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Índios se negam a deixar áreas invadidas

FSP, Capa e Brasil, p. A1 e A9
23 de Jan de 2004

Índios se negam a deixar áreas invadidas
Um dia após conflito, lideranças afirmam que nem com "derramamento de sangue" cumprirão ordem da Justiça

Hudson Corrêa
Da Agência Folha, em Japorã (MS)

O cacique Tdju, 64, líder dos índios que invadiram 14 fazendas em Japorã (464 km de Campo Grande), disse ontem que os guaranis e caiuás não deixarão as terras para ficar nas porteiras das áreas, como decidiu anteontem a desembargadora Consuelo Yoshida, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região.

Ela mandou que os índios formem oito grupos e aguardem por 20 dias nas entradas das áreas, até que "seja agilizado o processo de regularização fundiária da terra indígena". A Agência Folha levou ontem uma cópia da decisão de Yoshida até uma das áreas invadidas.
Tdju leu o documento.
"Daqui nós não vamos sair. Podem derramar nosso sangue e também o das crianças. Vamos ficar a vida toda aqui", disse o cacique com o rosto coberto por um capuz e pintado para guerra.

Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), cerca de mil índios ainda estão nas propriedades. As lideranças indígenas afirmam que são mais de 3.000.
A desembargadora do TRF suspendeu parcialmente a decisão do juiz Odilon de Oliveira. Ele havia determinado a retirada dos índios pela Polícia Federal e a reintegração de posse aos fazendeiros.

Segundo a assessoria da PF, devido à decisão de Yoshida, está suspensa a operação de desocupação, que envolveria 600 policiais ao custo de R$ 100 mil.
Geones Miguel Ledesma Peixoto, advogado dos fazendeiros, disse que vai entrar hoje com recurso no TRF da 3ª Região contra a decisão da desembargadora.

O administrador da Funai, Wilian Fernandes, afirmou que ainda estudava com o Ministério Público Federal uma forma de cumprir a ordem da desembargadora.
Os índios querem a posse de 9.400 hectares de terra. Nessa área estão as fazendas invadidas por eles desde dezembro.

Os índios, segundo Tdju, pedem que os fazendeiros retirem o maquinário e o gado das terras (são pelo menos 5.000 cabeças).

A situação era tranqüila ontem na área, um dia após o confronto ocorrido entre 250 índios e 300 fazendeiros na ponte que dá acesso às propriedades invadidas. Os ruralistas tinham ido ao local protestar contra as invasões.

O índio Odeir Martins, 14, foi ferido na cabeça durante o confronto. O agente de saúde e índio guarani Gumercindo Fernandes, 38, disse que ele tinha levado um tiro de raspão na nuca.

A PF ainda espera o resultado do exame de corpo de delito feito no adolescente, mas adiantou ontem que o ferimento não foi provocado por bala.

Sebastião Vera, 52, índio guarani, disse que foi atacado por dez pessoas, quando voltava à fazenda anteontem. "Eles tiraram minha roupa, amarraram minhas mãos e pés, e me jogaram no rio [Iguatemi]. Pensaram que eu iria morrer, mas segurei a respiração. Depois me soltei", disse Vera mostrando as roupas localizadas ontem pela manhã na área de confronto. "Eu desconheço que os fazendeiros tenham feito isso", afirmou Peixoto.

As etnias
Os índios pintados "para a guerra", com máscaras ou capuzes (feitos com camiseta furada em dois pontos para os olhos), pertencem aos 25 mil guaranis e caiuás afetados por suicídios (foram cerca de 400 casos em dez anos), pela desnutrição, alcoolismo (chegou a ser criado um grupo de Alcoólicos Anônimos apenas para índios) e pela falta de terra (atualmente disputam com ruralistas 149 mil hectares em 35 ações na Justiça Federal).

FSP, 23/01/2004, Capa e Brasil, p. A1 e A9

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