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Indios Xetá ganham uma nova oportunidade

Gazeta Mercantil- SP
Autor: Wagner Oliveira
19 de Jun de 2001

Ana Maria, dona de casa do ABC, volta a ser a índia Tiguá

Ana Maria Ferreira, moradora de São Bernardo do Campo, perdeu a memória dos seus três primeiros anos, vividos em plena era da pedra lascada. Esqueceu-se da figura do pai, Haykumbay, orgulhoso índio xetá que manejava um machado de pedra na Serra dos Dourados, noroeste do Paraná. Não se lembrava de ter se chamado Tiguá.Há quatro anos, a dona de casa descobriu que nascera numa tribo conquistada pela expansão do café nos anos 50. A notícia veio pela antropóloga Carmem Lúcia da Silva, da Universidade Federal do Paraná. Antes do contato com os brancos, os xetas eram 450. Após os massacres, algumas crianças foram levadas pelos jagunços para serem adotadas por brancos ou levadas para reservas guaranis e caingangues.As famílias xetás foram divididas durante a diáspora que espalhou os remanescentes por três Estados. Ana Maria foi adotada por uma família de brancos da região central do Paraná e veio para o ABC Paulista há seis anos. Ela desconhecia seus dois irmãos no Paraná. 'Achava que estava sozinha no mundo. Não me lembrava de nada', conta. Agora, aos 50 anos, se prepara para voltar.Ela planeja morar na Serra dos Dourados com seu marido José Carlos Ferreira da Silva e Luis Carlos Ferreira, seu filho de 21 anos.

Filho acredita na adaptação em aldeia

Luis Carlos Ferreira, 21, é um adolescente que gosta das mesmas coisas dos jovens de sua geração. Adora futebol, não dispensa um vídeo game e gosta de automobilismo e cinema. Na parede da sala de sua casa, há pôsteres de Ayrton Senna e Rambo, personagem de ator Silvester Stalone. Mas ele disse que está se preparando para esquecer um pouco da vida urbana e se dedicar a uma vida 'selvagem'.Ferreira é um dos 28 descendentes dos oito remanescentes da tribo xetá, aniquilada em 1960 pela colonização cafeeira no noroeste do Paraná nas décadas de 50 e 60 do século passado. 'Desde que minha foi informada que era uma sobrevivente e que havia um projeto para reagrupá-los, não sai da minha cabeça a possibilidade de a gente morar na aldeia', afirmou.Ele disse que a criação de uma reserva melhoraria a situação financeira da família, que mora em uma pequena casa em um bairro cercado por chácaras em São Bernardo do Campo. 'Eu faço bico de pintura de parede para sobreviver. O meu pai é caseiro de sítios vizinhos. Não passamos dificuldades, mas o fato de deixar de pagar aluguel aliviaria a nossa situação', afirmou. Ele quer se casar e levar a futura mulher para dar continuidade à etnia xetá.

Remanescente virou policial -

Ticoen, um dos oito dos xetás sobreviventes, atualmente é policial militar na pequena e pacata cidade de Pitanga , região central do Paraná. Por ter deixado sua tribo muito criança, não tem quase nenhuma memória do passado. Mas é um dos mais ativos do grupo na luta pelo reagrupamento da etnia. 'Estamos contando com o eforço da Funai e do governo do Paraná para não deixar o nosso povo acabar', diz.Pai de dois filhos, o PM já obteve do governo do Paraná licença para ajudar o grupo de estudos que tenta localizar e definir onde será o novo território xetá. Quando os descendentes estiverem juntos novamente, ele espera coordenar um posto policial que será instalado na futura reserva. 'Os filhos, a gente manterá estudando na cidade. Mas eles terão todos os nossos valores culturais', disse.O irmão do índio-policial, Rondon Xetá, é atendente de enfermagem em uma reserva cainguangue na região de Chepecó (SC). Ele também tem se empenhado em reconstutir a nação e é um dos responsáveis pelo contato permanente com o restantes dos remanescentes 'puros'. 'É a nossa oportunidade de voltar a ser um povo unido, que, pela ação devastadora do homem branco, quase foi extinto', afirmou.Rondon e Ticoen também são irmãos de Ana Maria, a Tiguá, que atualmente mora em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. 'O grupo que sobrou tem um parentesco. São provavelmente remanescentes de duas ou três famílias que integravam um dos clãs xetás, que, por sua atividade de coleta, viviam em sub-grupos na floresta', afirmou a antropologa Carmem Lúcia da Silva, da Universidade Federal do Paraná, coordenadora do grupo de estudos
A saga da tribo xetá começou a ser reconstituída com a tese de doutorado da antropóloga Carmem Lúcia da Silva, pela Universidade Federal da Santa Catarina. Em seus estudos, ela aponta que os xetás foram massacrados pela colonização cafeeira, apoiada pelo governo do Paraná. A maior parte dos índios foi morta a tiros em várias chacinas na década de 60 por jagunços contratados por fazendeiros. A partir desta semana, expedição coordenada pela pesquisadora tenta localizar a região onde moravam os xetás. Além de três representantes dos índios, geógrafos, arqueólogo, antropólogo e historiadores vão à procura do sítio arqueológico da tribo, próximo à cidade de Umuarama. Será o ponto de partida para demarcar uma reserva e reconstituir a etnia, com os oito índios puros que sobraram e seus 28 descendentes.Segundo o coordenador de Assuntos Indígenas do governo do Paraná, Edívio Batistelli, é a primeira vez na história do Brasil que uma tribo será reconstituída com a participação ativa dos remanescentes. 'Em mais de 40 anos de atuação na área, não conheço nada parecido', afirmou.'Na primeira parte dos trabalhos, seremos orientados pelos índios. Vamos ver o quanto a memória deles pode ser útil', afirmou a pesquisadora.O trabalho de reagrupamento começou quando os oito últimos sobreviventes foram identificados pela pesquisora. Eles foram reunidos em 1999 em Curitiba e se mostraram dispostos a recompor sua cultura.Os trabalhos estão sendo feitos em conjunto pelo governo do Paraná e pela Funai (Fundação Nacional do Índio). Os recursos para uma eventual desapropriação de terras virão dos governos federal e estadual. Em uma série de entrevistas com os índios, pesquisadores encontraram traços em comum. A violência do colonizador ainda é imagem viva para alguns. Quatro falam o idioma, semelhante ao guarani, e têm ligação espontânea com a religião xetá. A média de idade dos 'puros' é de 48 anos. A continuidade da tribo depende de seus descendentes

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