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Índios Tenharim suspeitos de mortes em Humaitá irão depor em sede do Exército

Amazônia Real - http://www.amazoniareal.com.br
Autor: Kátia Brasil
03 de Mar de 2015

A Justiça de Humaitá, no sul do Amazonas, iniciou às 9 horas desta terça-feira (03), a audiência de instrução em que, pela primeira vez, os seis indígenas tenharim denunciados sob acusação de envolvimento nas mortes de três homens "brancos" dentro da Terra Indígena Tenharim Marmelos, darão suas versões em juízo do crime de maior repercussão na Amazônia Ocidental, na divisa com Rondônia.

Por medida de segurança, a audiência está sendo realizada na sede do 54o. BIS (Batalhão de Infantaria de Selva), também denominado de Batalhão Cacique Ajuricaba, nome do líder da tribo Manaós que lutou contra a colonização da Amazônia pelas tropas portuguesas em 1729.

Para ouvir os depoimentos de cinco índios presos preventivamente há 13 meses, a Justiça transportou de helicóptero da Polícia Rodoviária Federal e a escolta da Polícia Militar, na segunda-feira (02), Simeão Tenharim, 37 anos, o cacique da aldeia Taboca Domiceno Tenharim, 34, Gilson Tenharim, 25, Gilvan Tenharim, 20, e Valdinar Tenharim, 30, de uma base da Funai (Fundação Nacional do Índio) no município de Lábrea para o 54. BIS, uma distância de mais de cem quilômetros de Humaitá (a 591 quilômetros de Manaus).

O sexto indígena acusado de coautoria pelos crimes é o líder da etnia e servidor público Aurélio Tenharim, 42, que está está em liberdade. A reportagem apurou que ele comparecerá à audiência de instrução espontaneamente, acompanhado de advogados da Funai.

No mínimo 30 testemunhas indígenas e não indígenas, listadas pelos advogados de defesa e acusação, prestarão depoimentos na audiência na sede do 54ª. BIS, que fica a 9 quilômetros do centro de Humaitá, na BR 230, a Transamazônica. Os nomes das testemunhas estão sob segredo de justiça, assim como a ação criminal.

A sessão pública é presidida pelo juiz Reyson de Souza e Silva, da 2ª. Vara da Comarca de Humaitá. A previsão para o término da audiência é nesta quarta-feira (04). Procurado pela reportagem, o juiz disse por meio da assessoria de imprensa que a ação criminal tramita em segredo de justiça, razão pela qual não pode comentar o processo.

Após a sessão, o juiz Souza e Silva abrirá prazo para que os advogados de defesa e acusação façam as alegações finais e decidirá se os acusados irão ou não ao julgamento pelo Tribunal do Júri. O juiz também pode decidir pela revogação ou não da preventiva dos cinco índios presos. Devido à grande repercussão do caso, o julgamento pode ocorrer em Manaus, capital do Amazonas.

Os personagens do crime que motivou revolta e preconceitos em Humaitá

Os seis indígenas tenharim foram denunciados pelo Ministério Público Federal por suspeitas nos crimes de triplo homicídio duplamente qualificado (motivo de vingança (torpe) e sem chance de defesa), sequestro e ocultação de cadáveres pelas mortes do professor da rede municipal Stef Pinheiro, 43, o vendedor comercial Luciano Freire, 30, e o funcionário da empresa Eletrobras Amazonas Energia, Aldeney Salvador, 40, em 16 de dezembro de 2013.

No único pronunciamento que deram sobre o crime, em uma carta encaminhada ao Ministério Público Federal de Rondônia em 22 de maio de 2014, os cinco indígenas presos negaram participação nas mortes. "A gente é inocente. Não somos o que eles (a polícia) disseram. Estamos sendo injustiçados", dizem. A íntegra da carta, ditada à antropóloga Rebeca Campos Ferreira, que anotou o relato dos indígenas, pode ser lida aqui.

Três advogados do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) fazem a defesa de Domiceno Tenharim e Gilvan Tenharim. Procuradores da Funai são os responsáveis pela defesa de Simeão Tenharim, Gilson Tenharim, Valdinar Tenharim e Aurélio Tenharim. A reportagem procurou os dois órgãos para comentar o início da audiência de instrução, mas tanto a Funai como o Cimi preferiram não se pronunciar até o momento.

Em declarações anteriores, a Polícia Federal diz que os nomes das testemunhas de acusação estão em segredo para preservá-las, uma vez que a maioria é formada por indígenas da mesma etnia, além do que o processo criminal está em sigilo judicial. Mas, segundo a investigação, nomes de outras quatro lideranças tenharim foram citados como supostos autores dos disparos de tiros contra os três homens.

O advogado Carlos Evandro Terrinha, responsável pela assistência jurídica às famílias dos mortos, afirma que as provas que constam no inquérito da Polícia Federal "são incontestáveis". "A importância da audiência de instrução é buscar a verdade real. Há a materialidade e indícios fortíssimos que eles foram assassinados dentro da aldeia (Taboca). Agora se busca os outros autores, quem são e quantos foram. Não foram só os seis. Alguém que leva 74 tiros, leva no mínimo disparos de 15 pessoas", disse Terrinha.

A reportagem da Amazônia Real procurou lideranças tenharim para comentar a atual fase do processo criminal contra os seis acusados, mas eles disseram que não irão mais falar com a imprensa.

PF apontou que mortos eram inocentes

Segundo as investigações da Polícia Federal, em 16 de dezembro de 2013 o professor da rede municipal Stef Pinheiro, 43, o vendedor comercial Luciano Freire, 30, e o funcionário da empresa Eletrobras Amazonas Energia, Aldeney Salvador, 40, foram mortos por dezenas de disparos de tiros de espingarda por motivo de vingança pela morte do cacique Ivan Tenharim.

O cacique Ivan foi encontrado morto em um trecho da BR 230, a Transamazônica, dez dias antes do crime na terra indígena. Laudo pericial, segundo a polícia, apontou que ele foi vítima de um acidente de motocicleta.

Os corpos dos três homens foram localizados em uma cova rasa dentro da aldeia Taboca, no dia 3 de fevereiro de 2014, após 49 dias de buscas por uma operação liderada pela PF.

Durante o período em que eles foram dados como desaparecidos, a região do sul do Amazonas enfrentou um conflito sem precedentes durante o qual prédios, barcos e carros do serviço público de assistência aos índios foram incendiados por moradores de Humaitá revoltados com a demora nas investigações.

Os postos em que os índios cobravam pedágio ilegal na BR 230, no trecho da Terra Indígena Tenharim Marmelos também foram queimados pela população das cidades de Humaitá e Apuí e do distrito Santo Antônio do Matupi, de Manicoré, ambas no sul do Estado.

Em entrevista à Amazônia Real em janeiro de 2014, o ex-superintendente da PF em Rondônia, delegado Arcelino Damasceno, disse que as investigações mostraram que os seis indígenas tenharim suspeitos de envolvimento nas mortes estavam convictos de que o cacique Ivan Tenharim tinha sido atropelado por um carro preto.

De acordo com testemunhas ouvidas pela PF, no dia do crime Luciano Freire, proprietário de um veículo Gol preto, deu carona para Stef Pinheiro e Aldeney Salvador. Eles estavam se deslocando pela rodovia BR 230, a Transamazônica, no trecho que fica dentro da Terra Indígena Tenharim Marmelos, quando tiveram o carro intercepto por dezenas de índios armados de espingardas.

"A abordagem ao veículo ocorreu porque os índios acharam que aquele carro foi o autor do possível atropelamento do cacique Ivan Tenharim. Só que o Ivan Tenharim não morreu atropelado, ele caiu da moto", afirmou o delegado Damasceno.

Ele disse que para localizar o carro suspeito do atropelamento do cacique Ivan os tenharim receberam uma orientação de uma visão do pajé da etnia Torá. "Ninguém vai poder dizer como foram as mortes. O fato é que os três homens foram mortos a tiros", afirmou o delegado Arcelino Damasceno.

Defesa questiona testemunhas e provas

O Cimi aponta falhas no inquérito da Polícia Federal que podem levar ao pedido de nulidade do futuro julgamento. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, o conselho diz que a ausência das identidades das testemunhas de acusação, que estão identificadas por números e não por nomes, não permite descartar outras motivações para o crime, como disputas internas na aldeia ou ligação com fazendeiros. Também questiona as participações de cada um dos acusados nos crimes.

O ex-advogado de defesa dos tenharim, Ricardo Albuquerque, chegou a pedir à Justiça Federal, no ano passado, um salvo conduto para que os indígenas não prestassem depoimentos sem a presença de advogados membros da Funai ao delegado Alexandre Alves, responsável pelo inquérito. A alegação era a de que houve violação do domicílio dos índios dentro das aldeias pela polícia. O advogado também pediu que depoimentos e as provas coletadas em relação à materialidade ou autoria fossem anuladas por falta de acompanhamento da investigação de tradutor e mediador cultural designado pela Funai. O pedido foi negado.

O juiz federal Umberto Paulini, da 2ª Vara Criminal do Amazonas, declinou da competência de analisar a denúncia e julgar os seis indígenas da etnia tenharim por entender que os assassinatos não foram motivados por conflito indígena e sim um ato de vingança pela morte do cacique Ivan Tenharim. Neste caso, a competência para julgar é da Justiça do Estado do Amazonas.

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