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Índios mendigam nas calçadas da Capital

O Rio Branco-Rio Branco-AC
23 de Abr de 2003

Todo dia é dia de índio. Um poema cantado aos quatro ventos e que marca a época de um povo indígena defensor dos seus direitos. Uma palavra de ordem que mostra os dois lados de uma representante desta raça. Uma faceta oficial, de festas e comemorações, e uma outra, onde a Cinderela índia troca seu vestido de gala, seu papel de índia altiva, por vestes rotas, corpo faminto com mãos estendidas nas calçadas de Rio Branco, esmolando a sobrevivência do dia, perante "brancos" apressados, receosos e indiferentes ao seu drama.

Foi desta maneira que a jovem índia da nação Tukina, Edna Maria, 24, mãe de dois filhos, descreveu sua participação no evento. A festa foi uma oportunidade para se confraternizar com os seus parentes, os povos da sua aldeia e de outras nações indígenas. Apenas um momento mágico, para se distrair, esquecer o drama diário de mendigar pelas calçadas da capital.

Edna saiu de sua aldeia, a nação indígena Tukina, para vir pedir roupas velhas em Rio Branco, para vestir a si, sua bisavó, cuja idade não soube dizer com precisão, e dois filhos. O mais novo deles, já miscigenado com sangue branco. Mas, se veio atrás de roupas usadas, por que pede esmolas nas calçadas? "Para poder ter o que comer enquanto ganho roupas para todos", disse Edna. Uma resposta que não poderia ser de outra forma: lacônica, objetiva e dura.

Indagada sobre a assistência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para índios que, como ela andam perambulando pelas ruas, a jovem índia mendicante explicou, em palavras amargas, faladas em um português fluente que "só procuro a Funai quando estou mal, precisando de médico. E não saio de lá satisfeita", reclamou. Nem a hospedagem é feita nas dependências da instituição federal que deve promover o bem-estar dos povos nativos. A casa de um parente, localizada no bairro São Francisco, é o ponto de apoio, durante a sua estadia na capital acreana.

Uma jovem mulher, cujas palavras revelam o sofrimento que carrega nos ombros, não lembra em nada um povo guerreiro, cheio de esperanças, cujo representante é titular da Secretaria Extraordinária para os Povos Indígenas do governo do Estado. A insistência da reportagem para saber sobre algum trabalho das instituições que militam na causa indígena que houvessem beneficiado a índia mendiga, obteve como respostas, o desabafo de decepção da índia Kulina: "Eles, quando vão fazer alguma coisa por nós, dão só remédio e terçado, isso para os homens que são quem trabalha. Como sou mulher, nunca ganhei nada"- comentou Edna Maria, referindo-se à política da Funai e das demais instituições oficiais cujas ações estão direcionadas para os povos indígenas do Acre.

Benefícios da previdência
provoca a mendicância

O secretário Extraordinário para os Povos Indígenas, o índio Francisco Pianta, não foi localizado pela reportagem. Na antiga sede do restaurante Kaxinawá, onde, dia 18 passado, foi instalado seu gabinete, com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, às dez e meia da manhã de ontem, os portões estavam fechados. Pelas grades, percebe-se o chão coberto de folhas, o salão marcado por águas das chuvas recentes, o que demonstra que ainda não está funcionando, depois do feriado prolongado.

Não encontrado o representante oficial, a reportagem procurou a União Nacional dos Índios (UNI), um tipo de sindicato dos povos nativos. O dirigente Carlos Brandão Shanenawá, 33, coordenador do Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas, informou que a UNI já vinha, há algum tempo, buscando justificativas para que índios, de várias nações indígenas do Acre e Sul do Amazonas, abandonem suas comunidades e fiquem mendigando nas ruas das cidades acreanas. Carlos disse que a situação é grave pois, além da capital, os municípios de Feijó, Sena Madureira, Tarauacá e Feijó também têm que conviver com índios esmolando nas calçadas destas cidades. "Percebemos que tudo começou quando o índio passou a ter direito à aposentadoria. Todo mês ele tem que vir receber seu dinheiro e, como é do nosso costume, viajamos com os filhos, esposa, pais, avós, todos da família", informou.

O problema está nas grandes distâncias que separam as aldeias dos estabelecimentos bancários, nas cidades. Carlos Shanenawá disse que descer e subir rio, às vezes, leva semanas. O fato da Previdência bloquear o benefício daqueles que passam dois meses seguidos sem sacar, estabeleceu este ritmo constante de visitas de famílias de índios aos centros urbanos do Acre. Em alguns municípios, devido às grandes distâncias e o baixo valor do benefício, geralmente um salário mínimo, "eles esperam, com a família, sair a aposentadoria referente ao mês seguinte, para poderem voltarem para casa", comentou Shanenawá.

A solução, segundo informou o dirigente da UNI, é tentar uma parceria envolvendo a UNI, Funai e Ministério Público Federal(MPF) para prorrogar o prazo movimentação da conta de aposentadoria, junto à Previdência Social, de dois para seis meses. "Queremos ver se assim eles vêm apenas duas vezes por ano às cidades, reduzindo o choque cultural e evitando deles mendigarem, uma vez que receberão correspondente a seis meses, dando para comprar mercadorias e irem embora, de imediato, para as aldeias", avaliou Carlos Shanenawá.

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