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Índios pedem o fim do preconceito

Zero hora-Porto Alegre-RS
Autor: CARLOS WAGNER
16 de Jan de 2003

Manifestação contra morte de caingangue reuniu ontem centenas de pessoas

Ontem, foi a primeira vez na história contemporânea do Estado que índios fizeram uma passeata denunciado serem vítimas de preconceito racial. O protesto ocorreu durante toda a manhã, com discursos fortes e recheados de acusações de intolerância racial.

Debaixo de um sol escaldante, em silêncio, centenas de índios da Reserva da Guarita andaram por cinco quilômetros até o centro de Miraguaí, onde fizeram um emotivo protesto no local onde foi assassinado, com chutes e pedrada, na semana passada, Leopoldo Cresto, 77 anos, considerado um sábio da tribo. Os manifestantes se reuniram às margens da RS-330, em São João do Irapuã, uma das oito aldeias da Guarita, que tem uma área de 25 mil hectares onde vivem 5 mil índios nas cidades de Tenente Portela, Redentora e Miraguaí.

A Polícia Rodoviária Estadual controlou o trânsito. Não houve congestionamento. À frente da passeata, carregando um vaso de flores, estava João Crespo, 36 anos, um dos três filhos do índio morto na semana passada. No início, ele mostrou tímido e até assustado com a movimentação. Aos poucos, foi se deixando tomar pela emoção. Falou do pai e das histórias que ele contava ao redor do fogo de chão para a família nas noites de inverno.

O passo dos manifestantes era apressado. Enquanto progredia pela rodovia, um caminhoneiro fez uma provocação, referindo-se ao assassinato, em 1986, da professora Laurinete Branbatti, por três indígenas. Um dos manifestantes lembrou que os culpados tinham sido presos pela comunidade e entregues à Justiça. Dois morreram na cadeia, e o terceiro continua preso.

O destino era a calçada da Avenida Ijuí, onde Crespo foi morto enquanto dormia. No lugar, ainda há manchas de sangue. Fazendo de palanque uma cadeira velha, líderes da tribo discursaram. Alvandi Ribeiro lembrou que os brancos praticam genocídio contínuo contra os índios.

- O motivo do crime contra o Crespo foi preconceito racial, que há muito existe nessa cidade - gritou Ribeiro.

Foram 12 discursos. Em todos, o tema principal foi preconceito racial.

- Podemos ser tudo que os brancos são, sem deixar de ser índios. Os brancos podem ser tudo que os índios são, sem deixar de ser brancos. Só temos que nos respeitar - disse o capitão Lourenço Bento (a tribo tem estrutura militar).

Autoridades pregam conciliação e enaltecem memória de Crespo

Os prefeitos de Redentora, Adelar Luis Paschoal (PMDB), e de Miraguaí, José Alencar Lutz dos Santos (PMDB), enalteceram a memória da vítima, homenagearam a rapidez com que a Polícia Civil esclareceu o caso e pregaram a conciliação entre as comunidades.

Jesus Raimundo, 33 anos, sobrinho da vítima, ouvia atentamente os discursos. Ele segurava um pedaço de taquara com um facão preso na ponta, uma espécie de lança.

- Tenho medo de que façam comigo que o fizeram com o tio - explicou.

Alguns mercadinhos tiveram as portas fechadas. Parte dos comerciantes que fecharam os estabelecimentos pertence a um grupo acusado de reter ilegalmente cartões megnéticos dos aposentados como garantia de pagamento dos ranchos. Há processo na Justiça Federal.

Moradores se postaram em calçadas e janelas para ver a passeata e concordaram que existe o problema racial. No início da tarde, os índios retornaram para suas aldeias.

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