs. As empresas sabem que a pressão em favor do ambiente vem das comunidades onde elas estão instaladas. Então, tratam de preservá-lo."
Para Silva, da Conservation International, essa nova atitude de ambientalistas e do setor produtivo, que parece pôr todos do mesmo lado em defesa do ambiente, reflete, de certa forma, o sentimento da sociedade. "Na verdade, acho que 90% da população brasileira é ambientalista hoje, desde que se defina ambientalismo como um movimento social em defesa do ambiente", acredita o biólogo. "A consciência ambiental no País ampliou-se significativamente e hoje a questão ambiental não é mais tema de conversa de alguns poucos, mas sim uma questão de grande importância em todas as ações da sociedade brasileira."

Um ponto de discórdia: os transgênicos Ecologistas defendem o princípio da precaução e o setor produtivo, a liberação
Apesar dos sinais de boa vontade entre ambientalistas e setor produtivo, há pela menos um assunto na qual parece não ser possível a concórdia: os transgênicos. Em linhas gerais - tirando os mais radicais, que defendem a proibição pura e simples - os primeiros, defendem o princípio da precaução e acham que são necessárias mais pesquisas antes de liberar a produção e o consumo. Os segundos, na sua quase totalidade, são a favor da liberação.
Para Romildo Campelo, diretor-adjunto do Departamento de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os ecologistas têm uma visão deturpada da questão. "Eles querem proibir o avanço da ciência", critica. "É como se proibíssemos o Brasil de estudar. Não podemos concordar com isso."
O presidente da Comissão de Florestamento, Silvicultura e Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), José Lauro de Quadros, é mais radical. "Entre o princípio da precaução e o da sobrevivência, sou sempre por esse último", diz. "Nosso povo está morrendo de fome. É preciso produzir. Não há nenhum estudo dizendo que transgênicos fazem mal. Além disso, no caso da soja geneticamente modificada, ela precisa de menos agrotóxico, então agride menos o meio ambiente."
Quadros também lembra que há produtos sendo consumidos livremente no Brasil.
"O cigarro é exemplo", diz. "Ele é vendido em maços com fotos de gente morrendo de câncer com uma advertência do Ministério da Saúde do que faz para a saúde e todo mundo compra. Por que não liberar os transgênicos? Basta rotulá-los. Compra quem quiser."
Os ecologistas, claro, não pensam assim. Os menos radicais são, no mínimo, cautelosos. Um exemplo é o ex-deputado federal Fábio Feldmann. Ele diz não ter uma posição fechada contra os transgênicos, mas defende o princípio da precaução, segundo o qual um um organismo geneticamente modificado só pode ser liberado depois que for comprovado que ele não oferece nenhum risco para as pessoas ou para o ambiente. "Enquanto não houver estudos científicos suficientes, que demonstrem a inexistência de riscos, defendo a precaução na questão dos transgênicos."
O biólogo José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da Organização Não-Governamental Conservation International do Brasil, tem posição semelhante. "Faltam estudos detalhados sobre o tema no Brasil e no mundo", diz. "Os resultados obtidos até agora são conflitantes e precisam ser repetidos por pesquisadores independentes."
Ele não se limita a ser contra. Tem uma proposta para resolver o impasse.
"As empresas interessadas em desenvolver transgênicos deveriam ter criado um fundo com alguns milhões de dólares para custear pesquisas independentes no País", diz. "Esse fundo poderia ser gerenciado de forma independente pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e por uma comissão formada por especialistas de várias áreas temáticas."
De acordo com ele, essas pesquisas levam algum tempo para ser concluídas, mas são indispensáveis para conhecer precisamente as conseqüências dos transgênicos para a saúde humana e para a biodiversidade nativa. "O custo disso é irrisório diante da importância do assunto para toda a sociedade e do montante de recursos que o setor agrícola e industrial movimenta anualmente", completa Silva. (E. S.)

Filósofo grego é o 'primeiro ecologista'
A preocupação com o ambiente é mais antiga do que muita gente imagina. O homem considerado o primeiro ecologista, por exemplo, é o filósofo grego Teofrasto, discípulo de Aristóteles, que viveu entre 371 e 287 de nossa era.
Ele recebeu esse título por ter descrito as relações dos organismos vivos entre si e com o ambiente.
A própria palavra ecologia, no entanto, é mais recente. Ela apareceu pela primeira vez no livro Morfologia Geral dos Organismos, do biólogo alemão Ernest Haeckel. Ele a usou para significar o estudo do ambiente. O ambientalismo como movimento social surgiu no anos 60. Antes disso, apenas cientistas se preocupavam com a questão.
Eco-92 - Nos anos 70, o ambientalismo deu um salto com o surgimento de partidos políticos, os verdes. No Brasil, o movimento é tardio. O Partido Verde nacional só foi fundado em 1985. As empresas, por sua vez, só começaram a se sensibilizar com a questão nos anos 90, principalmente depois da Eco-92, que popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável. Todo esse movimento organizado teve início em 1972, com a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano. (E. S.)

OESP, 21/12/2003, p. A12

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