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Índios lutam pelo direito de ser diferentes

Página20-Rio Branco-AC
Autor: Juracy Xangai
18 de Abr de 2004

IV Encontro de Cultura Indígena, que começa amanhã, em Cruzeiro do Sul, vai discutir diversidade e resistência

"Povos ressurgidos: Diversidade e Resistência". Esse é o tema do IV Encontro de Culturas Indígenas que acontece de 19 a 23 de abril, em Cruzeiro do Sul, onde estarão reunidos mais de 300 representantes das diversas etnias que habitam o Acre, Rondônia e Sul do Amazonas. No pátio do quartel do 61 BIS, em Cruzeiro do Sul, onde acontecerá o evento foi montado um grande palco, em torno do qual foi construído um kupishawas para cada povo; ali eles exporão seus alimentos, artesanato, livros e materiais escritos em sua própria língua, já no palco acontecerão as apresentações musicais, rituais e pajelanças.

Iniciado de forma tímida em 1999, tendo como objetivo principal a apresentação das artes e tradições de cada etnia, que, por viverem isoladas, muitas vezes nem se conheciam, o evento deu força ao movimento pela valorização, preservação e respeito para com a diversidade cultural que tem garantido a sobrevivência destas pessoas ao longo de milênios.

O evento que acontece durante a comemoração do Centenário de Fundação da Cidade de Cruzeiro do Sul, a terra dos Nawas e, marcará também o início de uma nova fase no relacionamento entre a comunidade de cultura tradicional não índia com a diversidade da cultura nativa representada pelos 14 diferentes povos que hoje habitam o Estado.

Segundo dados da Funai e organizações de estudos indígenas do Peru e EUA, na época em que foi iniciada a colonização do Acre existiam mais de 50 povos com diferentes culturas e línguas em todo o Estado. A grande maioria deles morreu vítima das epidemias de sarampo, varíola e outras doenças trazidas pelos não índios, enquanto a maioria acabou morta a tiros durante as correrias organizadas pelos seringalistas que queriam a floresta "limpa" para que seus seringueiros pudessem extrair borracha.

Hoje restam, no Acre, os povos Kampa (Ashaninka), Kaxinawá (Huni Kuin), Kaxarari (Huni), Kulina (Madijá), Poyanawa, Nukini, Katuquina, Shanenawa, Maronawa, Jaminawa, Jaminawa-arara, Arara, Manchineri e Nawa. Cada um deles fala língua com caraterísticas próprias, mas que estão ligadas entre si pelos troncos lingüísticos Pano ou Araua.

Ver e ser visto

Um exemplo prático desses fatos foi vivido pelo próprio povo Ashaninka que até 1998 era pouco conhecido até mesmo no Acre. Durante as comemorações dos 500 anos do Brasil foram convidados para apresentar um Moitará na sede da Funai, em Brasília, utilizando seus tambores, adornos, pinturas e roupas típicas (gusma). Depois disso gravaram um CD com algumas de suas canções tradicionais gravadas na própria aldeia. CD este que foi lançado nacionalmente durante apresentação de danças e música da tribo durante o Rock in Rio 2001. Assim, os ashaninkas foram da floresta para o mundo respeitando e sendo respeitados no modo de ser nesse contato das diversas culturas.

Índio conhecendo índio

Vivendo em aldeias isolados por centenas de quilômetros uma da outra em meio à floresta, muitos povos nem sabiam da existência de outros, muito menos alguma coisa sobre sua cultura. "O primeiro encontro aconteceu graças à sensibilidade do novo governo para as dificuldades pelas quais passavam nossas comunidades e, ao trabalho de órgãos e ONG's para que os próprios índios conhecessem uns aos outros. Muitos grupos viviam na incerteza sobre seu próprio modo de vida diante da pressão de outra cultura e, apesar da timidez daquele primeiro encontro pudemos notar a riqueza acumulada por cada povo". Afirma índio Ashaninka, Francisco Pinhanta secretário Extraordinário dos Povos Indígenas do Estado do Acre.

A tomada de consciência de que cada um daqueles povos formava um mosaico multicultural melhorou a auto-estima dos próprios índios. Eles compreenderam a necessidade de melhor se conhecerem e fazer se conhecer entre índios e não índios para criar uma convivência harmoniosa e, principalmente, respeitosa sobre as diferentes maneiras de ver e viver o mundo. "Percebemos que isso tem valor não apenas para o povo isolado, como também pode e deve ser aprendido pelas demais comunidades e pelos não índios para melhorar suas vidas e também para que aprendam a conviver com o diferente. O índio é diferente e é aí que está a beleza de nossa cultura marcada pelos costumes, comidas e rituais".

Rituais e propostas

O evento será marcado não apenas pelas festas e rituais, porque as lideranças aproveitarão o evento para reunir-se, avaliar conquistas e, sobretudo apresentar propostas de solução para os muitos problemas que essas comunidades ainda enfrentam. "Durante essas reuniões acontecem desabafos, troca de experiência e propostas seguindo uma dinâmica muito própria das comunidades indígenas que hoje tem orgulho de trabalhar pela preservação de sua cultura reforçando usos e costumes, além de estimular a produção de alimentos, medicamentos e artesanatos como forma de gerar renda alternativa para comprar aquilo que não pode ser feito na própria comunidade".

Francisco Pinhanta não esconde sua empolgação com as perspectivas do encontro e afirma: "Este é um evento que serve de modelo para que o mesmo aconteça em outros estados brasileiros, onde as manifestações e protestos das comunidades são até comuns, mas o que nós queremos é ser ouvidos e que nossas diferenças sejam respeitadas. Por isso este encontro não pertence a alguém, algum órgão, mas a todos os índios e não índios que saibam respeitar-se entre si".

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