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Índios ocupam sede da Funasa

A Crítica, Cidades, p. C4
15 de Dez de 2004

Índios ocupam sede da Funasa
Com a ocupação, indígenas que estão na Funasa pretendem pressionar a fundação a repassar R$ 3 milhões para a Coiab que estão atrasados há cinco meses. Os índios só aceitam negociar com a direção nacional da Funasa

Josie Maria Marja
Da equipe de A Crítica

Oitenta lideranças indígenas, de diversas etnias, ocuparam na manhã de ontem a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), localizada no bairro da Glória, Zona Oeste. A ocupação foi orquestrada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) para pressionar o órgão a repassar recursos financeiros da ordem de R$ 3 milhões que estão atrasados há cinco meses. Os índios prometem ficar acampados no local por tempo indeterminado e só aceitam negociar com representantes da Funasa de Brasília.
Os recursos são destinados às ações da saúde indígena mantidos pela Coiab, como a compra de medicamentos, equipamentos médicos, despesas com transportes, remoção, alimentação e pagamento do pessoal de saúde. A Coiab mantém os serviços de saúde em cem comunidades indígenas, beneficiando 15 mil índios.
A suspensão do pagamento tem inviabilizado os serviços de atendimento à saúde indígena. 0 que já era precário está se transformando em caos. A falta de recursos tem implicado no fechamento dos pólos-base e no atraso no pagamento dos salários dos profissionais de saúde. Os caciques denunciaram que os médicos e enfermeiras estão abandonando as aldeias, falta medicamento e tem crescido o número de mortes por falta de assistência.
Cansados de esperar por uma solução, segundo o presidente da Coiab, Jecinaldo Saterê Muro, as lideranças decidiram ocupar á área para protestar contra o descaso da saúde indígena e pela burocracia do órgão. Ele disse que já foi diversas vezes a Brasília, mas só recebe promessas como respostas às reivindicações. Ele conta que o movimento ganhou força quando soube da visita que o presidente Luís Inácio Lula da Silva faria a Manaus. "O dia da ocupação foi estrategicamente planejado. Queremos chamar a atenção do presidente para o problema que as comunidades indígenas do Amazonas estão passando. Esperamos que o presidente se sensibilize e resolva a situação", disse.
Convenio
0 montante de R$ 3 milhões que falta ser liberado pela Funasa, segundo Jecinaldo Saterê, corresponde ao convênio de no 010, assinado em junho passado. Em cima do valor total do convênio, diz Saterê, ainda existe uma parcela de complementação da ordem de R$ 1 milhão referente ao ressarcimento das despesas com saúde que foram realizadas entre os meses de março e maio deste ano. "Em fevereiro o nosso convênio foi extinto. Mas por força de um acordo com a Funasa continuamos prestando serviços as comunidades", diz.
De acordo com o representante do núcleo do Ministério da Saúde no Amazonas, Valdi Camarço, os entraves que estariam dificultando a liberação dos recursos seria irregularidades na prestação das contas da Coiab. Entre elas, o pagamento de uma indenização trabalhista no valor de R$ 47 mil. "A ação é de 2002 e a Coiab pagou a dívida com recursos do convênio assinado em junho deste ano. Por esse motivo houve a descontinuidade do convênio", diz.
0 presidente da Coiab reconhece as irregularidades mas afirma que todos os pagamentos realizados pela instituição foram feitos com a anuência da Funasa. "Usamos o valor da parcela de julho para fazer o pagamento da ação trabalhista. Mas tivemos autorização da Funasa para fazer esse procedimento", assegura.

Blog
Valda Ferreira 19, Artesã
"A Funasa e a Funai só nos procuram quando precisam de alguma coisa. Nesse momento eles nos enxergam porque somos úteis. Quando atendem seus interesses eles nos viram as costas. Os índios que moram em Manaus ainda são mais discriminados dos que os que moram nas aldeias. Quando temos algum problema e procuramos por eles a resposta é que só podem atender as pessoas que moram nas comunidades indígenas, principalmente se tivermos problemas de saúde.

Destaque
O coordenador da Funasa, Sebastião Nunes, foi a Brasília na última segunda-feira para tentar resolver o impasse do repasse de verbas para a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), segundo o assessor de Planejamento do órgão, Hamilton Macedo. Ele explicou que 300 funcionários estão impedidos de trabalhar, o que compromete as Casas de Saúde Indígena.

Personagem
Cacilda Batista 70, da comunidade Marau, em Maués
"A situação na minha área está muito difícil, não tem médico e os doentes não estão tendo assistência", a afirmação é da índia Cacilda Batista Miquiles, 70, da etnia Saterê-Mawe, localizada na comunidade Marau, na área do Andirá no Município de Maués. Ela conta que os índios doentes saem da área sem receber os primeiros socorros e na maioria das vezes são encaminhados para Manaus quando já estão morrendo. Cacilda reclamou também da demora no atendimento hospitalar e da solidão do doente. "Muitas vezes eles são enterrados aqui mesmo sem a presença dos ,parentes.

Comentário
por Raimundo Nonato Antropólogo
A saga dos chechenos
A saúde indígena no Amazonas padece do mal chamado incompetência. Isto tem haver com a carência de uma política pública efetiva que venha dar soluções para o drama a qual estão submetida os Povos Indígenas nas diversas regiões do Estado. É inadmissível que a Funasa, o órgão responsável pela saúde, trate a questão pela ótica da burocracia, até porque, doença não encontra burocracia para atingir seus objetivos.
Para uma ação efetiva o Estado deve, primeiramente investir na preparação de profissionais que leiam, entendam e estejam-comprometidos em vencer os obstáculos naturais da região e que tenham espírito e senso de responsabilidade em lutara favor da vida. Chega de profissionais aventureiros que olham as cifras e fazem as contas de quantos dias precisa ficar entre índios, rios igarapés e matos, para nuca mais voltar e terem o seu apartamento ou seu Audi.
Não basta, todavia, somente investimento em recursos humanos. Aqueles que se dedicam ou venham a se dedicar precisam ter condições para desenvolverem bem a sua capacidade profissional da melhor forma possível. Para tanto é necessário oferecer instrumentos técnicos para realização de exames, disponibilizar infra-estrutura adequadas que torne o trabalho mais prazeroso e não torturante.
É bom lembrar que em muitos casos o exercício da atividade profissional é realizado distante dos centros urbanos. 0 Estado tem que deixar urgentemente de tratar a questão da saúde de forma quantitativa, até porque, quantificar ações na Amazônia é perda de tempo. Qualificaras ações com bons projetos e programas a partir de uma política série e comprometida é fundamental.
Há necessidade de buscar soluções. Nada de ações paliativas, essas são muito mais nocivas do que as promessas realizadas pelo atual governo federal na busca de votos junto ao movimento indígena. As ações paliativas servem para rotular, impregnar e reforçar o humanismo que neutraliza o exercício da cidadania. E humanismo é tudo que o exercício ativo de uma cidadania indígena não precisa. Ou seja: o que os Povos Indígenas precisam é de ações concretas.

Caciques cobram tratamento melhor
Lideranças indígenas reivindicam assistência médica digna e respeito por parte da Funasa
Depois de ocuparem a sede da Funasa, as lideranças indígenas e o presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira' (Coiab), Jecinaldo Saterê, realizaram uma assembléia no auditório da Funasa com a presença dos representantes do órgão e do Ministério da Saúde.
Durante a reunião, foi discutida a necessidade da desocupação do prédio para que os serviços essências fossem mantidos. Porém, os índios não aceitaram os argumentos e decidiram manter o movimento.
"Vamos manter a decisão de parar tudo. Cacique merece respeito e tudo que foi decidi-o do na aldeia tem que ser respeitado. Vamos parar tudo para eles saberem que índio também é um ser humano", disse o cacique da tribo Ticuna.
Como ele, a maioria dos líder das tribos saterê-maue, purina, tucano, tenhari, parintintin, moura, tariano, arapasso e munduru resolveu manter ocupação. Depois da reunião onde todos os líderes se posicionaram, foi decidido que nenhum funcionário poderia permanecer nas dependências da Funasa. Alguns caciques foram designados para retirar o assessor de Planejamento, Hamilton Macedo, o representante do Ministério da saúde e alguns funcionários da Funasa que estavam numa sala no terceiro piso do órgão. "Peçam para que eles desocupem o prédio. Se houver resistências, chamem outros guerreiros e os tirem à força", foi a determinação da assembléia.

A Crítica, 15/12/2004, Cidades, p. C4

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