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Indios pedem garantia de seus direitos

O Liberal- Belém-PA
18 de Jun de 2001

Pôr fim à discriminação social e racial e exigir a garantia dos direitos constitucionais dos índios. Esses são os termos que encabeçam a declaração da Conferência Nacional dos Povos Indígenas, encerrada na manhã de ontem com festa na Estação das Docas. O documento, que contém as principais reivindicações dos povos de 76 etnias representadas no evento, foi entregue ao governador Almir Gabriel e será encaminhado ao presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Ministério da Justiça, à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Organização das Nações Unidas (ONU). Depois de três dias de debates, as cerca de 300 lideranças presentes à conferência condensaram suas principais reivindicações na declaração, dividida em cinco tópicos. Na área de educação e cultura, os índios pedem a construção de uma universidade indígena voltada para os valores culturais da raça, a garantia de acesso diferenciado ao terceiro grau e a formação de professores indígenas. A declaração também solicita a implementação de uma política educacional dentro dos parâmetros indígenas e a construção de um projeto político-pedagógico nacional com a participação massiva dos índios. Os povos indígenas não querem paternalismo, hoje concretizado através do assistencialismo da Funai. Querem se tornar professores, médicos, advogados, agricultores ou outra profissão que permita assumir seu destino, ressaltou a escritora indígena Eliane Potiguara, relatora do evento. Ela destacou ainda que a declaração visa a retomar o diálogo com os governantes, que não têm conseguido garantir os direitos dos índios. A demarcação das terras e a preservação da cultura e do trabalho para os povos são os principais direitos que não podem ser esquecidos, enfatizou. Demarcação - Na declaração, é lembrada a necessidade de prosseguir na demarcação das terras indígenas, assegurando autonomia de decisão sobre os valores gerados pelo meio ambiente e ecossistema e garantindo controle e responsabilidade dos povos indígenas sobre suas terras e o fortalecimento cultural como identidade, assim como o crescimento econômico. Atualmente, nas 516 terras indígenas demarcadas no Brasil, que correspondem a 11% do território nacional, vivem 360 mil índios, que representam 0,2% da população brasileira. Há necessidade de novas demarcações, pois muitos povos, como os Guarani Kaiwa e Terenas, não encontram mais caça e nem pesca em seus territórios, já extremamente reduzidos, avaliou Vilmar Guarani, assessor jurídico da coordenação-geral de Defesa dos Direitos Indígenas da Funai. Política - No documento, os conferencistas afirmam a necessidade de assegurar aos povos indígenas a representação política para superar a democracia unilateral que lhes foi imposta. As lideranças saem de Belém com a consciência de que temos que participar do processo de moralização da política brasileira, conclamou Marcos Terena, coordenador de Defesa dos Direitos Indígenas. Ele explicou que os índios querem não só representar e lutar em várias esferas do Poder Público pelos seus direitos, mas também para o desenvolvimento de todo País. A candidatura de índios nas eleições não é prioridade, mas é conseqüência deste comprometimento com a causa de moralização da verdade indígena e preservação do patrimônio nacional, que é o meio ambiente, destacou. No cenário político nacional, os povos indígenas já dispõem de representantes. São 87 vereadores, seis vice-prefeitos e um prefeito, que assumiram as administrações municipais a partir da liderança em suas tribos. Mas Eliane Potiguara ressaltou que a meta agora é conquistar espaço no Congresso Nacional. Para isto, uma comissão, eleita na conferência em Belém ficará responsável pela organização do Encontro das Lideranças Indígenas e Parlamentares, que está prevista para ser realizada em Florianópolis (SC), de 22 a 24 de agosto. O eixo central do novo debate é os novos rumos políticos das lideranças indígenas. Segundo Eliane, a meta é criar um Forum Parlamentar Indígena, que seria resultado de outro encontro, previsto para setembro em Brasília. A garantia de uma maior participação indígena em todas as instâncias nacionais e internacionais foi outro apelo dos conferencistas, que reivindicam a ratificação pelo governo brasileiro de convenções firmadas em orgãos internacionais, como a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Natureza - A proteção do meio ambiente em diversos níveis, nacional e internacional, é outra reivindicação dos povos indígenas, que também pedem para ser ouvidos nesta questão. Declaramos nosso firme propósito de contribuir para o fim do sofrimento secular que afeta o meio ambiente e a Humanidade, enfatiza a declaração. Ao avaliar a importância da declaração, Marcos Terena arremata: Temos clareza que os governantes que vão receber este documento nem sempre procurarão responder aos nossos sonhos. Mas, pela primeira vez, colocamos por escrito as críticas e as reivindicações de povos que ficaram 500 anos como os grandes mudos da História e que agora estão aprendendo a manejar os papéis como instrumentos de luta. Canto e dança deram o tom da confraternização A saudação à natureza, com canto e dança, foi a forma como os índios demostraram sua alegria com o passeio de barco no encerramento da Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Na manhã ensolarada de ontem, grande parte dos cerca de 300 conferencistas entoaram cântigos de alegria e reverência ao meio ambiente durante todo o trajeto do passeio fluvial de duas horas, partindo do trapiche de Icoaraci rumo à Estação das Docas. Os mais animados eram os representantes dos povos Wai-wai, Kaiapó e Xicrim, que cantaram e dançaram por toda a viagem não só as canções indígenas, mas também o ritmo paraense que vinha da voz do cantor Nilson Chaves. Não importando a idade ou se tinham ao colo crianças, os índios aproveitaram o passeio para se confraternizar como representantes de diversos povos e também com o homem branco e a natureza. Foi reivindicação das comunidades conhecer a aldeia do branco e nada melhor que ver Belém pelas águas, justificou Carlos Terena, coordenador cultural indígena. Para muitos dos participantes, era não só a primeira vez que visitavam a capital paraense mas também que viam um rio tão largo, principalmente quando percorreram a Baía do Guajará. Para o índio, o rio é natureza, é floresta e, assim, é saúde, é vida, destacou o cacique Pirakuman, da tribo Yawalapiti, do alto Xingu (MT). Já o líder do povo Kaingang (SC), Orides Belino, também vice-prefeito da cidade catarinense de Ipuaçu, o que mais lhe impressionou foi a densidade da floresta. Ao vermos tanto verde, pensamos na abundância de caça e pesca que existe aqui, ao contrário da nossa região, onde temos que investir muito nas plantações para podermos sobreviver, comparou. Para os dois líderes, a conferência foi uma oportunidade dos povos indígenas se conhecerem mais, trocarem experiências e buscarem a unidade de pensamentos para a causa indígena. Somos de regiões diferentes, vivemos em economias, climas e culturas que não são iguais. Não podemos mais continuar isolados. A conferência foi uma oportunidade de somar raciocínios de diferentes tribos em uma união que quer buscar a melhoria da qualidade de vida das nações indígenas, resumiu Orides. Governador promete ajuda a nações indígenas Uma miscelânia musical recepcionou os participantes da Conferência Nacional dos Povos Indígenas, na chegada do passeio fluvial, ontem de manhã, à Estação das Docas. Boi-bumbá, quadrilha, brega e até samba deram o ritmo da confraternização entre índios e brancos, que foram ao porto saudar a chegada dos mais antigos habitantes do Brasil. A multidão que ficou próximo ao local do desembarque quase impede o governador Almir Gabriel de recepcionar os visitantes. Da mão de lideranças indígenas, o chefe do Poder Executivo estadual recebeu a Declaração da Conferência, que contém as reivindicações dos povos indígenas. No que se refere ao governo do Estado, é possível atender aos pleitos desde que se estabeleçam prioridades, prometeu Almir. Mas o governador fez questão de destacar que o governo do Estado não se propõe a substituir o governo federal em suas responsabilidades constitucionais e legais. Mas existem ações suplementares onde podemos ajudar, como abastecimento de água, questões de saúde, educação e agricultura, em projetos que podemos desenvolver para atender àquilo que eles aspiram, assegurou. Almir destacou que a administração do Estado está inserida na iniciativa de integrar as ações dos órgãos estaduais, municipais e federais para uniformizar a política voltada para a questão indígena. Avançaremos na integração entre os povos indígenas e o restante da Nação. Ao lado disso, buscamos a compreensão verdadeira do pensar índio para entender a forma deles pensarem, ressaltou. Já quanto aos conflitos em Terras indígenas, o governador fez questão de enfatizar que o problema é do governo federal. Depois da recepção, os índios conferencistas partiram em maratona para assistirem e participarem das apresentações folclóricas, feitas por aprendizes da Fundação Curro Velho. Entraram na quadrilha e marcaram o brega com os dançarinos. No final, sob os olhares atentos do homem branco, integrantes dos povos Tembé, do Pará, e Xinguanos, do Mato Grosso, dançaram juntos a dança da alegria, marcando a confraternização dos povos participantes da conferência.

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