Diário de Cuiabá-MT
Autor: RODRIGO VARGAS
27 de Fev de 2002
Treinamento gerencial para associações indígenas tenta dotar aldeias de técnicas para enfrentar mercado
Índios de quatro diferentes etnias em frente ao campus da Universidade Estadual de Mato Grosso, onde recebem aulas em módulos
Expressões antes restritas ao ambiente empresarial, como marketing, qualidade total e mercado financeiro, poderão em breve fazer parte do vocabulário de uma população que se acreditava alheia a tais conceitos. Um grupo de trinta índios de quatro etnias de Mato Grosso está aprendendo na escola conceitos básicos de administração, economia e contabilidade a serem aplicados nas aldeias.
A "mão invisível" do mercado, num espaço onde sempre vigorou a propriedade comunal, ganha terreno por meio de uma experiência financiada pela Secretaria de Desenvolvimento da Amazônia, a Funai e, acredite, o Sindicato Rural de Tangará da Serra.
O "Treinamento Gerencial da Associações Indígenas", em oito módulos, começou em dezembro no campus da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), em Tangará da Serra. Os alunos, que vêm de aldeias das etnias paresi, nambikwára, umutina e irantxe, passam uma semana por mês na cidade, hospedados em um alojamento no campus da universidade.
O foco do projeto, de acordo com o coordenador, o funcionário de carreira da Funai João Martins Flores, é dotar as associações (e seus representados) com meios para assumirem de fato o que se convencionou chamar de "auto-determinação" dos povos indígenas.
"Eles não podem mais depender de terceiros para abrir uma conta no banco, por exemplo. Chegou a hora de os índios assumirem seus destinos", opina Flores que, apesar deste ponto de vista, tomou por conta própria a iniciativa de escrever o projeto - mais tarde aprovado pelas associações indígenas -, estimado em R$ 198 mil.
Cada um dos oito módulos ocupa uma semana por mês, em oito aulas (administração, economia, legislação, contabilidade, informática, gestão ambiental, recursos humanos e organização).
O último será composto de oficinas práticas, a serem ministradas nas aldeias sede das associações. Na opinião da consultora técnica do projeto, a geógrafa da UFMT Rosamari de Morais, o objetivo específico é justamente aprimorar o trabalho nestas instituições.
"Estamos atuando sobre a prática do dia a dia deles nas associações. Só assim eles poderão montar os próprios projetos, administrar os recursos com competência e buscar as alternativas de vida que quiserem", diz a consultora .
É que, em sua maioria, os alunos ocupam cargos administrativos nestas entidades. É o caso de Arnaldo Zunizakae, 29 anos, tesoureiro da Associação Waimaré, que representa 520 índios de 13 aldeias paresi. "Antes desse treinamento, a gente exercia as funções da associação sem o menor conhecimento de como ela funcionava ou mesmo para que serviria", lembra o paresi.
Ele vê no curso uma oportunidade de vencer as limitações impostas por décadas de tutela do governo federal. "A Funai sempre diminuiu o peso do índio nas discussões sobre a vida nas aldeias", reclama Zunizakae. "Hoje a gente vê que muitas coisas poderiam ter sido diferentes. Hoje, a gente sabe mais sobre a vida aqui fora".
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.