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Índios nômades competem em Brasília

Folha de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: TEREZA NOVAES
24 de Nov de 2004

"500 Almas", de Joel Pizzini, propõe retrato fragmentado de comunidade indígena que habita ilha no Pantanal

O retrato "etnopoético" dos índios guatós abre hoje a competição do 37o Festival de Brasília. "500 Almas", do diretor Joel Pizzini, reconstitui de forma fragmentada a história da comunidade.
Nômades que se deslocavam em canoas pela região do Pantanal, os guatós foram documentados pelo etnólogo alemão Max Schmidt, entre 1900 e 1928.
Eram considerados os mais "europeus" dos índios -os homens tinham barba e era comum o uso de vestimentas. Entre seus artefatos, havia uma espécie de viola e pouca arte plumária.
Durante alguns anos, eles foram tidos como extintos até serem "redescobertos" por uma missionária salesiana, na década de 70.
"O filme faz uma reflexão a partir de uma cultura. Se é que o filme tem um tema, ele é a presença e a ausência da memória através dos deslocamentos da cultura guató."
O envolvimento de Pizzini com a história da comunidade elucida a sua premissa. Na infância, quando morava em Mato Grosso do Sul, o diretor tomou contato com a mítica saga dos índios que, acreditava-se, estavam desaparecidos.
Mais tarde, nos anos 90, decidiu fazer um documentário sobre a comunidade, já aglutinada na ilha Ínsua, território original de seus ancestrais, no Alto Paraguai, na divisa de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bolívia.
"O contato que tive com eles, foi bem diferente do que veio a ser o filme. A princípio, a sensação era de ausência de memória. Eles quase não falavam, mantinham uma atitude de silêncio em relação à minha curiosidade", relata.
Durante a pré-produção e a filmagem, os índios passaram a ter uma atitude menos acanhada, o que obrigou o diretor a rever seus planos iniciais.
"Meu discurso veio por água abaixo. Tinha me preparado para falar de uma cultura adormecida, mas a câmera serviu de estímulo para que eles mudassem de comportamento", afirma.
Aproveitando-se do fato, Pizzini passou a estimular as lembranças dos integrantes da comunidade e a usá-los em representações. "Estruturei o filme numa espécie de mosaico. A cultura guató é estilhaçada, eles não têm noção de seu espaço e procuro refletir sobre isso", conta o cineasta.
Em seu panorama fragmentado, o diretor colocou em cena ainda os atores Paulo José e Matheus Nachtergaele, o primeiro criando um julgamento em cima do assassinato de um líder guató e o segundo interpretando o texto do século 16 "A Controvérsia", de Bartolomeu de las Casas, que discute se os índios têm alma ou não.
Aparecem ainda o etnólogo alemão, por meio de mais de 300 objetos catalogados por ele, que fazem parte do acervo do Museu de Antropologia de Berlim.
Outros personagens que ajudaram no fortalecimento da cultura dos guatós também são enfocados por Pizzini.
A lingüista Adair Palácio é uma das protagonistas. Ela desenvolveu uma extensa pesquisa que relaciona a língua guató com o basco, falado na região espanhola do País Basco, que não possui raiz determinada, como, por exemplo, o português deriva do latim.
"Procurei uma linguagem não linear que refletisse sobre a língua guató." Segundo Pizzini, os falantes do idioma não passam de dez.

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