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Índios invadem Senado para protestar

OESP, Nacional, p. A12
10 de Set de 2004

Índios invadem Senado para protestar
Kraôs e xavantes entram no plenário com toras para marcar "Grito pelo Cerrado"

Leonencio Nossa

Um grupo de 50 kraôs e xavantes invadiu ontem o plenário do Senado com duas toras de palmeira buriti, de 70 quilos cada, para protestar contra a destruição do cerrado. Primeiro, os índios burlaram a segurança, subiram a rampa do Congresso e fizeram orações entre as duas cúpulas do prédio, local fechado a manifestações nos anos 90.
Depois, eles enganaram um parlamentar e conseguiram a façanha de entrar no Senado com as toras, atravessar o plenário e colocar os símbolos de suas tribos em frente à mesa da presidência da Casa.
Após a oração, os índios resolveram entrar no Congresso. Em frente ao espelho d'água localizado na parte frontal do prédio, o grupo foi barrado pelos seguranças. Nesse momento, apareceu o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), atraído pela multidão de fotógrafos e cinegrafistas. Suassuna tirou um celular do bolso e intermediou com a chefia da segurança a entrada dos índios.
"Vamos fazer um acordo, vocês poderão ir até a entrada do salão nobre, mas terão de deixar as toras na portaria", propôs o senador. "Não senhor, a gente não consegue se separar da tora", respondeu Hiparidi Xavante. O senador sorriu amarelo. "Sem acordo, índio vai jogar tora no rio", ameaçou o xavante, olhando para o espelho d'água.
Ao perceberem que os índios estavam ficando nervosos, brancos que organizavam o "Grito do Cerrado" pediram aos kraôs e xavantes que aceitassem a proposta de deixar as toras na entrada do salão nobre.
Chegando lá, Suassuna convidou os índios para tirarem fotos ao seu lado e depois entrarem, sem as toras, no Congresso. "Índio não quer foto, índio quer entrar com tora", disse Hiparidi. Suassuna voltou a usar o celular e informou que o grupo poderia levar as toras até a entrada do plenário.
Os índios acabaram descumprindo o acordo e, no momento em que Suassuna posava para fotos ao lado de xavantes dentro do plenário, um grupo de índios pôs as toras nas costas e entrou no espaço de votações. "Não foi o combinado, não é o correto, não se pode fazer as coisas na marra", esbravejou Suassuna já na mesa da presidência. "Branco que planta soja e destrói rio também não é correto", reagiu Hapyhi Kraô, outro líder indígena.
Suassuna resolveu mudar o tom do discurso e finalizou pedindo que todos dessem as mãos e gritassem "viva o cerrado". "Só o cerrado a gente não quer.
Viva o cerrado e viva o povo que mora no cerrado, uma coisa não pode ser separada da outra", encerrou Hiparidi Xavante.
As entidades ambientalistas organizadoras do "Grito do Cerrado" só tinham programado uma corrida de revezamento do Uiwede, modalidade religiosa e esportiva de seis etnias brasileiras, entre a catedral e o gramado do parlamento. Dados divulgados pelos organizadores do protesto mostram que 47% da vegetação original do cerrado foi destruída. A monocultura da soja e a pecuária são as maiores ameaças ao segundo maior bioma brasileiro. As entidades que promovem até amanhã o "Grito do Cerrado" pedem ao Congresso a aprovação de uma proposta de emenda constitucional que torna o cerrado patrimônio nacional. Eles avaliam que o título facilita a obtenção de recursos no exterior para projetos ambientais na área.

OESP, 10/09/2004, Nacional, p. A12

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