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ÍNDIOS OFAIÉ RECUPERAM TERRITÓRIO

Diosese de Três Lagoas-MS
01 de Jan de 2003

Foram necessários 24 anos de espera e muita dor. Eles eram mais de duzentos na década de 1950. Em 1978, quando foram expulsos de suas terras nas margens do córrego Sete, no município de Brasilândia-MS, eram manos de sessenta. Os mais antigos ainda guardam na lembrança quando o funcionário da Funai visitou-os pela primeira vez para dizer-lhes que deviam deixar a aldeia em que viviam há mais de um século.

Transferidos para a distante Bodoquena, na região Oeste de Mato Grosso do Sul, durante oito anos em que lá permaneceram foram despedaçando, sendo mortos e morrendo, entre grileiros, índios e fazendeiros da região, pelos corredores da sorte. Até que voltaram para Brasilândia, e com o apoio da Igreja, de entidades e de pessoas de boa vontade, iniciam uma luta pela recuperação de seu território tradicional.

Pelos escaninhos do poder, longe da justiça e ao sabor dos acordos políticos locais, viveram a mercê da sorte e do abandono. Permaneceram dez anos acampados nas margens do rio Paraná, e na foz do rio Verde -gritando ao mundo e contrariando as teses de extermínio dos anos 80: Ainda estamos vivos! E seu grito entoou alto, para além-mar, sensibilizando os donos do mundo. E eis que ao lado de uma justiça mouca à causa das diferenças étnicas, enquanto o processo Ofaié tramitava na justiça federal ao bel saber de perícias e pareceres duvidosos, eis que a comunidade Ofaié se organiza e amplia o rol de relação com a sociedade envolvente.

Os indígenas passam então a negociar com a Companhia Energética de São Paulo, Cesp, que inicia a construção da hidrelétrica de Porto Primavera (Engenheiro Sérgio Motta). E junto com os 2.500 km² do lago da hidrelétrica, inunda também a área onde os Ofaié viviam na margem do rio Paraná. Reclamam ressarcimento pelas perdas. Desafiam teses idealistas. Fazem-se práticos. Olham para trás e vêem o muito que já perderam. Os Ofaié olham seus patrícios a beira da extinção. Do antigo grupo que trilhou os anos de desterro na Bodoquena, só restam 16 pessoas. E pedem ajuda à Diocese de Três Lagoas.

Com a intervenção de D. Izidoro Kosinski, atual presidente do regional Oeste 1 da CNBB, os Ofaié sentem-se fortalecidos. Ao lado da Drª Danilce Vanessa Arte Ortiz Camy, do Ministério Público Federal, de Mato Grosso do Sul, e de membros do regional do Cimi-MS, em posição de vanguarda, os Ofaié partem para a luta para garantir o seu território.

Hoje os Ofaié estão de volta. Depois de muito esforço, desafios e ameaças, os seis proprietários, que ocupavam os 605 hectares declarados pela Funai em 1992 como área indígena dos Ofaié, eles concordaram em retirar a Ação na Justiça Federal, desobstruindo legalmente e permitindo em outubro deste ano o ingresso dos Ofaié na área reivindicada e há 9 anos em demanda judicial.

Pela legislação das demarcações, nesse caso, cabe a União indenizar as benfeitorias havidas de boa fé. Como sabemos, o orçamento sempre apertado da Funai nunca permite que ela honre seus compromissos e responda à demanda dos povos indígenas. A situação agrava-se ainda mais quando se trata de povos marginais (ou ressurgidos, como preferem a corrente pós-moderna do indigenismo). Esses grupos minoritários, como é o caso dos Ofaié, sequer são merecedores pelas Administrações Regionais de terem um funcionário e um Posto Indígena em sua área.

A indenização das benfeitorias, no valor de 1,6 milhão, garantida pela Cesp aos fazendeiros pela extrusão da área em litígio, foi, sem dúvida, o coroamento de uma luta que somente os Ofaié podem medir seus efeitos. Como missionário, desde 1986 acompanho esse povo de muito perto, e posso dizer que já enterrei índios Ofaié demais. Eles são merecedores de um pouco mais de respeito. Respeito esse que há muito lhes somos devedores. Em verdade, não é mais possível ver esse povo extinguir-se a míngua, sob o descaso oficial. Hoje, a luta dos povos indígenas é plural e soma-se às demais bandeiras levantadas por etnias, minorias e excluídos da participação e de direitos. Não é mais possível conviver pacificamente com a tutela.

Contrariando o anunciado pela Imprensa, no caso dos Ofaié, não houve compra de terra e sim indenização aos Ofaié pelos danos morais e materiais causados pela Cesp quando da transferência desses índios para a nova área em decorrência da construção da hidrelétrica de Porto Primavera. Em hipótese alguma essa vitória dos Ofaié põe em risco a luta dos outros povos na busca de seus territórios contra o latifúndio. Pelo contrário, serve para por em xeque a ação do Estado que, através de seu órgão indigenista tem revelado ao longo dos anos, em especial em relação aos Ofaié, escancarada inépcia.

Além dos 1,6 milhão utilizado para o pagamento das indenizações, os Ofaié recebem, nos termos do Termo de Ajuste de Conduta-TAC homologado em março desse ano, recursos que serão administrados pelo governo do Estado e aplicados em diversos projetos. Os Ofaié conquistam programas agropecuários, aquisição de materiais, implementos agrícolas, animais de tração, preparo e correção de solo, plantio de mandioca, arroz, milho, feijão, cana de açúcar, napier, fruticultura, gado leiteiro, avicultura, aquisição de eqüinos, suínos, ovinos e construção de tanques de piscicultura. Recebem também casas novas de alvenaria, luz elétrica e reforma na escola da aldeia.

Mas a luta continua. Dos 1.937 hectares declarados como área indígena Ofaié, pela Funai, faltam ainda ser incorporados à área 1.332 hectares que pertencem ao um único fazendeiro que não participou do acordo com a Cesp. A ação de contestação desse fazendeiro deverá se prolongar pela Justiças ainda por vários anos.

Ainda que convivam com dificuldades determinadas pela diversidade étnica da aldeia (os Kaiowá hoje já são maioria na aldeia dos Ofaié), e a falta de atendimento médico na aldeia, a comunidade hoje formada por 60 pessoas, com o acréscimo da nova área, ricamente banhada pelas águas dos córregos Sete e São Paulo, pode sorrir mais esperançosa com o futuro.

*Nas fotos em anexo vemos, 1o) o Pe. João Altino Barbosa, da diocese de Três Lagoas em meio as crianças da aldeia Ofaié (foto do Diác. Carlos Alberto Dutra); 2o) o Diác. Carlos Alberto Dutra, missionário do Cimi há 16 anos junto aos Ofaié, hoje coordenador da Pastoral Indígena da diocese de Três Lagoas junto às lideranças da comunidade Ofaié (Foto de Carlos Pereira, Ofaié).

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