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Índios kaxararis querem o direito de explorar racionalmente suas riquezas

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Leonildo Rosas
20 de Mar de 2003

Nação foi praticamente dizimada pela empresa Mendes Júnior durante o governo Flaviano Melo

Os índios kaxararis querem ter o direito de explorar as 14 jazidas de pedras existentes na sua área de reserva. Para conseguir o apoio das autoridades, lideranças da nação foram ontem à Assembléia Legislativa conversar com os deputados estaduais. Alguns deputados ficaram emocionados com os relatos dos representantes de um povo que foi praticamente dizimado pela exploração predatória da empresa Mendes Júnior, durante o governo do peemedebista Flaviano Melo nos anos de 1988, 89 e 90.

Como não têm poder de decisão, os deputados se comprometeram em fazer uma comissão para discutir o assunto com as Assembléias Legislativas de Rondônia e Amazonas, Estados onde a reserva está situada.

A idéia, segundo o deputado Moisés Diniz (PC do B), é aprofundar as discussões para que o assunto chegue até o Congresso Nacional, especificamente na Subcomissão de Assuntos Indígenas da Câmara dos Deputados, que é presidida pela deputada acreana Perpétua Almeida (PC do B).

"Tenho certeza de que o mais rápido possível o presidente Lula vai autorizar a exploração das pedras pelo povo kaxarari. Será a primeira pedra ecológica do Brasil", comentou Diniz.

ASFALTAMENTO - Sabedores do interesse do governo acreano em asfaltar estradas e da dificuldade em conseguir pedras para a obra, os índios querem ser os fornecedores da matéria-prima, a preços bem mais compatíveis com a realidade econômica do Acre.

Hoje, um metro cúbico de brita gira em torno de 120 reais no mercado local. Os kaxararis, mesmo não tendo a tecnologia adequada, afirmam que podem fazer parcerias com empresas do ramo e vender o produto com um preço até 40% mais baixo.

O dinheiro arrecadado com a exploração seria aplicado para suprir as necessidades da comunidade, na construção de postos de saúde, escolas bilíngüe, aquisição de equipamentos agrícolas, abertura e manutenção de ramais e na vigilância das terras indígenas contra invasores.

O drama vivido pelos kaxararis foi divulgado pelo Página 20 na edição no 1.831, de 26 de maio do ano passado, numa ampla matéria do jornalista Romerito Aquino.

De que modo a Mendes Júnior
prejudicou a nação indígena

Para realizar o asfaltamento da BR-364 entre Rio Branco e Porto Velho e construir o Conjunto Habitacional Manoel Julião, em Rio Branco, a empresa Mendes Júnior se instalou na reserva sem o consentimento dos índios e desmatou cerca de 10 hectares para explorar a pedra granito necessária à feitura das obras. A exploração causou danos ambientais e suas conseqüências são sentidas até hoje, treze anos depois.

Foi obstruído o igarapé azul, que era a principal fonte de abastecimento de água e continha peixe, os animais silvestres sumiram do local, impossibilitando a caça, e nação ficou apenas com a miséria e as doenças trazidas pelos homens brancos, principalmente a malária, que já matou 12 pessoas nos últimos anos.

"Depois que expulsamos a Mendes Júnior das nossas terras, tentamos várias alternativas econômicas sem muito sucesso. Também vale lembrar que não contamos com qualquer assessoria dos órgãos responsáveis pela questão indígena", lembrou o índio José Souza da Silva, o Zezinho Kaxarari, uma das lideranças da nação.

Abismados com o que foi feito contra o povo kaxarari, os procuradores da República Franklin Rodrigues, Luiz Francisco Fernandes e Sérgio Monteiros denunciaram a empresa Mendes Júnior á Justiça por conta dos danos causados ao meio ambiente e aos índios.

Além da Mendes Júnior os representantes do Ministério Público Federal processaram o extinto DNER, o Ibama e a Funai porque os órgãos não tomaram providências para evitar que os danos fossem causados. O processo tramita na Justiça. A indenização a ser paga pela empresa e os órgãos pode chegar a R$ 15 milhões.

Como vivem os kaxarari hoje

Atualmente, a nação kaxarari se resume em 470 índios. Eles moram em uma área de 145 mil hectares, nas proximidades das vilas Nova Califórnia e Extrema, nas divisas do Acre, Rondônia e Amazonas.

A economia dos kaxararis é baseada na extração de castanha. Mesmo assim, não há um trabalho coletivo. Cada um trabalha individualmente e vende a produção aos atravessadores, com o preço médio de 2 reais a lata. No ano passado, a produção chegou a sete mil quilos.

Em 1994, foi criada a Associação das Comunidades Indígenas Kaxarari, com a finalidade de fortalecer, organizar e incentivar a prática da cultura do povo, buscando alternativas econômicas sustentáveis e viáveis de acordo com o potencial da terra.

Os kaxaris investem apenas na agricultura de subsistência. Já tentaram junto á presidência da Funai o manejo florestal, mas não obtiveram êxito. Segundo eles, o órgão e os técnicos não tiveram sensibilidade suficiente para entender a proposta.

Sem alternativas na reserva, muitos índios estão saindo a procura de trabalho na fazenda, passando a compor o exército de mão-de-obra barata dos fazendeiros.

Os ramais que dão acesso á BR-364, de acordo com Zezinho Kaxarari, praticamente não oferecem condições de tráfego porque são recuperados precariamente pelos latifundiários. "Eles controlam o tráfego de nós índios. Muitas vezes até de forma desumana, pois já impediram nossa passagem em dias de chuva, mesmo quando estamos transportando doentes", denunciou Zezinho

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