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Índios pedem que gado volte a ser criado em Terra Indígena do Tocantins

Amazonia.org.br - http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=330264
Autor: Fabíola Munhoz
02 de Out de 2009

Os indígenas da etnia javaé, que vivem na Terra Indígena (TI) da Ilha do Bananal (TO), estão dispostos a assinar um acordo com proprietários de gado para permitir que rebanhos antes banidos de seu território voltem a ser criados no local, em troca de pagamento.

No ano passado, cerca de76 mil cabeças de gado foram retiradas da TI por decisão da Justiça Federal. Os bois pertencentes a não-índios eram mantidos na área com a anuência dos indígenas, que mantinham acordos informais com os pecuaristas.

Após cumprimento da sentença judicial, restaram no local 6 mil cabeças de gado, todas pertencentes aos indígenas, que têm se mostrado insatisfeitos com a determinação da retirada dos demais rebanhos da Ilha do Bananal. Isso porque, com a proibição da permanência do gado de não-índios no território, as condições de vida da população local teriam piorado.

Diante da situação, o Ministério Público Federal do Tocantins (MPF/TO) firmou, no último dia 18, um termo de compromisso com algumas entidades representativas dos índios javaé para permitir que o gado volte ao território.

Segundo o procurador da república Álvaro Manzano, para que o acordo entre em vigor, falta apenas a definição do plano de trabalho da parceria, que irá definir os valores a serem pagos aos índios e quem serão os coordenadores e executores do projeto.

"A ideia é que seja um contrato de parceria. Ao final do contrato, depois de um ano de parceria, deverá ser feito um balanço da produção para a divisão justa dos ganhos", explicou.

O plano prevê a permissão para que sejam criadas até 20 mil cabeças na terra indígena. Os índios receberão por cabeça criada na área, e os recursos ganhos desse modo serão administrados pela associação Conselho da Etnia Javaé (Conjab), que vem se reunindo com os indígenas para se definir o plano de trabalho.

Segundo Vanderson Suará Javaé, coordenador da associação, os índios deverão receber R$3,50 por cabeça alocada na TI. Antes das últimas negociações, estava previsto o valor de R$ 5 por animal. "Esse valor será pago, fora a despesa toda, com coisas como manejo, curral, sal mineral e contratação de pessoal para a aldeia, que ficarão a cargo do dono dos rebanhos", explicou.

A unidade regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Tocantins participou da definição da parceria. O administrador-regional da fundação, Georthon Aurélio Lima Brito, informou que o MPF/TO fez várias reuniões e audiências públicas com os índios até chegar à conclusão de que eles são favoráveis à pecuária em suas terras.

"Eles querem renda e melhores condições de vida. Se não apresentamos outra forma [de geração de renda], é o que eles podem fazer. Os índios hoje querem ter energia nas aldeias, têm demandas da sociedade branca", disse.

Ele também afirmou que, embora seja favorável à proposta, caberá à Funai de Brasília autorizar o acordo. "O termo de compromisso ainda vai ser discutido em outras reuniões antes de ser formalizado", informou.

A central da fundação, em Brasília, ainda não se manifestou, e a Advocacia Geral da União (AGU) questiona o acordo diante da decisão judicial que determinou a retirada dos rebanhos da terra indígena no ano passado.

Por outro lado, Vanderson, da Conjab, disse que a partir da próxima terça-feira já serão assinados os contratos entre os índios e os proprietários de gado não-índios, sob a coordenação da associação e segundo avaliação da Funai.

"Já tinha gado lá antes, não vão colocar pela primeira vez. Tudo será feito de acordo com um plano de trabalho discutido com os índios. Eles estão a favor porque será bom para eles. Antes, só seis famílias se beneficiavam, agora, muitas serão", afirmou o líder indígena.

De acordo com ele, a associação já tem cadastrados 41criadores de gados não-brancos, que estão interessados na parceria com os índios da Ilha do Bananal. "Todos colocarão suas cabeças de gado na TI. Serão ao todo 19 mil cabeças, sendo que o máximo permitido é de 20 mil", afirmou.

Alguns dos índios deverão trabalhar como vaqueiros, enquanto outros como funcionários, ou gerentes da atividade. Vanderson informou que, na próxima segunda-feira, haverá reunião com os nativos da Ilha do Bananal para definição daqueles que irão desempenhar cada uma dessas funções.

Entre a cultura e a sobrevivência

"Acho difícil ser contrário. Os índios já não podem vender artesanato porque a PF [Polícia Federal] prende os materiais feitos de ossos e penas, e também não podem vender o peixe". É o que diz Georthon, da Funai, sobre o plano de permitir a criação de gado na Ilha do Bananal.

O administrador regional ainda revela outros empecilhos para que indígenas obtenham recursos por outros meios. "Tem a questão do Pronasci [Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania] indígena. Ele existe, mas o índio não é dono da TI. Os indígenas não têm garantia para dar a um banco porque não são donos da terra e nunca vão poder acessar esses recursos.", afirmou.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) se posicionou contrário ao plano por entender que ele prejudicaria a conservação dos costumes e tradições dos índios, além de caracterizar o "arrendamento" de terra indígena, que é uma medida inconstitucional.

Georthon diz que os índios já não são capazes de sobreviver a partir de atividades de subsistência tradicionais, a exemplo da caça e da pesca porque, na Ilha do Bananal, projetos de agricultura irrigada, como os da Fazenda Dois Rios e de Formoso, modificaram a região, com a contaminação do rio Javaé por agrotóxicos e a redução do nível das águas devido ao seu uso para irrigação.

"As chuvas levam o veneno e jogam para o rio, matando peixes e prejudicando o uso da água pelos índios. Ninguém embarga os empreendimentos, apesar da legislação", indignou-se.

O procurador Manzano também rebate as alegações do Cimi, explicando o que o projeto não é um acordo de arrendamento, mas uma parceria em que os próprios índios vão cuidar da criação. "Arrendamento acontecia antes, quando o índio alugava a terra para o próprio branco explorar e ficar na posse da terra. Agora, o sistema vai fornecer o rebanho e os índios vão cuidar dele com ajuda do produtor, mas sob o controle dos índios", destacou.

Efeitos ao meio ambiente

Segundo o procurador Manzano, a Ilha do Bananal é uma região de várzea, com vegetação que caracteriza pastos naturais. Por isso, de acordo ele, sempre houve pressão dos criadores de gado para o aluguel da área.

"Os técnicos da Funai, antes de firmarmos o termo de compromisso, fizeram uma avaliação do rebanho que seria possível colocar na terra sem haver prejuízo ao meio ambiente", garantiu.

Questionado sobre a possibilidade de que a permissão para a criação de gado na TI leve ao desmatamento na área, Vanderson, da Conjab, disse que não há risco. "Hoje ali só existe capim, mas se tiver vegetação que precisar se desmatada por causa do gado, vai ter que pedir autorização".

Fiscalização

Segundo Manzano, o acordo também prevê a criação de um conselho deliberativo e fiscal, que será composto por representantes de aldeias que fazem parte do projeto, da Funai, do MPF e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins (Ruraltins), com a função de verificar o cumprimento dos requisitos do termo, que prevê o respeito aos interesses indígenas, à sustentabilidade e ao meio ambiente. O monitoramento será feito por visitas periódicas e reuniões com os interessados, a cada dois ou três meses.

Ilha do Bananal

É considerada a maior fluvial do mundo, com área equivalente a 3,5 vezes a do Distrito Federal. Cerca de 75% do local são parte de terra indígena, e o restante é área de preservação. No local, vivem 3.500 índios.

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